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Reinaldo Azevedo

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Ao propor "diálogo", Bolsonaro volta a atacar Moraes e Barroso. Quer golpe!

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

06/08/2021 05h12

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Desde que a extrema direita descobriu a palavra "narrativa", decretou o fim da realidade objetiva e dos fatos. Prestem atenção ao discurso, por exemplo, de Marcos Rogério (DEM-RO), o mais eloquente dos governistas da CPI. Trata-se de um verdadeiro pitbull de Jair Bolsonaro na comissão. Se bem que, sendo essa a metáfora, caberia melhor um chihuahua. O barulho é muito maior do que o tamanho. Volto ao ponto. Por que me lembrei do ruidoso e ruinoso senador? A cada 10 palavras, ele dispara uma "narrativa", não raro para desqualificar algo que realmente aconteceu. Ou para anunciar o que não aconteceu. Narrativas...

Depois do golpismo explícito e criminoso propagandeado por Bolsonaro na quarta, em programa da Jovem Pan, o presidente do Supremo, Luiz Fux, anunciou que não havia mais como realizar a tal — e indevida mesmo! — reunião entre os Três Poderes. Não é que o dito "Mito", na live desta quinta, resolveu, na aparência ao menos, se oferecer para o diálogo, como se este tivesse sido rompido por Fux? E disse querer conversar até com Roberto Barroso.

A Agência Brasil, fingindo fazer jornalismo, descarou de vez. Publicou um texto com o seguinte título: "Presidente defende diálogo entre os Três Poderes". Errado! Ele tinha ameaçado com golpe havia 24 horas. E feito novos ataques sórdidos a Barroso e a Alexandre de Moraes poucas horas antes.

O texto oficial, claro!, omitiu parte considerável das barbaridades ditas pelo presidente. Ocorre que mesmo aquilo que considerou virtuoso e positivo -- tanto é que foi transcrito -- é de uma notável estupidez e grosseria. Atenção! O que vai abaixo está num relato que busca ser favorável ao presidente. Parte do "convite ao diálogo" foi feita nestes termos:
"O que precisa, aproveitando a nota do ministro Fux, ele tem razão em muita coisa aqui, é o diálogo entre os Poderes. Até em guerra, os comandantes de Exércitos adversários conversam, até para saber se o outro quer armistício. Da minha parte, conversar com Vossa Excelência, ministro Fux, está aberto o diálogo, não tem problema nenhum. Só nós dois, ou chama também o Rodrigo Pacheco [presidente do Senado], convida também o Arthur Lira [presidente da Câmara], nós quatro, sem problema nenhum. Vamos nós quatro rasgar o verbo, com um compromisso de não sair dali, tagarelar para a imprensa. Estou à disposição. O meu dever, a minha obrigação, é trazer felicidade para o povo brasileiro, não é medir força eu e o Supremo".

Como se nota, num convite para a conversa, a linguagem de guerra. E a insuperável vulgaridade: "tagarelar". O homem que supostamente buscava o diálogo havia afirmado pouco antes sobre Moraes:
"Ele acusa todo mundo de tudo para fazer operações. A hora dele vai chegar. Ministro arbitrário, ditatorial, que aplica a lei para agredir a democracia e para atingir os seus objetivos. Ele me colocou como réu naquele inquérito fake news. Ele é a mentira em pessoa dentro do STF".

Ele não sabe nem o que quer dizer a palavra "réu". E um magistrado da corte é "a mentira em pessoa". Que homem decoroso.

Referindo-se a Barroso e à invasão que não houve de urna eletrônica, afirmou:
"Toda vez que alguém entra no computador, ele deixa rastros. Tudo o que esse hacker fez, ele deixou rastros. Com o inquérito, o que o TSE fez? Apagou os 'logs' [que são os dados do hacker]. Obstrução da Justiça! É crime! O TSE apagou todas as pegadas do hacker. Não existe mais acreditar no Barroso dizendo que as urnas são blindadas, é mentira! [Ele] Mente descaradamente!"

É diálogo o que quer Bolsonaro, segundo a Agência Brasil e alguns outros passa-panistas que já ultrapassaram o limite do adesismo ridículo.

PORRADA NA IMPRENSA
Agora vamos a trechos que a página oficial de notícias omitiu. Ainda sobre a decisão de Fux, comentou:
"O Fux, é direito dele fazer a nota [pronunciamento]. Ele me convidou para a reunião dos chefes de Poderes e, sem falar comigo, cancelou. Não teve ataque ao STF. Zero. Se não tem ninguém para te informar, lamento".

