Topo

Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonaro no TSE só esconde o golpista mais ativo e assanhado do que nunca

Reprodução
Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

16/08/2022 16h53

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Jair Bolsonaro decidiu comparecer à posse de Alexandre de Moraes na Presidência do TSE, mesmo sabendo que ex-presidentes estariam presentes — ou por outra: Lula. Esse comportamento aparentemente civilizado não agrada a seus trogloditas. Eles gostam do capitão que xinga, ameaça, extermina. Se ele, Bolsonaro, é o "Bem" e se Lula é o "Mal", então estarão em pé de igualdade logo mais, embora ao atual mandatário seja reservado o lugar de chefe de Estado.

A decisão de comparecer ao evento pode passar a falsa impressão de que ele se converteu à democracia e de que o Brasil, então, vive tempos normais: o governante de turno convive com antecessores, eventualmente com um sucessor, porque, afinal, as regras do jogo a todos igualam. E a alternância de poder é um fundamento do regime. Logo, tudo seguiria uma modorra quase burocrática, e a solenidade seria, assim, apenas um evento fático, destinado a deixar claro que há comunicação regular entre os Poderes e entre as instituições.

Ocorre que a ida de Bolsonaro ao TSE é só um jogo de despiste. Sim, há nisso um sinal de que ele precisou recuar algumas casas em sua sanha golpista porque mesmo os seus intentos doidivanas, já de difícil realização, encontraram resistência adicional. As cartas em defesa da democracia tiveram um escopo bem mais amplo do que previram os doutores de sua campanha. Recuo tático, em linguagem militar, não é desistência, mas reiteração da disposição para o confronto.

O PRIMEIRO EVENTO
Bolsonaro está em campanha não à reeleição, mas contra as instituições, desde os seus dois discursos de posse, no dia 1º de janeiro de 2019. Bem lidos, já abrigam em estado larvar a luta que empreenderia em favor da disrupção política. Levou a sua mensagem liberticida a todos os eventos de que participou ao longo do mandato.

De todo modo, o evento de Juiz de Fora marca o primeiro ato oficial de campanha. Seja o seu discurso, seja o de Michelle, sua mulher — a seu modo, ainda mais alucinado — evidenciam que o candidato de 2022 tem o mesmo horizonte escatológico do candidato de 2018. A linguagem segue sendo a da guerra de extermínio. Ele não tem adversários a vencer, como é rotina nas disputas eleitorais nas democracias. O "outro" é seu inimigo.

Seu objetivo não é vencê-lo para governar o país, o que inclui aqueles que nele não votaram e que, por força das leis, estarão sujeitos às mesmas medidas administrativas, plano de governo, escolhas estratégicas — afinal, um presidente não governa para as suas milícias, mas para o conjunto da população. Nada disso!

O casal anuncia aos fiéis um novo amanhecer em que prevalecem os eleitos — ou, melhor ainda, os que querem elegê-lo — numa terra de iguais, todos eles, convertidos ou ao mesmo "Deus" de Michelle ou à mesma ideologia de Bolsonaro. A mensagem continua a ser uma só: "Ou vocês estão conosco porque, afinal, representamos o Bem, ou não estão, e, nesse caso, na condição de representantes do Mal, os que resistirem encontrarão a sua hora".

ÓDIO COMO MÉTODO BRASIL AFORA
Não é preciso fazer nenhum malabarismo retórico ou interpretativo para perceber que essa é a clivagem essencial feita pelo fascismo. "Ah, então temos um governo ou um regime fascistas?" A resposta, obviamente, é "não" porque o fascismo é mais do que uma abordagem da política ou uma faça militante. De resto, requeria certas condições, também internacionais, que não estão dadas. Mas não há como afastar a evidência de que o discurso é, sim, fascistoide. E já produz efeitos práticos deletérios Brasil afora. A violência armada é um deles, muito especialmente a de agentes de segurança. A degradação dos padrões mínimos de civilidade, inclusive aqueles que terão impactos severos na economia -- meio ambiente, por exemplo -- estão em todo canto.

Ignorar que o país está numa encruzilhada que implica ou a chance de começar a reverter a barbárie — e a tarefa será longa, difícil — ou a certeza de que nos afundaremos ainda mais no caos corresponde a não entender o que está em curso.

Vejam-se os outdoors espalhados Brasil afora. Lula não é um adversário que está à sua esquerda e que pode ter, eventualmente, soluções econômicas que divergem de seus postulados — até porque é impossível saber que postulados são esses. Nada disso! O adversário é associado à morte, ao mal, à perseguição religiosa — mentiras estúpidas que só podem prosperar no terreno da desinformação e do preconceito. O presidente que liderou o país dos 700 mil mortos de Covid-19 e que faz da arma a plataforma da liberdade ousa falar em nome da vida.

O SETE DE SETEMBRO
Exército e Prefeitura do Rio deixaram claro a Bolsonaro que havia severas dificuldades técnicas e logísticas -- algumas delas afeitas à mobilidade na cidade -- para deslocar o desfile militar do Sete de Setembro da Avenida Presidente Vargas para a Atlântica, na orla de Copacabana, como ele queria. O objetivo declarado era associar o evento à manifestação golpista por ele convocada.

O Alto Comando do Exército, em que pese a presença de golpistas, não achou a ideia boa porque viram também a segurança vulnerada, inclusive a do próprio presidente da República, o mestre-de-cerimônias da patuscada. E, então, um Bolsonaro que tivesse desistido da insanidade golpista se daria por satisfeito. Mas esse cara não existe.

Agora se sabe que Bolsonaro determinou — e vamos ver o alcance que terá — que Marinha e Aeronáutica associem suas respectivas performances ao ato de Copacabana. Afinal, as particularidades logísticas que teria a transferência do desfile da Presidente Vargas para a Atlântica não se aplicam. Ele quer embarcações de guerra ao alcance da vista de seus lunáticos e sonha com sobrevoos de aviões de guerra a anunciar que as Forças Armadas estão com aqueles que vão à rua vituperar contra o STF, o TSE, os adversários políticos, a democracia...

A se confirmar o que planeja o capitão arruaceiro, as Forças Armadas estarão sendo submetidas a um vexame inédito — mais um. Para alguns oficiais escolhidos a dedo, as compensações milionárias em alegados benefícios atrasados compensam a mácula que recairá sobre Marinha e Aeronáutica. Convenham: os que, envergando o uniforme, não se incomodam com a instrumentalização política das Forças já perderam qualquer senso de dignidade e patriotismo genuíno.

CAMINHANDO PARA A CONCLUSÃO
Bolsonaro segue sendo o golpista de sempre. Até agora, as pesquisas que não podem ser nem compradas nem vendidas apontam que será derrotado. Mas ainda faltam 50 dias para a eleição. Também este pleito, a exemplo dos de 2014 e 2018, já está sob o signo da excepcionalidade.

Em 14, a queda do avião de Eduardo Campos gerou turbulências no cenário. Não se conta a história que não houve. O fato é que ficou o trauma. Em 2018, houve a facada — que, a seu modo, Bolsonaro celebrou em Juiz de Fora como se fosse o Cristo redivido, ele também ressuscitado. Nesse caso, a anormalidade teve peso inequívoco no resultado.

Neste ano, duas PECs ilegais do "bolso-centrão" — e não havia o que as oposições pudesse fazer — criaram os instrumentos para tentar comprar a reeleição. Mesmo quando o arruaceiro não ameaça com tanques ou com desordem, agride as instituições com instrumentos de lesa legalidade.