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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Datafolha mostra o que já se sabia. Ou: Quem 3ª via quer tirar do 2º turno?

Reprodução/Folha-Datafolha
Imagem: Reprodução/Folha-Datafolha

Colunista do UOL

25/03/2022 06h41

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O presidente Jair Bolsonaro não vive o seu pior momento nas pesquisas de intenção de votos. O fim do ano passado trouxe notícias bem mais desagradáveis. No começo da noite desta quinta, o Datafolha divulgou os dados do seu mais recente levantamento. Diminuiu a diferença que o separa do ex-presidente Lula e aumentou a que o distancia dos demais postulantes. Caso se comparem — dentro do que pode ser comparado — os dados de agora com os que o instituto colheu em dezembro, há, sim, alterações dignas de nota. Se, no entanto, os números do Datafolha forem cotejados com os do Ipespe (dia 11) e da Genial-Quaest (dia 16), nada há de novo sob a chuva. Que se registre, pois: tudo indica que Bolsonaro ganhou terreno nestes três primeiros meses. A questão é saber se ainda está em crescimento ou se já estagnou. Nesta sexta, o Ipespe deve divulgar um novo levantamento.

O Datafolha testou quatro cenários. Nenhum deles repete a composição de dezembro. Assim, não falaremos de crescimento ou queda, mas de índices máximos e mínimos. O ex-presidente obteve ora 43%, ora 44% — em dezembro, 47% e 48%. Bolsonaro marca 26% em todos os cenários. Na pesquisa anterior, 21% ou 22%. Sergio Moro (Podemos) repete 8% em todas as simulações — antes, 9%. Ciro Gomes (PDT) vai de 6% a 8%, ante 7% na jornada passada. João Doria (PSDB) alcança 2% nas duas simulações em que aparece (4% e 2% em dezembro). André Janones (Avante), 2% ou 3%. Nem estava no radar do instituto no fim do ano passado. Simone Tebet (MDB), quando testada, fica com 1%, como antes, e Felipe Dávila (Novo) ora não pontua, ora obtém 1%. Vera Lúcia (PSTU) tem o seu 1% em todos os cenários. Na pesquisa espontânea, note-se, o presidente cresceu de 18% para 23%, e Lula oscilou de 32% para 30%.

Assim, confrontando o Datafolha de março com o de dezembro, a mudança é significativa — e mais ainda no segundo turno, como se verá. Prestem, no entanto, atenção a estes números. Na pesquisa Ipespe de há duas semanas, com margem de erro de 3,2 pontos, Lula obteve 43%, e Bolsonaro, 28%. Ciro e Moro marcaram 8%, e Doria, 3%. No levantamento Genial/Quaest, com margem de erro de dois pontos, o petista crava 44% ou 45% em cenários possíveis, e Bolsonaro, 26% ou 25%. Moro fica com 6% ou 7%; Ciro, com 7%, e Doria, com 2%. Perceberam? Os números do Datafolha podem ser novidade em relação ao levantamento do próprio instituto feito há três meses, mas não quando cotejados com os dos dois outros.

SEGUNDO TURNO
No segundo turno, caiu a diferença entre Lula e Bolsonaro. Se a eleição fosse hoje, o ex-presidente venceria o atual por 55% a 34%, um mar de votos de 21 pontos percentuais de diferença. Em dezembro, no entanto, era de 29: 59% a 30%. Há 15 dias, o Ipespe apontava 53% a 33%, e a Quaest, há nove, registrou 54% a 32%. Os números são praticamente coincidentes.

Moro ainda venceria seu ex-chefe no Datafolha, mas a diferença caiu de 18 pontos (48% a 30%) para oito (42% a 34%). Os números do Ipespe são ainda melhores para o atual presidente: os dois empatam em 33%. A Quaest não testou essa possibilidade. Ciro vencia Bolsonaro por 53% a 32% no fim do ano passado; agora, 46% a 37%: 21 pontos caíram para 9; no Ipespe, 47% a 36%. Doria batia o seu antípoda do Planalto por 46% a 34% em dezembro: agora, estão empatados: 40% a 39%.

TERCEIRA VIA
O cenário, convenham, é um pouco desanimador para a chamada terceira via. Como sabem, nunca acreditei nessa construção, que teria de crescer, dados os postulantes a esse lugar, tirando votos de Bolsonaro. O que as mais variadas pesquisas apontam, no entanto, vai no sentido oposto: o presidente é que estaria recuperando parte do eleitorado perdido.

Digamos que Lula ainda vá perder votos no primeiro turno — os 43% seriam um desempenho formidável, muito acima do que ele obteve nos respectivos primeiros turnos das duas eleições que venceu —, cabe a pergunta: eles migrariam para algum postulante "nem-nem"? Parece improvável.

Até agora, não entendi que leitura fazem da realidade os aspirantes à terceira via ou mesmo Ciro Gomes, que rejeita o rótulo. Às vezes, a gente fica com a impressão de que eles pretendem tirar do segundo turno tanto Lula como Bolsonaro. Se não é assim, qual dos dois será o alvo no primeiro turno? Isso estrutura uma campanha.

Não creio que qualquer evento da economia explique a ligeira — porque, até agora, é apenas ligeira — recuperação de Bolsonaro. Isso é conversa para Paulo Guedes dormir. A inflação está no topo, e os salários, no chão. Acho que a explicação está mesmo na resiliência reacionária do eleitorado de Bolsonaro e no retorno ao reduto de uma parcela dos que abandonaram a nau dos insensatos.

NÃO ESTÁ MORTO
Há duas semanas, escrevi uma coluna na Folha com este título: "Além de não ter derretido, Bolsonaro é competitivo e pode vencer". Escrevi lá:
"Ainda que ambos possam repudiar o paralelo --se acontecer, é sinal de que não terão entendido o texto, e Padre Vieira diria que a culpa também pode ser minha--, a verdade é que Lula ainda é o político brasileiro que traduz com mais clareza as aspirações de justiça social, de redenção dos oprimidos, de uma vida mais digna para os pobres.

Bolsonaro, sua nêmesis, conseguiu dar expressão popular à voz da reação porque, goste-se ou não, consegue falar para os simples. Quer dizer que são iguais, mas em campos opostos? Não. Isso explica por que tem faltado povo à tal "terceira via".

Olhemos a pauta do atual presidente e as figuras que já se alinham em defesa do seu segundo mandato. Há ali, com raras exceções, um Brasil primitivo, alheio à ciência e às urgências do mundo moderno, muito especialmente às ambientais. São o seu suporte material, mas sua resiliência não vem daí. Bolsonaro ainda pode vencer uma eleição democrática porque conseguiu dar expressão popular ao ódio à democracia.

Convenham: isso, até agora, não foi devidamente compreendido pelo processo político. Se a democracia sobreviveu a seu primeiro mandato, é improvável que resistisse a um segundo. E ainda há quem repudie uma política de alianças ou que insista na farsa de que Lula e Bolsonaro são males opostos, mas combinados. Uns e outros não entenderam nada."

É isso.