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STJ arquiva inquérito que nunca existiu; Moro e Dallagnol surfam numa farsa
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Humberto Martins, presidente do STJ, arquivou um inquérito que deveria ter investigado se procuradores da Lava Jato conduziram investigações ilegais contra membros do tribunal. Atenção! Tal procedimento se restringia à eventual atuação imprópria contra integrantes desse tribunal. Nada têm a ver com as demais agressões ao devido processo legal praticadas por Sergio Moro, Deltan Dallagnol e amiguinhos. Assim, a afirmação de que STJ investiga a Lava Jato e nada encontra de irregular rivaliza, no que diz respeito à verdade, com as afirmações que Bia Kicis costuma fazer sobre as vacinas.
De fato, e Martins sabe disto, nunca chegou a haver um inquérito. Pergunte-se: quem era o delegado da Polícia Federal que o presidia? Nunca existiu! O que o doutor fez foi abrir uma espécie de pré-inquérito para dar uma satisfação a seus pares. A coisa nunca andou. Nunca houve investigação. O que se fez, no máximo, foi expedir ofícios colhendo informações. Era um inquérito fantasma para acalmar membros do tribunal obviamente inconformados com as práticas policialescas.
Mais uma: essa história nada tem a ver com o que ficou conhecido como "Vaza Jato" — conjunto de reportagens do The Intercept Brasil e parceiros que evidenciaram as ações ilegais — porque em desacordo com o que dispõe a lei — de Sergio Moro na sua relação com Deltan Dallagnol, o então procurador que coordenava a Lava Jato.
Ainda outra: essa decisão não tem nenhuma relação com os eventos que resultaram na declaração de suspeição de Sergio Moro e nas anulações dos processos contra Lula que passaram pela 13ª Vara Federal de Curitiba.
RESTABELECENDO A VERDADE
Martins abriu de ofício o inquérito porque, em fevereiro do ano passado, vieram à luz diálogos -- que estão nos arquivos da Operação Spoofing, não da Vaza Jato -- em que procuradores, capitaneados por Deltan Dallagnol, falavam abertamente em investigar ministros do STJ sem autorização judicial, apelando diretamente à Receita. Reproduzo a fala mais eloquente de Dallagnol:
"A RF [Receita Federal] pode, com base na lista, fazer uma análise patrimonial, que tal? Basta estar em EPROC [processo judicial eletrônico] público. Combinamos com a RF".
Só para lembrar: quem mandou deslanchar a Operação Spoofing foi o próprio Sérgio Moro quando ministro da Justiça. Queria chegar aos hackers que passaram ao Intercept o material que resultou na Vaza Jato, com um esforço adicional para tentar incriminar os jornalistas.
AS DATAS
Vamos a algumas datas. No dia 5 de fevereiro, Martins enviou à Procuradoria Geral da República um pedido para que o órgão procedesse à apuração de condutas penais. Se foi aberto, não se sabe, mas não bastou para acalmar o tribunal. No dia 19 de fevereiro, o ministro abre, então, de ofício o inquérito. E, ora, vejam, Diogo Castor, um dos que envolvidos nos diálogos que sugeriam investigação ilegal, entra com um Habeas Corpus no STF pedindo a suspensão da investigação. A relatora era a ministra Rosa Weber. Prestem atenção!
Insista-se: esse é um "inquérito" que nunca foi conduzido por um delegado ou uma delegada da PF. Sempre com a autorização de Rosa Weber, Martins se limitou a pedir o compartilhamento de informações, segundo ele mesmo informa, à PGR — que respondeu que nada tinha a compartilhar —; ao juiz Ricardo Augusto Soares Leite, da 10ª Vara Federal do DF; ao ministro Ricardo Lewandowski, relator no STF de caso relativo à Operação Spoofing, e à Receita Federal.
No dia 5 de abril de 2021, Rosa concedeu uma liminar no âmbito do HC movido pelo tal Castor e suspendeu o inquérito. E suspenso, pois, ele estava havia 10 meses.
VOCÊS ENTENDERAM DIREITO
Martins, pois, pôs fim a um inquérito que estava parado havia 10 meses -- e, claro!, o MPF já tinha feito esse pedido --, que nunca investigou coisa nenhuma porque nem sequer contava com um autoridade policial para conduzi-lo. O que é que chegou às mãos de Martins? O conteúdo apreendido pela Operação Spoofing, a informação da PGR de que nada havia a compartilhar e, estou certo, a afirmação da Receita Federa de que, por ali, ninguém conduzira investigação ao arrepio da lei.
Manda-se arquivar o que, na prática, nunca foi investigado porque inquérito, de verdade, não chegou a ser. Ademais, pergunto: se tudo estava realmente suspenso há quase 10 meses, por que se toma a decisão agora?
Escreve Martins:
"Conforme apurado nos presentes autos, de plano, afirmo que não ficou configurada, até o presente momento, a existência de indícios de autoria e de materialidade de condutas delitivas por parte de agentes públicos detentores de foro no Superior Tribunal de Justiça, não obstante todas as medidas adotadas como acima relatado. Ressalte-se que foram expedidos inúmeros ofícios a diversas instituições públicas com o objetivo de coleta de indícios de prática delitiva. Das informações prestadas pelas autoridades estatais, não se verifica a existência de indícios suficientes de autoria e de materialidade de eventuais crimes, o que induz à convicção de que o arquivamento do presente inquérito é medida que se impõe."
Martins poderia dizer quais são "os inúmeros ofícios" às "diversas instituições". No seu despacho, ele cita apenas duas que poderiam prestar informações nascidas de alguma apuração: Receita e MPF. E só. A primeira seria o "locus" em que o eventual crime teria sido cometido. A segunda é a corporação à qual pertenciam os investigados, que investigados não foram.
NÃO HOUVE INVESTIGAÇÃO NENHUMA, E TODO MUNDO QUE CONHECE O ASSUNTO SABE DISSO.
AS NOVAS MISTIFICAÇÕES
No Twitter, Moro produziu "fake news". Escreveu:
"Vitória! A decisão do STJ de arquivar o inquérito contra membros da Lava Jato é uma demonstração de que a operação sempre atuou dentro da lei."
Não! O STJ se ateve a uma questão: saber se seus membros foram investigados ou não. E mandou arquivar de ofício o que foi aberto de ofício. Sem apurar nada.
Diante do que veio à luz, como Martins chegou a tal conclusão? Quem tem de responder é ele.
Também ecoando "fake news", Deltan produziu as suas:
"A cada dia que passa, as teses Vaza Jatistas são derrubadas e desacreditadas diante da conclusão de que a operação Lava Jato atuou dentro da lei, com base em fatos e provas. Vitória da sociedade. Tentaram sequestrar a narrativa e reescrever a história, mas não conseguiram."
Reitere-se: essa questão jamais integrou o elenco de reportagens da Vaza Jato. Decisão, insista-se, foi tomada de ofício, sem investigação.
Ah, sim: a incompetência e a suspeição de Moro foram votadas pelo STF. Nada têm a ver com a questão isolada do STJ. E naquele caso, valentes, a Justiça agiu com sabedoria?
A propósito: as "teses" da Vaza Jato estão tão furadas, mas tão furadas, que Moro é candidato à Presidência, e Deltan, a deputado federal. O ex-procurador é vice-presidente no Paraná do partido ao qual se filiou o ex-juiz.