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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolsonarismo agora vê "conspiração das rádios". E uma estranha superempresa

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Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

24/10/2022 23h29

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Se Lula vai ou não ganhar as eleições, não sei. Mas intuo que o petista está na frente não só nas pesquisas que têm sido divulgadas pelos institutos responsáveis e no tracking do PT. Trackings são levantamentos telefônicos feitos pelas campanhas eleitorais e que não são registrados no TSE. Servem apenas para orientar as campanhas. Tudo indica que os números não andam sorridentes também no QG da plêiade de patriotas do bolsonarismo, de que Fábio Faria, ministro das Comunicações, se tornou estrela de primeira grandeza.

Esse rapaz foi à Internet nesta segunda, logo depois da divulgação da pesquisa Ipec (indicando situação confortável para Lula) e em meio aos descalabros que vieram à luz sobre a operação oficial para proteger Roberto Jefferson, o criminoso que atira contra policiais.

Faria tonitruou no Twitter, tentando emprestar um ar solene à mensagem:
"Convidamos jornalistas de todos os veículos de mídia para acompanhar a exposição de um fato grave na frente do Palácio da Alvorada logo mais, às 19h30."

O ministro das Comunicações, herdeiro ou algo assim de empresa da área, não é lá muito versado na "Inculta & Bela", e a mensagem tem a sua graça involuntária. Em português, a ordem das palavras é relevante. Ele estava fazer a convocação para a frente do palácio, certo? Do modo como saiu, acabou por afirmar que o "fato grave" é que se daria na frente do palácio.

E não é que acabou acertando sem querer? O que fez, com efeito, é grave.

Segundo a coligação que apoia Bolsonaro, rádios do Brasil inteiro, mas especialmente das regiões Nordeste e Norte, deixaram de veicular milhares de inserções da campanha do chamando incumbente, privilegiando, claro!, a propaganda de Luiz Inácio Lula da Silva, razão por que os valentes pedem a suspensão em todo território nacional da propaganda petista.

E a denúncia cita lá números estratosféricos. Mas como é que eles chegaram a essa conclusão só agora, a seis dias do pleito. Bem, alegam que o levantamento foi feito por uma certa "Audiency Brasil Tecnologia".

Fiquei curioso. Que empresa tão capaz é essa, com expertise tão específica para fazer um exame dessa natureza? O site da Receita Federal satisfez a minha curiosidade: a firma tem sede em Florianópolis, SC e foi fundada em 05/08/2020. Lá consta o seguinte sobre empresa tão especializada:

Atividade Principal: Desenvolvimento e licenciamento de programas de computador customizáveis.

Uma empresa especializada em programas de computador customizáveis conseguiu desenvolver um com essa rapidez e eficiência? Fiquei ainda mais interessado. O cartão do CNPJ informa também as atividades secundárias de tão notável organização, a saber:

ATIVIDADES SECUNDÁRIAS
- Atividades de gravação de som e de edição de música
- Desenvolvimento de programas de computador sob encomenda
- Suporte técnico, manutenção e outros serviços em tecnologia da informação
- Tratamento de dados, provedores de serviços de aplicação e serviços de hospedagem na internet
- Portais, provedores de conteúdo e outros serviços de informação na internet
- Marketing direto
- Pesquisas de mercado e de opinião pública
- Produção musical

Nada sugere competência para fazer um levantamento dessa natureza em milhares de rádios no país inteiro.

Essa era a bomba que Faria tinha para apresentar aos jornalistas.

Ele tem razão. O fato que protagonizou em frente ao Palácio é grave. O relatório da tal empresa nada prova e não é. Apresentaram-se números sobre milhares de rádios na linha "Acreditem em nós".

A propósito: sendo a dita-cuja do tipo que faria cair o queixo de Elon Musk, indaga-se: estivesse havendo mesmo alguma ilegalidade, não seria o caso de gritar logo no primeiro dia, acusando ao menos o nome de um grupo de rádios, para que se a Justiça Eleitoral pudesse agir?

