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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Eleição deste ano já está corroída pela ilegalidade, mas golpismo quer mais

Bolsonarismo quer mandar a Constituição para o lixo. Só assim o candidato a autocrata pode ter o poder que almeja  - Reprodução
Bolsonarismo quer mandar a Constituição para o lixo. Só assim o candidato a autocrata pode ter o poder que almeja Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

10/10/2022 16h34

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A eleição deste ano se dá sob o signo do engodo, da ilegalidade e da agressão à Constituição. Já escrevi isto algumas vezes, mas é importante, sim, reiterá-lo às portas do segundo turno: desde a redemocratização, nunca tivemos uma disputa como esta no que respeita ao ataque do governo de turno, que tenta um segundo mandato, à institucionalidade. PEC do ICMS, PEC dos benefícios sociais e o mais recente pacote de Bolsonaro na boca da urna do segundo turno (antecipação de pagamentos, inclusão de novas famílias no Auxílio Brasil, nomeação de concursados da área de segurança, manipulação política do perdão de débitos), tudo isso é ilegal.

As ações ou ferem a Constituição ou ferem a Lei Eleitoral e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Às vezes, uma delas; às vezes, todas ao mesmo tempo. É bom notar que, na prática, já temos um Supremo manietado. Fizesse valer o que está escrito, os pobres não receberiam os R$ 200 suplementares, e os caminhoneiros e taxistas ficariam sem o auxílio. O governo "descobriu" tais urgências a três meses da eleição e, ainda agora, manipula o calendário de pagamentos de olho no voto. É uma vergonha.

E notem como essas evidentes agressões ao legalmente pactuado acabaram sendo normalizadas. Já há gente atribuindo o desempenho do governismo nas urnas — o de Bolsonaro e muito especialmente o dos partidos de direita — à competência da turma, ao perfil naturalmente conservador dos brasileiros (conservadorismo que deve ter caído do Céu), aos erros das esquerdas, ao politicamente correto... Fica parecendo que a mobilização de R$ 42 bilhões — fora do teto de gastos — só para arcar com o custo da PEC dos benefícios foi ação irrelevante, que o governo empreendeu ou por capricho ou por súbito amor ao povo. Caso se acrescente à conta o que Estados estão deixando de arrecadas dom a PEC do ICMS, temos a campanha eleitoral mais cara da história do mundo.

"Ah, isso é chororô de quem torcia por um Congresso mais esquerdista do que o eleito". Será que eu esperava coisa melhor? "O pessimismo da inteligência não deve abalar o otimismo da vontade". A frase não é de Gramsci, mas de Romain Rolland. O intelectual comunista italiano a citou. E também tomo a divisa para mim. Como minhas expectativas são um tantinho elevadas, não é raro que me decepcione com o desfecho dos grandes movimentos. Mas sempre procuro abraçar com entusiasmo os meios que julgo eficazes para uma vida civilizada. Não esperava um Congresso tão melhor do que o que teremos, mas era, admito, mais otimista a minha expectativa sobre a presença de bípedes sem pena e bico na futura legislatura.

SE LULA, SE BOLSONARO
Caso Lula vença a disputa, é claro que será preciso negociar como nunca, tendo claro que essa negociação não pode conduzir o governo à inação. Como a linguagem que se fala do outro lado é a da "ascese por intermédio do ódio", haverá, sim, a determinação de inviabilizar o governo. É o que os define e o que lhes confere sentido. Sem contar os dois meses que nos separarão da posse, que serão dedicados a toda sorte de teorias conspiratórias. Pense, a título de galhofa e pilhéria, as coisas mais escalafobéticas, e a militância digital bolsonarista o terá precedido, mas tratando suposições alucinadas como se pertencessem ao mundo dos fatos. Ademais, o "Lula-que-não-quer-antecipar-seu-programa", crítica que considero descabida, terá de dar um jeito de saber de onde vai tirar o dinheiro para carcar com as despesas desse particularíssimo modo que tem Jair Bolsonaro de encarar a responsabilidade fiscal.

