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Alckmin, vice de Lula, acerta e mistura São Mateus, democracia e esperança
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Não sei se o ex-presidente Lula vai ou não ganhar a eleição. Mas uma coisa me parece certa: está fazendo as opções corretas. Se vai coincidir com o desejo da maioria dos eleitores, bem... Será preciso esperar outubro chegar. Nesta quarta, um passo importante foi dado nessa trajetória: a filiação ao PSB de Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo e fundador do PSDB. A esta altura, não é segredo para ninguém que a filiação é parte da construção da chapa Lula-Alckmin, reunindo os dois políticos que disputaram o segundo turno em 2006. Dezesseis anos depois, eis a parceria.
O que chamo de "opções corretas"? É evidente que o petista está buscando uma composição com partidos e com lideranças que estão à direita do PT. É o caso, diga-se, do próprio PSB. Mas essa legenda ainda é identificada com o campo da esquerda. Os petistas darão a seu líder máximo carta branca para fazer as alianças que julgar pertinentes inclusive do lado de lá da linha ideológica que separa direita de esquerda. Nos Estados, note-se, isso já está em curso. O PP de Arthur Lira, na Bahia, estará com Lula. Os palanques estaduais estão longe de obedecer à lógica da disputa nacional.
Quantos votos Alckmin leva para o petista? Ainda que a resposta fosse "nenhum!", a composição faria sentido. Já está claro que o bolsonarismo, por exemplo, vai tentar reeditar a pregação anticomunista, repetindo nas redes sociais a histeria de 2018. O ministro Ciro Nogueira (Casa Civil), que se apresenta como uma espécie de coordenador político do presidente, diz a quem quer ouvi-lo que o Lula de agora não é o de 2002, mas o de 1989 — que seria o "radical".
Alckmin pode não render votos, mas dá estabilidade à candidatura do petista e, em caso de vitória, será importante para a governabilidade. Não é particularmente conhecido por ser um político com interlocução ampla no Congresso. Mas, para tanto, se eleito, Lula disporá de muitos nomes. Se vice-presidente, o ex-governador de São Paulo será importante para ouvir as muitas demandas da sociedade que um período de reconstrução da institucionalidade, que está esgarçada, ensejará.
Não deixa de ser curioso que setores da imprensa recuperem as muitas dissensões do passado havidas entre o petista e o agora peessebista. Bem, o que há de errado nisso? Eram adversários. Era justo e razoável que se estranhassem, não? Noto que essa crítica costuma vir de setores que vivem pregando a necessidade de adversários no Brasil encontrarem pontos de contato que façam o país avançar. Mais ainda: é uma conversa muito frequente em setores que pregam abertamente a necessidade de uma "terceira via" contra a "polarização". Vocês sabem que rejeito as duas expressões, não?
Não existe polarização porque um polo — a extrema direita — está na disputa, com Bolsonaro. Mas inexiste a extrema esquerda — já que Lula não o é. Então não há polarização. Mas vá lá. Para efeitos de raciocínio, embarco na tese: ora, se um "tertius" seria importante porque se rejeita a "polarização", quando Lula se junta a um político que é um seu histórico adversário ideológico, então se operou justamente o fim da dita polarização no seio de um dos polos! "Ah, Lula está apenas enganando Alckmin, vocês vão ver..." Isso é tolice. O ex-governador não nasceu ontem. Ninguém governa São Paulo por 13 anos (em dois períodos) porque é abobado. Alckmin é a evidência de que Lula está fazendo a leitura virtuosa do jogo. Se vai ganhar, aí é com o eleitor.
Nesta quarta, o governador falou duas coisas que merecem destaque. A primeira:
"Temos que ter os olhos abertos para enxergar, a humildade para entender que ele [Lula] é hoje o que melhor reflete e interpreta o sentimento de esperança do povo brasileiro. Aliás, ele representa a própria democracia porque ele é fruto da democracia".
O "sentimento de esperança" é pegada de viés eleitoral, própria de aliado, que não diria outra coisa. Já o destaque ao fato de Lula ser "fruto da democracia" revela a construção da identidade da chapa, em oposição aos arreganhos autoritários de Bolsonaro e seu evidente apreço pela ditadura. Percebam também o Alckmin cristão: "ter os olhos abertos para enxergar". Eis aí um eco de São Mateus: "Tira primeiro a trave do teu olho, e então cuidarás em tirar o argueiro do olho do teu irmão".
Alckmin está dizendo àqueles que o admiram que ele tirou a trave do próprio olho.
O ex-governador sabe que, até outro dia, essa união era considerada improvável. E como ele responde?
"Alguns podem estranhar. Eu disputei com o presidente Lula a eleição em 2006, e fomos para o segundo turno, mas nunca colocamos em risco a questão democrática. Nunca! O debate era de outro nível. Nunca se questionou a democracia!"
Considero essa fala essencial. Ela encerra a razão por que, até agora, a "terceira via" não ameaçou nem longinquamente o "statu quo" da disputa. Os postulantes a esse lugar ainda não disseram: "Bolsonaro é a escolha inaceitável porque coloca em risco a democracia; Lula é escolha errada" (do ponto de vista deles, entenda-se).
Quando brincam de "nem-nem", ignoram a questão democrática, de que trata o ex-governador. E, por esse caminho, não há saída para eles.