DECISÃO DE ALEXANDRE DE MORAES
Dada a urgência da coisa, Alexandre de Moraes já tomou uma decisão: deu um prazo de 24 horas para que os peticionários apresentam provas do que disseram, não apenas um gráfico assinado por uma empresa de Santa Catarina, especializada em "desenvolvimento e licenciamento de programas de computador customizáveis", que conseguiria fazer um levantamento com tal precisão nos nove Estados da Região Nordeste e nos sete da Norte.

O ministro alerta:
"Tal fato [a apresentação da denúncia] é extremamente grave, pois a coligação requerente aponta suposta fraude eleitoral sem base documental alguma, o que, em tese, poderá caracterizar crime eleitoral dos autores, se constatada a motivação de tumultuar o pleito eleitoral em sua última semana".

TENTATIVA DE FRAUDE
Acusar uma fraude que não existe é tentativa de fraude. Bolsonaro já disse mais de uma vez que só reconheceria o resultado as eleições se confiasse no resultado... Os militares, como é evidente, não encontraram problema nenhum. Porque nada há a ser encontrado.

Então vieram agora com essa história. Imaginem se as empresas correriam o risco de perder a sua concessão, fraudando o horário eleitoral. De resto, não se sabia que o PT, um partido fora do poder, ainda disporia de tamanho influência na área que está sob o guarda-chuva do super-Fábio Faria. Ele chegou ao governo com a fama de que seria, assim, uma espécie de bolsonarismo arejado. Como se vê, isso é mesmo impossível. Quem chega ao grupo um pouco mais arejado só permanece caso se deixe cobrir do bolor reacionário mais primitivo.

Vamos ver. Mais 24 horas, e saberemos se há "provas".

Já não há mais sentido em atacar as urnas eletrônicas. Nem Ciro Nogueira topa. Então é preciso denunciar a conspiração nas ondas do rádio.

Nada é feio para essa gente, só perder. E, hoje, eles perderiam.

Parece que o tracking deles não anda mesmo muito bom.

Faria garantiu a Moraes que eles têm a prova de que rádios do Brasil inteiro conspiraram contra Jair Bolsonaro. Por que o fariam? Alguém tem uma hipótese ao menos razoável?

CONTA ALUCINADA
A petição a Moraes faz uma conta que ou é coisa de gente que fugiu da escola ou que pensa que os outros fugiram. Reproduzo trecho:
"Para se ter uma simples compreensão da magnitude dos achados de FRAUDE ELEITORAL, ora descortinada, em um pequeno espaço amostral de tempo de 07 dias (07 a 14 de outubro p.p.), apenas na região Nordeste do Brasil, revelou-se a veiculação de precisamente 12.084 (doze mil e oitenta e quatro) inserções de 30 segundos a maior para a campanha de Lula. Confira-se, no ponto, a apresentação dos dados plasmada no RELATÓRIO.
Por meio de cálculo matemático singelo, considerando-se aproximadamente 12.000 inserções, teve-se, repita-se, em apenas uma semana e somente na Região Nordeste, 6.000 (seis mil) minutos, ou seja, 100 (cem) horas de exposição a maior para Lula nas rádios nordestinas."

Põe "singelo" nisso! É tão singelo que nem matemática é. Trata-se de um mero truque de prestidigitação supostamente aritmético. Para que essa soma fizesse sentido, seria preciso que o mesmo eleitor — e todos os eleitores — estivessem expostos à propaganda "a mais" de Lula de todas as emissoras. É um absurdo demonstrável.

Ora, serão 23 dias de inserções de 25 minutos no rádio. Logo, ao fim do dia 29, terão sido 575 minutos — ou: NOVE HORAS E 35 MINUTOS. Mas calma! Esse tempo se divide entre os dois candidatos. Assim, cada um terá acesso, ao longo de todo o segundo turno — não estou contando tempo perdido para direito de resposta — a QUATRO HORAS, TRINTA E SETE MINUTOS E 30 SEGUNDOS.

Essa história de que, só no Nordeste, Lula teve 100 horas a mais do que Bolsonaro é uma conta alucinada. A ser assim, o tempo total de inserções no rádio seria de 225 mil minutos: 25 minutos multiplicado por nove mil rádios: 3.750 horas de inserções — o correspondente a quase 157 dias.

Reitere-se: ainda que tivesse havido alguma irregularidade, nota-se que a petição faz uma conta para enganar incautos, não para esclarecer.