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Bolsonaro usa o 7 de Setembro para pregação golpista. Seu lugar é a cadeia
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Não adianta. O biltre tem a sua natureza golpista e faz questão de revelá-la a cada ato, a cada decisão. Seu lugar é a cadeia, não a Presidência da República.
A Secretaria de Segurança Pública e a PM do Distrito Federal, o STF, o TSE e até representantes do Planalto — segundo o governador Ibaneis Rocha (MDB) — haviam se reunido e decidido que os caminhões que vão participar dos atos golpistas de Brasília não entrariam na Esplanada dos Ministérios. A interdição do acesso à área se deu já na segunda, depois que uma tentativa de invasão.
E o que fez Bolsonaro quando seus golpistas começaram a chiar? Deslocou-se até o lugar em que os caminhoneiros estavam concentrados e anunciou que haveria, sim, a liberação da Esplanada. Deu ordem em seguida para que o Exército fizesse uma espécie de cadastro dos motoristas. Quem responde pela segurança do local é o governo do DF, não o governo Federal. Chegou-se a noticiar que Ibaneis teria concordado com a decisão autocrática do presidente. O governador desmente e diz que isso nunca aconteceu.
Mais ou menos. Ibaneis estava tendendo a condescender com o presidente, mas cedeu a apelos vindo de várias autoridades, inclusive do Supremo, e decidiu que os caminhões não entrarão — "a não ser à força", ele ressalvou. No ano passado, o Supremo correu risco efetivo de invasão em razão da ação de extremistas que conduziam esses veículos — já que caminhoneiros, como categoria, não eram. Ameaçaram ainda fechar a Esplanada e só a abandonaram no dia 9. Digam-me cá: que tipo de presidente da República faz isso? Resposta: um presidente golpista.
Daqui a pouco, começa, já destaquei aqui na segunda, uma manifestação realmente inédita. Nunca antes na história deste país um presidente subversivo usou o cargo para pregar luta armada e golpe de Estado. E Bolsonaro faz as duas coisas. Pior: tanto em Brasília como no Rio — e mais ainda neste Estado —, submeterá as Forças Armadas a uma humilhação também inédita porque, do ponto de vista simbólico, será como se as estivesse submetendo a seus extremistas. Quando a Esquadrilha da Fumaça, no Rio, sobrevoar a massa de fascistoides, parte de sua história — lutou por liberdade em solo estrangeiro — estará sendo manchada, mais uma vez, pelos fumos do golpismo.
O COMEÇO
Mas o que quer Bolsonaro? Um golpe de Estado. Vai conseguir? Muito provavelmente, não. Mas isso não quer dizer que a apropriação das Forças Armadas pela patuscada golpista seja irrelevante. Aquilo a que se assiste é já uma evidência da degradação. Depois do fim do golpe militar de 1964, não se viram mais as Forças envolvidas em atos escancaradamente políticos, sendo manipuladas por espertalhões. Os militares buscaram o seu lugar na institucionalidade. O capitão arruaceiro interrompeu essa trajetória e as jogou no lamaçal golpista. Os lúcidos deveriam torcer pela derrota de Bolsonaro para que reencontrem o rumo.
É claro que o ato deste dia 7 começou na ser preparado há muito tempo. Entregar o poder nunca esteve entre os planos de Bolsonaro. Seu ataque às instituições, ainda de forma velada, começou já nos dois discursos de posse, no dia 1º de janeiro de 2019. É mentira que a pandemia marca a sua ruptura com o Supremo, dando início, então, à trajetória tresloucada. Nada disso.
A primeira manifestação golpista promovida pelo Planalto, ainda em associação com os partidários de Sérgio Moro e da Lava Jato, se deu no dia 26 de maio de 2019. A palavra de ordem era "Fora STF" e uma tal "CPI Lava Toga". As duas pessoas mais reverenciadas, então, nas ruas eram o próprio Bolsonaro e Moro. O Centrão ainda era inimigo, mas não só. Rodrigo Maia, então presidente da Câmara, que conduzia a reforma da Previdência, era o outro alvo da canalha.
Que fique claro: o governo não havia sido derrotado ainda em nenhuma demanda no STF. Ao contrário: o tribunal já estava empenhado, a seu modo, em colaborar para a governabilidade. E esse aspecto é verdadeiramente impressionante.
