Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
TCU e MPF terão de decidir se padrão Moro de atuação pode ser o novo normal
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O subprocurador-geral do Ministério Público Junto ao Tribunal de Contas da União, Lucas Rocha Furtado, apresentou uma petição ao ministro Bruno Dantas para arquivar o procedimento que apura a contratação de Sergio Moro pela Alvarez & Marsal — motivado, diga-se, por uma petição do próprio Furtado. Segundo informa o Globo, ele disse ao jornal que mudou seu entendimento e que, por se tratar de relação entre privados, não caberia a apuração pelo tribunal. O ministro, que é o relator, não é obrigado a atender ao pedido.
É, sendo como diz o jornal, Furtado mudou mesmo. Em argumentações anteriores, ele fez ver — com o que concordo — que há recursos públicos, ainda que de maneira indireta, envolvidos no episódio. De todo modo, concedo: não é mesmo o TCU o "locus" mais adequado para a investigação. Essa tem de ser uma tarefa do MPF, que tem de determinar à Polícia Federal que abra um inquérito. Há uma petição na seção de Brasília do órgão para que se faça a investigação, de autoria da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia.
O pedido de Furtado acontece três dias depois de Moro ter apresentado seus ganhos fabulosos por meros 11 meses de trabalho para a Alvarez & Marsal — trabalho este que se desconhece. Mormente porque, já tratei do assunto aqui, há dois contratos com a empresa, que, inclusive, se sobrepõem por um período: o do terceirizado aqui no Brasil e o do funcionário da empresa nos EUA.
Bem, se a investigação era imperiosa antes de sabermos dos mais de R$ 3,5 milhões que o ex-juiz recebeu por menos de um ano de trabalho, agora ela se torna impositiva. Se não for o TCU a fazê-lo, que seja, então, o MPF por intermédio de inquérito aberto pela PF. Moro era juiz federal e conduziu acordos de leniência e de delação de empresas e empresários que foram ser, depois, clientes do grupo A&M, que contratou o ex-juiz a peso de ouro. Se isso não diz respeito a dinheiro público, o que dirá?
Aliás, a cada vez que escrevo esta síntese — Moro fica milionário trabalhando para grupo que faz a recuperação judicial de empresas que a Lava Jato quebrou —, sinto a tal vergonha alheia. Moro recebeu US$ 150 mil de bônus de contratação — mais de R$ 800 mil. A bolada se deve à sua suposta expertise para, segundo a A&M, atuar nos EUA. Pensem aí: vocês acham mesmo que isso faz sentido?
O FUTURO
Pensem aí. Será que o país pode inaugurar com Moro uma tradição? Um juiz se coloca como o paladino da moralidade nacional; vira a grande estrela da dita maior operação de combate à corrupção da história; o trabalho que ele admitiu comandar destrói um setor da economia; o país passa por um terremoto político que resulta na ascensão ao poder de um golpista fascistoide; esse juiz obtém ganhos milionários na iniciativa privada enquanto tenta pavimentar seu caminho para a Presidência.
Vale a pena inaugurar essa tradição no país?
"Ah, Reinaldo, essas considerações são, no fundo, de natureza ética, quiçá moral, nada têm a ver com investigação ou apuração!" Será mesmo?
Alguém conhece a natureza do trabalho prestado por Moro à Alvarez & Marsal?
"Ah, mas por que temos de saber?"
A resposta é simples: para decidirmos que Poder Judiciário nós queremos. O Estado brasileiro pode conviver com a generalização dessa prática? Ele pode ser capturado por esse tipo de ação?
Leio no Globo a reação de Moro ao pedido feito por Furtado:
"O arquivamento apenas confirma o caráter abusivo do procedimento no TCU e a lisura de meu contrato na esfera privada".
Não pode haver comprovação de lisura daquilo que não se sabe o que é. É simples assim.
Com a palavra, o Ministério Público Federal.