Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.
Todas as investigações contra Bolsonaro. Veja por que ele vai para a cadeia
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
O presidente Jair Bolsonaro certamente imagina um desfecho para a sua trajetória de personagem tragicômica e fanaticamente homicida. No fim, todos os seus inimigos estariam mortos ou rendidos e ele, então, diria em tom solene, antes de cair o pano: "Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará". Na vida real não é assim. Ele está se complicando dia a dia e arrasta outros. Para ele, não haverá desfecho virtuoso no braço de ferro que decidiu jogar com o Supremo. Mesmo que venha a se reeleger, ganhará só um tempo adicional de alguma tranquilidade. Esta desenhando seu futuro.
Ele não está se dando conta, mas está se enrolando na teia. Se os crimes de responsabilidade que comete em penca, de maneira industrial, se esvaem com o fim do seu mandato — prevalecendo o paradigma "liriano" —, os crimes comuns não pertencem ao presidente da República, mas ao indivíduo Jair Bolsonaro, ainda que cometidos no exercício do mandato.
Presidentes da República mantêm foro especial mesmo em caso de crime comum. Assim é enquanto estão no cargo. Se Bolsonaro não se reeleger e se as investigações não tiverem sido arquivadas — e sempre pode haver motivos para novas investigações —, elas migram para a primeira instância, onde não gozará, vamos dizer, das graças da Procuradoria Geral da República. Não, senhores! Bolsonaro não está, como ele próprio deve imaginar, dando a volta por cima. Está se trumbicando. O fim será a cadeia. Cedo ou tarde.
Sim, mesmo no caso dos crimes comuns, a inação de Aras é providencial. Sem que o procurador-geral peça a abertura da ação penal — e eis um superpoder que precisa chegar ao fim —, nada há a fazer. Os inquéritos têm de ser arquivados, ainda que venham recheados de evidências. Mas, reitere-se, nada impede que se abram outros. E Bolsonaro é uma cornucópia de motivos.
De resto, havendo justificativa, inquéritos podem durar muito tempo. Lembrem-se que o das "fake news" contra o STF foi aberto em 14 de março de 2019. Está em curso há dois anos e cinco meses.
O CASO DO VAZAMENTO
Nesta quinta, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, atendeu a pedido do TSE e abriu um novo inquérito para apurar o vazamento de informações sigilosas da investigação conduzida pela Polícia Federal que apura a invasão à base de dados do TSE havida em 2018. Sob o pretexto de que apresentaria provas de que há fraude na urna eletrônica, o presidente promoveu uma live patética no dia 29 de julho. Além de incidir em tal ilegalidade, distorceu miseravelmente o conteúdo da investigação, que não tem relação nenhuma com vulnerabilidade das urnas. Não contente, publicou o material nas redes sociais. Como o ministro conduz o inquérito sobre as "fake news" contra o tribunal, tornou-se, por conexão, o relator do caso.
Para registro: Moraes determinou que os documentos sejam retirados do ar e afastou da investigação o delegado Victor Campos, determinando que a PF instaure um procedimento disciplinar contra ele. O deputado Filipe Barros (PSL-PR), relator da derrotada PEC do voto impresso, acompanhava o presidente e endossou a conversa mole. Também terá de depor à PF. Lembrem-se: na tal live, admitiu não ter provas da acusação que faz.
O CASO DAS FAKE NEWS
No dia 4 de agosto, a pedido -- unânime -- do TSE, Moraes incluiu Bolsonaro no inquérito das fake news. Essa inclusão, obviamente, foi motivada pela live de 29 de julho. Como se sabe, em vez das provas, o presidente repetiu uma maçaroca de acusações confusas, já desmoralizadas.
O CASO COVAXIN
Nesse caso, o inquérito apura se houve prevaricação no imbróglio da compra da Covaxin. O deputado Luiz Miranda (DEM-DF) e seu irmão, Ricardo Miranda, funcionário do Ministério da Saúde, dizem ter informado ao presidente sobre as lambanças, ocasião em que teriam falado sobre o possível envolvimento do deputado Ricardo Barros (PP-PR) com as sem-vergonhices. Bolsonaro teria prometido acionar a Polícia Federal, o que não fez.
Esse é aquele caso constrangedor para a PGR, entre muitos, instada pela ministra Rosa Weber a se manifestar sobre a notícia-crime. O subprocurador-geral Humberto Jacques de Medeiros sugeriu que se aguardasse o fim da CPI para que se examinasse o assunto. Levou uma carraspana da ministra, que lembrou que o Ministério Púbico não pode se comportar como mero espectador do que se passa na vida pública. A PGR, então, recomendou a abertura da investigação, mas antecipando um juízo sobre a inocência do presidente. Acho que nunca ninguém viu nada assim antes. Rosa mandou abrir o inquérito.
O CASO DA INTERFERÊNCIA NA PF
Há ainda o inquérito que apura acusação de Sergio Moro, ex-ministro da Justiça, segundo quem Jair Bolsonaro tentou interferir na cúpula da PF para atender a interesses políticos e pessoais. O relator também é Alexandre de Moraes. A investigação estava parada, à espera da definição sobre a forma do depoimento de Bolsonaro: se presencial ou por escrito.
Um dia depois da live do desastre, em 30 de julho, Moraes estendeu a investigação por mais três meses e determinou que novas diligências fossem feitas. Poderia ser o menos substancioso dos inquéritos, mas a presença do ministro Anderson Torres, da Justiça, na live destrambelhada — e será investigado no TSE por isso —, e a quebra do sigilo daquele inquérito sobre a invasão aos dados do TSE conferiram ao menos verossimilhança ao que parecia ser apenas uma acusação meio etérea de Moro.
O CASO DO INQUÉRITO NO TSE
O Tribunal Superior Eleitoral abriu inquérito administrativo para investigar os ataques de Bolsonaro à urna eletrônica e ao sistema de votação. Como se sabe, o tribunal havia dado um prazo para que o presidente apresentasse as provas das acusações que faz. Não só não as apresentou como decidiu fazer a tal live desastrada de 29 de julho, levando ao paroxismo os ataques aos tribunais superiores.
A investigação aberta vai apurar, nos ataques industriados ao sistema eleitoral, o eventual cometimento dos seguintes crimes: abuso de poder econômico e político, uso indevido dos meios de comunicação social, corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes públicos e propaganda extemporânea (antecipada), em relação aos ataques contra o sistema eletrônico de votação e à legitimidade das Eleições Gerais de 2022. Luiz Felipe Salomão, o corregedor, pediu compartilhamento dos dados do inquérito das fake news e de outro sobre atos antidemocráticos, ambos sob a relatoria de Moraes no Supremo.
OUTRO CASO CONSTRANGEDOR
Há um episódio bastante constrangedor para Augusto Aras, procurador-geral da República. O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) apresentou ao Supremo uma interpelação judicial para que o presidente apresente as provas das acusações que faz habitualmente sobre fraudes -- e isso ainda antes da live. Escreve:
"Vislumbra-se possível ameaça de não reconhecimento do resultado das eleições de 2022 por parte do atual presidente, o que, por si só, representa grave ameaça ao sistema democrático brasileiro".
O relator é Dias Toffoli. O ministro encaminhou a petição para Augusto Aras ainda em agosto, durante o recesso Judicial. Ontem, cobrou uma resposta. Afirmou:
"Compulsando os autos, verifica-se, preliminarmente, a ausência de manifestação da Procuradoria-Geral da República. Com efeito, vê-se que os autos foram àquele órgão, em 27/7/2021, retornando em 04/08/2021, com a ciência do Procurador-Geral, sem parecer. Entendo imprescindível colher sua manifestação".
É do balacobaco!
MAIS UMA NOTÍCIA-CRIME
Deputados do PT também entraram com uma notícia-crime contra Bolsonaro em razão da live do fim do mundo. A relatora é a ministra Cármen Lúcia. Ela também cumpriu o ritual de enviar a questão para a apreciação da PGR, observando que as declarações do presidente podem, em tese, configurar crime. Está na mesa de Aras desde o dia 4.
PARA ENCERRAR
O comando da CPI já anunciou que vai propor o indiciamento de Bolsonaro por charlatanismo, curandeirismo e propaganda enganosa por estímulo ao uso de remédios comprovadamente ineficazes contra a Covid-19. Mais do que isso: o governo os distribuiu. Caso se reeleja, o presidente estará protegido por Aras -- já deu para perceber que desse mato não sai coelho. O zagueirão está lá. No caso do crime de responsabilidade, o escudo é Lira, ainda que esteja sendo desmoralizado e desautorizado publicamente pelo presidente.
Mas Bolsonaro pode não se reeleger. Eventualmente reeleito, pode não concluir o mandato. Em qualquer tempo, mesmo que fique oito anos por lá, só a tempestade de ações judiciais o aguarda. Está se compilando uma verdadeira enciclopédia de delitos. E essa é uma das razões do seu desespero e de seu clamor às Forças Armadas: "Deixem que este capitão arruaceiro as lidere num golpe, vai..."
Não vai acontecer.
O encontro com a cadeia é certo, ainda que tarde.