LEITURA DISTORCIDA
Bolsonaro começava naquele mês de maio a sua saga contra as instituições com a faixa presidencial no peito e passou a usar a Presidência da República e as Forças Armadas como aparelhos golpistas. Nota à margem: em março de 2019, o ministro Dias Toffoli, então presidente do Supremo, havia aberto de ofício o inquérito das "fake News", sob a crítica quase unânime -- e vesga -- da imprensa, que se dedicou a beletrismos de juridiquês mixuruca para atacar a investigação, alheia ao fato de que a extrema direta recorria a instrumentos da democracia para solapar o próprio regime.
E o presidente não parou mais. A batalha empreendida por ele contra o STF durante a pandemia foi só o momento extremo da loucura homicida. Coube ao tribunal, no estrito cumprimento da Constituição, garantir o direito dos brasileiros à Saúde, evitando que um celerado jogasse o país no caos absoluto. De toda sorte, a desordem promovida a partir do Palácio do Planalto contribuiu para a montanha de 700 mil mortos.
A firmeza da Corte — e lhe restava outro caminho? — acabou por emprestar ao tribunal o papel de única força capaz de conter um celerado e contribuiu para uma leitura distorcida de seu papel nestes quatro anos. Por que afirmo isso?
SUPREMO COLABORATIVO ATÉ DEMAIS
Um jurista mesmo mediano não teria dificuldades de fazer picadinho jurídico da reforma da Previdência, na forma como foi aprovada. Para começo de conversa -- e esse seria, reitere-se, só o começo --, criaram-se duas categorias de servidores: os civis e os militares. Sim: são distintos. Mas, se a questão é o manto de proteção social, seria preciso que alguém dissesse de que Céu caiu a determinação de que uns podem ter direitos aviltados, enquanto outros têm robustecidos seus privilégios.
E, no entanto, essa e outras mudanças legais, importantes para que o governo se acertasse com os tais mercados, acabaram ganhando a chancela do Poder Judiciário. O período também foi marcado pela evidente precarização de direitos trabalhistas. E as togas optaram pela não-intervenção, na certeza de que os pactos políticos tinham a primazia na condução dos assuntos da República.
Meu objetivo aqui não é polemizar sobre esses assuntos. O que estou evidenciando é que, à diferença do que se diz por aí — e também em setores da imprensa, sim! —, é mentira que o Supremo intervém demais, judicializando a política. Também nos círculos militares essa é a uma tolice influente.
Não há retórico capaz de evidenciar a legalidade da PEC dos Precatórios, da PEC do ICMS e da PEC dos benefícios sociais. As três são arreganhadamente inconstitucionais. E, no entanto, cabe a pergunta: o que teria sido do governo — e do país — se o tribunal tivesse feito aquele que seria, no fim das contas, o seu papel, que é aplicar um livro-texto chamado "Constituição"? Sobreviria a desordem.
Porque esta é outra característica de governos conduzidos por arruaceiros: empurrar o país para encruzilhadas institucionais, de sorte que o cumprimento da lei pode gerar uma desordem ainda maior do que fazer vista grossa — como fez o Supremo em todos esses casos.
A VERDADE
A verdade é que, ao longo desses quatro anos, o Supremo ajudou a governar o país. Inclusive quando apontou o caminho para criar o, digamos, "Orçamento de Guerra", que permitiu enfrentar as agruras da Covid. Paulo Guedes queria pagar três mensalidades de R$ 200 aos informais e mandar para casa, com contratos de trabalho suspensos, os formais.
Em vez de convocar seus cachorros loucos para a histeria golpista, Bolsonaro deveria agradecer ao Supremo de joelhos. Mas aí teria de ser outro presidente. O que demonstro aqui, na hipótese de um ou outro não terem percebido, é que o Poder que está sendo malhado em praça pública deu ao presidente a governabilidade que a sua incompetência, a sua estupidez e a sua burrice lutaram para tornar inviável desde sempre. E, claro!, nada disso bastou porque ele não queria governar dentro da ordem democrática. Desde sempre, queria o golpe. E é o que vai pregar, ainda que com outros termos, daqui a pouco.
O FUTURO
Qual é o futuro? Não tenho bola de cristal, só a lógica. Se todas as ilegalidades a que apelou até agora lhe derem mais um mandato, então o golpe na democracia será certo. A menos que o país se levante. E não será sem dor. Se perder, a única coisa que cabe a um regime democrático é exigir que aqueles que tentaram destruí-lo arquem com o peso de suas escolhas.
O crime de sedição e golpe de estado não desaparece com o fim do mandato.
Que Bolsonaro se encontre com a cadeia.