Se vence Bolsonaro, dada a qualidade de alguns bípedes que tentarão impor a sua agenda ao Congresso, então a crise permanente nos contempla. E não se trata aqui de baratear o caos na esperança de virar votos — como se, nesse tipo de trabalho, isso fosse possível, ainda que essa fosse a intenção do autor. Nada disso! Apenas presto atenção ao que diz Bolsonaro e noto que ele jamais desiste de uma ideia. Discordo daqueles que afirmam que ele fala muito, mas, na prática, não emplaca a sua agenda. Com a devida vênia, é mentira.

Promoveu o primeiro ato golpista contra o Supremo no dia 26 de maio de 2019, sem ter sofrido, até então, nenhuma derrota na Corte, e não abandonou mais a pauta. "Ah, mas o Supremo segue decidindo livremente". Então tenho de remetê-los ao começo do texto, que era a lição que sempre dava aos meus alunos nas aulas de dissertação: "Jamais se esqueçam do ponto de partida". Neste exato momento, o Supremo, que já está sob vara, deixa de aplicar o arcabouço legal para evitar que o país mergulhe num transe de consequências imprevisíveis, mas necessariamente trágicas. Tampouco o TSE cassaria a chapa Bolsonaro-Braga Netto, se eleita, por abuso de poder político e econômico, embora este seja escancaradamente óbvio. A não ser que fosse o último recurso no caso de uma gestão desastrosa.

Pouco importa quem vença a disputa no dia 30, esta já é uma eleição que se dá sob o signo da fraude. Essa minha afirmação não é sacada da algibeira porque, afinal, o bolsonarismo foi mais bem-sucedido do que se esperava... Eu não esperava, já disse, coisa boa. O fato é que, em várias ocasiões, apontei aqui e no programa "O É da Coisa", da BandNews FM, que esta era, a exemplo das duas anteriores, uma eleição também marcada pela excepcionalidade.

Em 2014 houve a queda do avião em que estava Eduardo Campos, e, em 2018, a facada. Nesta, temos as ilegalidades na boca da urna. Escrevi aqui no dia 10 de julho:
"No mato sem cachorro, confrontado com a ruindade do seu governo, vendo ruir, dia após dia, a bandeira da moralidade, com escândalos pipocando em todo canto -- e o maior deles é mesmo o chamado "Orçamento Secreto" --, Bolsonaro percebeu que seu berreiro reacionário e suas ameaças golpistas tornavam ainda mais fiéis os da sua seita, mas não atraíam votos novos. A eleição de 2014 teve queda de avião. Imponderável. A de 2018 teve a facada. Imponderável também -- embora a exploração política posterior tenha tido rigor e método. Em 2022, o governo decidiu cuidar do elemento-surpresa: se alguém supunha que Bolsonaro seria incapaz de arruinar a governança do país no presente e no futuro para tentar se reeleger, bem..., andou supondo errado. Desde que as urnas começaram a se mostrar avessas à sua reeleição, o presidente não se limitou à retórica golpista: ele também avançou no caixa para garantir benefícios temporários -- ou minimizar temporariamente a carência -- a milhões de brasileiros. Era preciso correr. Afinal, o linimento tem de chegar depressa ao bolso dos pobres (que recebem o Auxílio Brasil) e das categorias contempladas -- caminhoneiros e taxistas -- porque se está a menos de três meses da eleição. O governo e o Centrão apostam que isso muda o destino de Bolsonaro nas urnas."

Antes, no dia 4 daquele mês, fiz na BandNews o comentário que está no pé deste texto, em vídeo.

ENCERRO
Arremato se ainda não ficou claro, reiterando: esta eleição já se processa sob o signo do engodo e da ilegalidade impune. E isso significa que a deterioração institucional não é mais uma hipótese, mas uma realidade em curso. Já está entre nós. A ameaça de elevar os números de ministros do tribunal em caso de reeleição e o "pacote de Mourão" para atar as mãos do Judiciário seriam as etapas superiores do autoritarismo em curso, que não pode mais ser chamado de projeto, mas de fato.