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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Fala de Bolsonaro sobre não disputar eleição em 2022 é chantagem e ameaça

Bolsonaro ao falar com admiradores nesta segunda: ele não está ameaçando desistir, mas fazer bagunça - Reprodução/Youtube
Bolsonaro ao falar com admiradores nesta segunda: ele não está ameaçando desistir, mas fazer bagunça Imagem: Reprodução/Youtube

Colunista do UOL

20/07/2021 07h03

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Jair Bolsonaro dá aquela que deve ser a cartada mais ousada para tentar estancar a sangria que, tudo o mais constante no que lhe diz respeito, o levará à derrota eleitoral. Observem. Escrevo: "no que lhe diz respeito". No campo da oposição a ele, ainda não se sabe. É certo que Lula, segundo algumas pesquisas, poderia vencer hoje até no primeiro turno. Mas placas tectônicas estão em movimento nos territórios do centro e da centro direita. Vamos ver. Por ora, parecem mais dividir do que unir. Voltemos a Bolsonaro.

Qual é a sua jogada da hora? Ameaçar desistir da eleição para ver se inflama a sua turba e a leva para a rua, tentando antecipar uma espécie de levante: ou eleição com voto impresso ou... Bem, o segundo termo de equações do gênero costuma ser "morte". Vamos ver até onde ele está disposto a levar a delinquência.

O presidente interagiu ontem duas vezes com seus fanáticos. Como sempre, recorreu à mentira sem nenhum pudor. Voltou a acusar a existência de fraude nas urnas eletrônicas e afirmou, ainda que por palavras um tanto oblíquas, haver um complô entre o Supremo e Lula para eleger o petista.

E soltou um palavrório entre enigmático e clínico. Disse:
"Eu entrego a faixa para qualquer um se eu disputar a eleição. Se eu disputar, eu entrego a faixa para qualquer um, mas uma eleição limpa. Agora, participar de uma eleição com essa urna eletrônica... Alguns falam: 'Ah, o Bolsonaro foi reeleito tantas vezes com o voto eletrônico...'. Vê o pessoal de banco aí, do sistema bancário. Se usassem a mesma tecnologia dos anos 2000, 1990, não teria segurança nenhuma".

Nem é tão impressionante que diga isso porque, de fato, já ouvimos coisas bem piores. Observem que ele mesmo repete um truísmo a seu próprio respeito. Foi eleito muitas vezes, inclusive para a Presidência, por meio do voto eletrônico. Mas aí deixa o, por assim dizer, "raciocínio" sem conclusão e não diz por que seria diferente em 2022. Então resta vir com a cascata da "tecnologia antiga", sem segurança, o que é mentira. O sistema que se tem é plenamente auditável.

Bolsonaro se retirar da vida pública e pagar pelos crimes que cometeu é dessas bênçãos que não caem do céu no processo político. Até porque, como resta óbvio, não havendo o impeachment ou uma interdição que parta da Justiça Eleitoral, ele só não concorre se não quiser. A renúncia, mesmo a uma candidatura, é ato unilateral. Não se deve contar com ela como fundamento da ação.

Notem, no entanto, que a eventual disposição de não concorrer vem acompanhada da convocação de sua tropas e da acusação infundada de um suposto complô entre Lula e o TSE. Afirmou a apoiadores:
"Mas quem for contar o voto não pode ser aqueles que tiraram o Lula da cadeia. Conto com vocês. Vocês são importantíssimos".

Quem responde pela lisura do processo eleitoral é o TSE. Lula se torno elegível em razão de decisões tomadas no STF. Apenas dois ministros desse tribunal compõem o outro, formado por sete membros. De resto, não é o tribunal eleitoral que elabora as normas da disputa. É o Congresso.

Ocorre que Bolsonaro estava confiante em que ele conseguiria emplacar a PEC absurda, de autoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF), que reinstitui no país o voto impresso. Hoje, o texto não seria aprovado nem mesmo na Comissão Especial, o que o presidente admitiu em conversa com seus apoiadores. Ele atribui a derrota a supostas interferências do Supremo, como se o tribunal mandasse na vontade dos parlamentares, incluindo muitos que compõem a sua base de apoio.

MANOBRA E MANIFESTAÇÃO
Na sexta-feira, a comissão especial que cuida do tema iria votar, por maioria, contra o relatório do deputado Filipe Barros (PSL-PR), favorável ao voto impresso. Ele pediu o adiamento sob a justificativa de que iria rever o seu texto para contemplar objeções dos que se opõem à proposta. A afirmação já era uma aberração porque não havia como conciliar as duas posições.

A reunião, diga-se, havia sido convocada pela maioria dos membros do colegiado, já que Paulo Martins (PSL-PR), que o preside, havia desmarcado unilateralmente a sessão, convocada originalmente para quinta. O tema só será retomado no dia 5 de agosto. Tratava-se de uma manobra e de um golpezinho barato. Por quê?

O que se pretendia era ganhar tempo para Bolsonaro vir a público com essa cartada. Os bolsonaristas estão convocando para o dia 1º de agosto manifestações de rua em favor do voto impresso. Bolsonaro percebe que o mar de lama no Ministério da Saúde fez diminuir um pouco o entusiasmo de suas milícias digitais. Precisa de um fato novo.

O que ele quer é lotar as ruas para hostilizar o TSE e pressionar o Congresso a lhe dar o voto impresso. E, para tanto, ele já propôs um segundo mote aos manifestantes: anunciou que vai vetar o fundo eleitoral de R$ 5,7 bilhões, o que vai concorrer para lhe emprestar a fachada daquele grande moralizador de antigamente.

Ao fazê-lo, é claro que se expõe a algum risco porque trinca o condomínio do Centrão, que majoritariamente o apoia. O desespero é tal que não restou alternativa. Ainda falarei sobre esse aspecto em particular.

QUER MESMO DESISTIR?
Pode até ser que haja algo de genuíno e verdadeiro na anunciada disposição de Bolsonaro de não disputar a eleição. Deve ser horrível ter de fazer todos os dias alguma coisa para a qual não se está preparado. Acredito ser um tormento. Mas nem ele sabe disso.

O presidente busca levar a sua turma para a rua em favor, em princípio, do voto impresso. Caso o Congresso não ceda à sua chantagem, e não deve ceder, então vem a ameaça: "Conto com vocês. Vocês são importantíssimos".

Vale dizer: o que a urna não nos der, a gente tem de tentar arrancar no braço.

Não é um ato de renúncia. Trata-se, como demonstro, chantagem e ameaça.