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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O iluminista Bolsonaro acha que nordestino vota em Lula por analfabetismo

Freepik; Reprodução
Imagem: Freepik; Reprodução

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Jair Bolsonaro mente com a mesma facilidade com que respira, afirma a revista britânica "The Economist". Talvez não seja tão preciso assim. Ele respira até com mais dificuldade, percebe-se pelo ritmo das frases que engrola, poucas delas de sentido absolutamente claro. Não raro, é preciso presumir ao menos parte da locução, que se perde no ilogismo, na fúria e num particularíssimo senso de ironia, que costuma parecer sagaz apenas a si mesmo.

Depois do resultado da votação — que, vá lá, ele e sua turma acabaram achando satisfatório por duas razões ao menos —, havia se calado sobre as urnas, deixando para as Forças Armadas a palavra final. Como se isso existisse. Até o "Veio da Havan" disse confiar no sistema de votação. Nesta quarta, no entanto, com a divulgação da pesquisa do Ipec, voltou à conversa mole de sempre, pondo em dúvida as urnas eletrônicas. E por que, de início, os dados lhe pareceram satisfatórios? Em primeiro lugar, porque ele e sua tropa temiam, de fato, a eleição de Lula já no domingo, e o petista não chegou lá por mero 1,57 ponto percentual; em segundo lugar, porque a escória ideológica do bolsonarismo sai premiada das urnas na eleição congressual. Como falar em manipulação?

Era a euforia de quem via a luz depois de ficar no fundo do poço. Mas aí o fantasma da derrota passou a assombrar de novo. E Bolsonaro se saiu com esta:
"Até o gráfico da evolução que foi feito aqui, levando-se em conta cada percentual de voto que era computado, criou figura geográfica uniforme, bem típica de algoritmo, muito parecido com aquela do segundo turno de 2014 do Aécio Neves".

O quê? "Figura geográfica uniforme"? "Bem típica do algoritmo?" Não tem a menor noção do que está falando, é evidente, mas está sugerindo que houve fraude. Saiu-se com outra do balacobaco:
"Tivemos apurações, alguns problemas aconteceram. Se a apuração durasse mais 5 minutos, 5%, nosso oponente teria conseguido vitória em 1º turno."

Sempre se imaginou que o número de votos da urna, ainda que convertidos em linguagem eletrônica, fosse finito. Segundo Bolsonaro, ele obedece à variável "tempo". Eis o cara a quem chamam "Mito". É evidente, já escrevi aqui na terça, que nem ele acredita no que diz. Chegando aonde chegou, não é tão trouxa. Mas precisa de trouxas que o levem a sério — além dos oportunistas. Aliás, por que não se investiu, então, na suposta fraude até o fim, dando a vitória de cara a Lula, por placar expressivo?

PESQUISA IPEC
O Ipec divulgou ontem a sua primeira pesquisa em meio à investida dos bolsonaristas contra os institutos. Se a eleição fosse hoje, segundo o Ipec, Lula seria eleito com 51% dos votos totais, contra 43% de Bolsonaro. Descontados brancos, nulos e indecisos, o ex-presidente teria 55% dos votos válidos, contra 45% do atual. Cotejados esses números, sempre considerado a margem de erro de dois pontos, com os saídos das urnas (48,43% a 43,2%, respectivamente), Lula teria ganhado 6,57 pontos percentuais, e seu oponente, 1,8.

É certo que a notícia é ruim para Bolsonaro porque, para vencer, ele vai ter de necessariamente tirar votos de Lula. Bem, em matéria de eleição, diria o poeta, a firmeza está sempre na inconstância. O presidente ainda pretende anunciar um pacote de bondades na boca da urna. A avaliação do governo melhorou, ainda que na margem de erro: os que o consideram ruim/péssimo variaram de 44% para 42%, e os que o veem como ótimo ou bom, de 33% para 35%. A reprovação à maneira de governar do presidente segue elevadíssima: 55% — 40% a aprovam, mesmos números da semana passada.

Como pode estar melhorando a avaliação do governo, é claro que há a possibilidade de que Bolsonaro se aproxime um tanto mais de Lula. Também se deve ficar atento aos dados do Sudeste, que concentra 43% do colégio eleitoral do país: na pesquisa, Lula aparece com 47% dos votos totais, e Bolsonaro, com 45%. No primeiro turno, em válidos, o atual presidente obteve na região 47,6% contra 42,6% de Lula — cinco pontos à frente.

Já os números do Nordeste (27% do eleitorado) são compatíveis com os de domingo. O petista obteve 67% dos válidos. Na pesquisa, tem agora 69% dos totais, contra apenas 26% do atual presidente.