Atenção! No dia em que disse o que disse sobre dois ministros, negou ataques ao Supremo. Mais: todos sabem que a tese central de Bolsonaro é a de que o Supremo decidiu inocentar Lula para colocá-lo na Presidência da República, usando a suposta fraude nas urnas para tal propósito. Isso é fala dele. Não é uma interpretação. Essa é sua... narrativa!

Segundo Bolsonaro, a imprensa é culpada por Fux ter suspendido o encontro. Observem: o pronunciamento golpista na Jovem Pan não teria, a seu juízo, tido influência nenhuma na decisão do ministro. A responsabilidade seria da imprensa profissional, que ele repudia. Disse:
"Aí vem a imprensa, né? Imprensa essa que, lamentavelmente, o ministro Fux se alimenta dela para fazer uma nota. Como diz a nota do ministro Fux 'contudo, como tem noticiado a imprensa brasileira'. Ora, prezado ministro Fux, se o senhor se informar na imprensa brasileira, o senhor está desinformado".

Não é impressionante? Na quarta, ameaça rasgar a Constituição — e ninguém colocou palavras em sua boca, até porque falou o que quis — e, no dia seguinte, responsabiliza o jornalismo independente pelo revés. E, creiam, voltou a atacar Moraes e Barroso.

O homem que estaria disposto ao diálogo também com o presidente do TSE mandou brasa:
"Ministro Barroso, falar mil vezes uma mentira, ministro Barroso, não vai ser formado (sic) uma verdade. E estou pronto para dialogar com Vossa Excelência também, caso queira, posso conversar. Na Presidência ou no Supremo Tribunal Federal. O que nós precisamos fazer é cada um saber dos seus limites e respeitar a população brasileira. É só isso. Qual é a o problema de termos uma maquininha acoplada à urna eletrônica para imprimir o voto e cair dentro de uma urna? Qual o problema? Por que Vossa Excelência é radicalmente contra isso? É mais uma forma de nós garantirmos a lisura e a eleição de seu candidato. Que o seu candidato, o Datafolha diz que tem 49%. E diz que, no segundo turno, se tiver, terá 60%. Eu vou ligar pro teu candidato se porventura disputar eleições, e ele ganhar. 'Parabéns! Boa Sorte! Tou fora! Se precisar de mim, estou pronto. Mas, se não precisar, estou fora. Vou cuidar da minha vida. O povo escolheu soberanamente você. E vamos ver o que acontece."

Perceberam? O jeito de Bolsonaro "dialogar" com um ministro é acusando-o de ser partidário. A propósito: se há acusação falsa, improcedente, absurda mesmo!, é a que assevera que Barroso atua em sintonia com o PT. Eu mesmo já fui muito duro com o ministro aqui porque entendi que procedimentos da Lava Jato que ele endossou — por meio do voto ou de considerações — eram contrários ao que entendo ser o bom exercício da lei. E, como é sabido, não raro, eram manifestações objetivamente contrárias a pretensões petistas.

HISTÓRIA
A propósito: quando Lula foi mantido na cadeia em abril de 2018 -- contra o que dispõe o Inciso LVII do Artigo 5º da Constituição --, Barroso foi um dos votos que formaram a maioria de 6 a 5. Só para lembrar: dos cinco contrários à continuidade da prisão, três não eram de ministros indicados pelo PT: Celso de Mello, Marco Aurélio e Gilmar Mendes. Dos seis que concorreram para Lula ficar preso, só um não era de magistrado indicado pelo próprio Lula ou por Dilma: justamente Alexandre de Moraes.

E, ora vejam!, Moraes e Barroso estariam agora, juntos, numa conspiração para eleger aquele que mantiveram preso há pouco mais de três anos. Eu, por exemplo, sustento que aquela prisão era inconstitucional, do que eles discordam.

Nada do que diz Bolsonaro para de pé. E é crescente o número de pessoas que já perceberam o que pretende. Essa eventual vitória tranquila e sem turbulência de Lula é para enganar trouxas. A tese de Bolsonaro só faz sentido se o resultado eletrônico for ignorado em benefício, como ele deixa claro, da contagem voto a voto, expondo a eleição ao risco de fraude e adiando ao máximo a proclamação do resultado.

A propósito: imaginem se não haveria, na apuração de 150 milhões de votos, erros na contagem manual. Bolsonaro aposta em judicialização, confusão e anulação do pleito. E acha que ninguém percebeu.

Não! Ele não quer ira pra casa coisa nenhuma. Quer dar golpe. Ponto.