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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Que demência nos tomou? Fanatismo ideológico trouxe à luz os médicos do mal

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

29/09/2021 05h52

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Que demência tomou conta do país!

Finalmente a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) se move e autua a Prevent Senior. Cobrei aqui a atuação do órgão federal em artigo publicado no dia 25.

Em nota, informa a ANS:
"No curso das apurações relacionadas a denúncias contra a Prevent Senior, foram verificados elementos que contradizem a versão inicial apresentada pela operadora. Foram constatados indícios de infração para a conduta de 'deixar de comunicar aos beneficiários as informações estabelecidas em lei ou pela ANS', tipificada no art. 74 da Resolução Normativa nº 124 de 2006, e a ANS lavrou um auto de infração na tarde do dia 27. A operadora tem 10 dias contatos a partir dessa data para apresentar sua defesa".

A multa inicial é de R$ 25 mil, mas vai depender do número de casos. Se a explicação for considerada satisfatória, não há punição nenhuma. Vamos falar um pouco sobre a CPI. Depois, quero tratar de um gene muito perigoso: o do fanatismo. Ele trouxe à luz os doutores do mal.

O DEPOIMENTO
A CPI ouviu, nesta terça, um depoimento muito contundente da advogada Bruna Morato, que representa 12 médicos que elaboraram um dossiê sobre supostas irregularidades praticadas pela Prevent Senior, por intermédio da rede de hospitais Sancta Maggiore, que pertence ao grupo. O relato, que durou mais de seis horas, é escabroso.

Sim, é preciso cuidado. Afinal, a advogada presta depoimento tendo relativo domínio sobre a investigação, tantos foram os que a antecederam naquela cadeira. Também representa médicos que se desligaram da Prevent Senior e mantêm, com a operadora, uma relação de animosidade. Tudo isso deve ser levado em consideração e requer investigação rigorosa.

Uma coisa, no entanto, é inegável: a narrativa é verossímil, faz sentido e está afinada com a trágica sucessão de eventos que marca a adoção do malfadado "kit", composto de drogas comprovadamente inúteis no combate à covid-19.

Morato sustenta, segundo informações colhidas com os médicos que representa, que os termos de consentimento assinados pelos pacientes para que pudessem receber a terapia do "kit" não eram claros. As assinaturas seriam colhidas no momento em que os doentes recebiam os remédios, e se entende que não tinham clareza de que estavam se submetendo a um tratamento que a ciência dizia e diz ser ineficaz. Isso levou a CPI a requisitar, num prazo de 24 horas, a entrega à comissão de todas essas autorizações.

Que a Prevent Senior passou a oferecer aos pacientes o tal coquetel de remédios, isso é fato admitido pela própria operadora. Morato diz que os médicos do grupo eram constrangidos a adotar as drogas, o que a empresa nega, alegando que sempre respeitou a autonomia do profissional.

Convenham: aí está um dos pontos difíceis de engolir, não é? Se o "kit covid" passou a integrar a linha de atuação da Prevent Senior, aplicado em sua rede de hospitais — e o caráter supostamente milagreiro do troço chegava aos pacientes —, será mesmo que o "Doutor A" tinha autonomia para dispensá-los, uma vez que o "Doutor B" o oferecia a seus doentes? Ainda que assim fosse, temos: se A não prescrevesse o tratamento, B o prescreveria, certo?

Que a Prevent Senior caiu no buraco das "drogas de Bolsonaro", isso é inegável. Estamos diante de uma realidade factual. Fez o seu próprio "estudo observacional", ministrou os remédios, procedeu a uma espécie de parceria publicitária com o presidente da República e, no entanto, não dispunha de uma miserável evidência de que aquele troço funcionasse.

Morato afirmou ainda que os médicos evitavam denúncias ao Conselho Federal de Medicina e ao Conselho Regional de Medicina de São Paulo porque suas respectivas cúpulas teriam vínculos com a Prevent Senior. Em nota, o CFM repudiou a afirmação e disse, mais uma vez, que sua posição é pelo respeito à autonomia do médico. É bom lembrar que o órgão jamais admitiu a ineficácia do "kit", embora, lembra-se por lá, tenha defendido a vacinação e o distanciamento social. Caramba! Que corajosos, né?

A advogada diz ainda que a Prevent Senior operava em parceria com o que ficou conhecido como "gabinete paralelo" da Saúde, integrado pelo virologista Paolo Zanotto, pela imunologista Nise Yamaguchi e pelo toxicologista Anthony Wong, que morreu de covid-19 numa das unidades do Sancta Maggiore. Seu prontuário indica que passou por toda sorte de tratamento exótico, incluindo aplicação retal de ozônio. No atestado de óbito, não consta que tenha morrido de covid-19.

Segundo a advogada — e isto até dispensa apuração de tão óbvio —, o incentivo ao "Kit Covid" buscava dar esperanças às pessoas, encorajando-as a sair de casa porque se considerava que o distanciamento social traria prejuízos ao país. A prática também teria o endosso do Ministério da Economia.

Morato está fazendo apenas narrativa de chegada? Bem, será preciso investigar. Que a política pública de Saúde escolhida por Bolsonaro tenha retardado a compra de vacinas e acelerado a distribuição de remédios ineficazes, isso tudo é um fato. O presidente, ademais, estimulava a aglomeração, o fim do distanciamento social e a recusa ao uso até de máscaras porque, dizia, era preciso pensar também nos empregos. E, afinal, bastaria recorrer aos tais remédios...

PODER TÓXICO E GENE DO FANATISMO
A Prevent Senior e sua rede de hospitais, o Sancta Maggiore, cresceram bastante em tempos pré-pandemia. Escolheram um público que outros planos tendem a rejeitar por intermédio da mensalidade extorsiva. E, assim, se expandiram. Desconheço se operou antes parcerias com governos.

Uma coisa é certa: deixou-se atrair pela gravidade do planeta bolsonariano e, tudo indica, pagará um preço alto por isso.

Um amigo especula se não existiria por aí o que chama de "gene do fanatismo", de que seriam expressões os extremismos político, religioso e... futebolístico. Acho a tese interessante.

O que leva médicos — e não deve ser o prazer de impor sofrimento aos pacientes — a adotar uma terapia que a ciência provou ser ineficaz, alinhando-se, então, com o "Mito" Bolsonaro? Em suma: o que faz muitos doutores renunciarem à ciência, quando não a pervertê-la, para endossar um demagogo extremista?

Não deixa de ser pavoroso que isso aconteça porque não esperamos do médico as larguezas intuitivas de uma cartomante, mas as certezas que a ciência oferece — ou, ao menos, especulações que transitem num orbital de razoabilidade quando inexiste o remédio adequado para uma doença.

É estupefaciente, eu sei, mas o extremismo político trouxe à luz os médicos do mal, capazes de torcer a ciência e o seu aprendizado em nome de uma causa. Em que momento o correto Dr. Jekyll decide ceder às feiuras morais de Mr. Hyde?

Foram treinados para salvar vidas, mas preferiram pô-las em risco em nome de convicções ideológicas. Constituem, certamente, a minoria. Mas é uma minoria numerosa o bastante para assombrar a razão.