Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Lei proíbe presidiário-deputado, mas existe risco de deputado-presidiário
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Com o julgamento de Daniel Silveira, o Supremo Tribunal Federal tem a chance, também, de unificar um entendimento, corrigindo alguns descaminhos. O Inciso VI do Artigo 55 da Constituição define que "perderá o mandato o deputado ou senador que sofrer condenação em sentença transitada em julgado". Como a condenação de Silveira já se dá em instância definitiva em razão de foro especial, o trânsito em julgado se dará em breve. Ele ainda pode recorrer ao próprio tribunal, mas o desfecho será rápido.
E a perda do mandato?
O Parágrafo 2º do mesmo Artigo dispõe:
"§ 2º Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa"
Vejam ali o "Inciso VI". Notem a maluquice: o dito-cujo não deixa dúvidas ao afirmar que o condenado "perderá o mandato". Mas aí vem o tal Parágrafo 2º para afirmar que isso só acontecerá com a anuência da maioria absoluta da Casa — no caso da Câmara, são 257 votos.
E se não houver esse número? Então a cassação não acontece, e Silveira exerceria seu mandato na cadeia?
Mas há mais.
Define o Artigo 15, Inciso III da Carta:
"15 - É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de
(...)
III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos"
Tem-se, pois, que a perda dos direitos políticos, pelo tempo que durarem os efeitos da condenação, é uma consequência da dita-cuja. Venham cá: faz sentido um deputado ou senador arbitrar sobre, entre outras coisas, direitos políticos estando ele próprio sem... direitos políticos?
Acontece que há ruído o bastante no Supremo para render uma pendenga.
JULGAMENTOS PASSADOS
Em 2012, por cinco votos a quatro -- no âmbito da Ação Penal 470, a do mensalão --, o STF decidiu que a condenação implicava a perda automática do mandato: assim votaram Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello. Entenderam que só a Câmara poderia fazê-lo os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber e Cármen Lúcia.
No ano seguinte, já em decisão referente á Ação Penal 565, era outra a composição do tribunal, com o ingresso de Roberto Barroso e Teori Zavascki. Formou-se uma nova maioria, delegando — e isto me parece absurdo — ao plenário de cada Casa a decisão sobre cassar ou não o parlamentar condenado, que já perdeu, reitere-se, os direitos políticos.
Ainda que a Constituição não seja um exemplo de clareza e coerência nesse particular, parece-me de bom senso evitar a interpretação que permitiria o deputado presidiário, não?
Convenham: se um presidiário não pode ser eleito para a Câmara ou para o Senado — não pode concorrer à eleição —, é de se perguntar por que o parlamentar que se torna seu colega conserva as prerrogativas de delegado da população.
Convenham: há trechos na Carta que permitem fazer a coisa certa e a coisa errada. E a certa é entender que a cassação é uma decorrência óbvia da condenação, com a consequente suspensão dos direitos políticos.