PRECONCEITO
Bolsonaro é quem é, por mais que tentem amansar os contornos do corajoso canibal. Na mesma "live" em que afirmou aquelas coisas quase incompreensíveis sobre as urnas, mas tentando sugerir que houve fraude, resolveu associar o desempenho fabuloso de Lula no Nordeste ao analfabetismo. Disse, literalmente, depois de ler uma manchete:

"Da CNN: Lula venceu em nove dos dez Estados com a maior taxa de analfabetismo. Vocês sabem quais são esses Estados? Do nosso Nordeste. Não é só taxa de analfabetismo alta, ou mais grave nesses Estados. Outros dados econômicos, agora, também são inferiores às regiões (sic). Porque esses Estados do Nordeste estão há 20 anos sendo administrados pelo PT. Onde a esquerda entra, leva o analfabetismo, leva a falta de cultura, leva o desemprego, leva a falta de esperança. É assim que age a esquerda no mundo todo. Essa notícia aqui, que é da imprensa, e é verdadeira. Veja quais são os Estados (sic) que o Lula venceu, que têm a mais taxa de analfabetismo".

Bolsonaro não difere em nada da advogada Flávia Moraes, vice-presidente da comissão da Mulher da OAB em Uberlândia -- parece que pediu afastamento --, que afirmou o seguinte num vídeo, postado nas redes sociais, comemorando com amigas o desempenho de seu "Mito", referindo-se aos Nordeste:
"Não vamos fazer isso mais. Vamos gastar com quem realmente precisa, quem realmente merece. A gente não vai mais alimentar quem vive de migalhas. Vamos gastar nosso dinheiro no Sudeste, ou no Sul, ou fora do Brasil, que inclusive fica muito mais barato. Um brinde à gente que deixou de ser palhaço a partir de hoje."

As milícias digitais bolsonarianas, note-se, já vinham fustigado os nordestinos antes de seu líder dizer as coisas estúpidas acima transcritas. São o que são: preconceituosos, truculentos, ignorantes, mentirosos, embusteiros. E se sentem plenamente representados.

O governo petista mais antigo do Nordeste é o da Bahia (desde 2007). Em Sergipe, o partido governou apenas entre 2007 e 2013. Alagoas nunca teve um esquerdista no comando. Na Paraíba, o PSB chegou ao cargo em 2011. O PSB está à frente de Pernambuco desde 2007 e vai apear no ano que vem. No Rio Grande do Norte, a reeleita no primeiro turno Fátima Bezerra (PT) está apenas em seu quarto ano de mandato. Uma parceria entre a família Gomes e o PT, agora rompida, comandou o Ceará desde 2007, com dois mandatos de Cid Gomes e dois de Camilo Santana. No Piauí, o PT está em seu oitavo ano de mandato e conseguiu eleger seu indicado no primeiro turno. Flávio Dino, então no PCdoB (hoje PSB), chegou ao governo do Maranhão em 2015. Seu vice, que assumiu o governo, foi reeleito em primeiro turno.

É, obviamente, mentira que o Nordeste esteja sendo administrado há 20 anos pelo PT. De todo modo, durante quase todo o tempo dos governos petistas, o Nordeste cresceu mais do que a média do país. Bolsonaro mente. Leiam aqui reportagem da revista Época, de 4 de julho de 2013: "Como o Nordeste se tornou a China brasileira". O melhor ensino fundamental do país hoje é o Ceará.

A VERDADE E AS ELEIÇÕES
Aqui e ali se andou criticando a divulgação de um vídeo em que Bolsonaro discursa numa loja maçônica. É mentira? Não. É verdade. A bobagem está em confundir maçonaria com satanismo. Mas eram os aliados de Bolsonaro a fazê-lo, não os adversários. Ele faz escolhas tão despropositadas que pode, às vezes, ser atropelado por elas. E a notícia só viralizou porque o presidente iniciou a guerra religiosa no país. Torço, sim, para que o eleitorado nordestino responda de maneira ainda mais contundente à sua estupidez. Ainda que Bolsonaro diga muitas mentiras sobre os outros, parece-me que basta que se digam todas as verdades sobre ele.

Até porque esse cara cortou 97% da verba para investimento em infraestrutura de escolas. Restou dinheiro para comprar um ônibus. Neste ano, em seu esforço reeleitoral, ele cortou R$ 2,4 bilhões do MEC. Eis a sua aposta nas luzes.

Mesmo que venha a perder a eleição, ele não vai pagar nas urnas todo o mal que fez e faz ao país. Mas ainda o aguarda a Justiça. Reitero que, para ele, a sua reeleição não é mais questão de política, mas de polícia.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado, não haverá segundo turno para governador no Maranhão. Carlos Brandão (PSB), que assumiu o governo do Maranhão após a saída de Flávio Dino, foi reeleito em primeiro turno. O texto foi corrigido.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL