Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Mendonça quer golpistas impunes. E antissemitas, pedófilos e traficantes?
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Lula venceu a eleição, a democracia tem mais uma chance, mas as forças de desestabilização estão atuando com determinação. E em várias frentes. Nesta segunda, André Mendonça, um dos braços que Jair Bolsonaro mantém no Supremo, fez uma afirmação realmente espantosa. Sobretudo porque um membro da mais alta corte do país deixou claro que não tem compromisso nem com a Constituição nem com as leis.
O doutor participou com empresários de um evento sobre responsabilidade social na Zona Sul do Rio. Falou depois com jornalistas. E tentou normalizar a pregação do golpe de Estado, que é crime, como um direito. "Ah, ele não fez isso!" Fez, sim. Considerou a seguinte consideração sobre as tensões políticas a que assistimos:
"O papel de todos nós é de serenidade, de respeitar essas manifestações pacíficas. E, ao mesmo tempo, buscar gerar uma pacificação no ambiente nacional que nos ajude a desenvolver e olhar para o futuro numa boa perspectiva. Logicamente que são ideais que, às vezes, se contrapõem num cenário eleitoral. Mas precisamos agora sentar e trabalhar para ajudar o Brasil".
De quais manifestações pacíficas ele está falando?
Os jornalistas convidaram o doutor a ser mais específico. Quiseram saber se ele considera legítimos os protestos que pedem intervenção militar e o fechamento do Supremo. E ele respondeu:
"Desde que pacíficas e que respeitem direitos fundamentais das outras pessoas, sim"
Mendonça tem direito às próprias opiniões, embora ele não o exerça porque sempre vocaliza o que pensa Bolsonaro. Mas não tem direito às próprias leis. O Artigo 286 do Código Penal tipifica o crime de incitamento ao crime, a saber:
Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime:
Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.
A Lei 14.197 acrescentou um Parágrafo Único a esse artigo:
"Incorre na mesma pena quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade."
Façamos a Mendonça algumas perguntas óbvias:
1: sendo a manifestação pacífica, qualquer tese pode ser defendida? Além do golpe de Estado, o que mais? Pedofilia, estupro, racismo...?
2: os Artigos 359-L, M e R do Código Penal punem a tentativa de abolição do estado de direito e de golpe de Estado e a sabotagem. Todos se referem a ações violentas ou a grave ameaça, a exemplo dos bloqueios de estradas. Pergunto ao ministro: quais crimes devem ser imputados aos canalhas que atacaram a tiros uma guarnição da PRF? Apenas resistência, desobediência e desacato?
3: a tese esdrúxula de Mendonça protege golpistas destrambelhados ou, sobretudo, aqueles que os financiam?
NÃO É A PRIMEIRA VEZ
No dia 13 de junho de 2020, o prédio do Supremo foi atacado por delinquentes que estavam acampados em Brasília cobrando, ora vejam, um golpe de Estado. Mendonça era ministro da Justiça. Ele, que já havia recorrido à então Lei de Segurança Nacional para determinar que a PF abrisse inquéritos contra críticos de Bolsonaro, emitiu uma nota sem nenhuma censura explícita aos criminosos e ainda exortou a Corte à reflexão, num claro esforço de responsabilização da vítima. Lembro a sua declaração pusilânime:
"1º A democracia pressupõe, acima de tudo, que todo poder emana do povo. Por isso, todas as instituições devem respeitá-lo. Devemos respeitar a vontade das urnas e o voto popular. Devemos agir por este povo, compreendê-lo e ver sua crítica e manifestação com humildade. Na democracia, a voz popular é soberana.
2º A democracia pressupõe o respeito às suas instituições democráticas. Qualquer ação relacionada à Presidência da República, ao Congresso Nacional, ao STF ou qualquer instituição de Estado deve pautar-se por esse respeito.
3º Portanto, todos devemos fazer uma autocrítica. Não há espaço para vaidades. O momento é de união. O Brasil e seu povo devem estar em 1º lugar".
Vejam ali a conversa da "união" para justificar criminosos. Quando ministro da Justiça, dois rapazes se tornaram alvos seus porque publicaram um outdoor comparando o presidente a um "pequi roído". Pregar golpe de Estado, no entanto, parece-lhe legítimo, desde que sem violência... Se isso pode, o que não pode? Se não é a lei a determiná-lo, será quem?
VAMOS PAPARICAR GOLPISTAS?
Prestem atenção! O Exército pediu ao Governo do Distrito Federal ajuda para garantir "segurança" e a "ordem pública" em frente ao quartel-general, em Brasília. Lá estão os apoiadores de Bolsonaro a cobrar a intervenção das Forças Armadas.
O Comando Militar do Planalto pede o envio de ambulâncias dos Bombeiros e do Samu "para atendimento aos manifestantes, se necessário". Também quer serviço de limpeza, manutenção e recolhimento de lixo. O pedido é assinado pelo coronel Fabiano Augusto Cunha da Silva.
A Folha questionou o Exército sobre as razões do pedido e recebeu a seguinte resposta:
"O ofício não trata de remoção dos manifestantes que se encontram de forma pacífica em frente ao Quartel-General do Exército. O objetivo do documento é reforçar, junto com outros órgãos do Distrito Federal, as atividades de controle de trânsito e de barracas, limpeza e segurança desses brasileiros".
Sendo assim, parece que a Força esqueceu de pedir, para conforto dos golpistas, colchão, comida, roupa lavada, pão de ló, uma cervejinha e, claro!, amor verdadeiro, de que todos precisam.
Não será fácil reverter a marcha da delinquência.
MORAES
Para a possível tristeza de Mendonça e, quem sabe?, de militares preocupados com a segurança dos golpistas, o ministro Alexandre de Moraes, no âmbito do inquérito das milícias digitais, determinou que as Polícias Civis, as Militares, a Polícia Federal e a PRF informem em 48 horas ao STF a identificação de todos os veículos que participaram dos bloqueios e dos protestos em frente aos quartéis.
Ainda há juízes em Brasília que acreditam no cumprimento da lei e que não brincam de fazer bilu-bilu com golpistas.
Todos temos de fazer uma indagação a Mendonça e a outros que pensam como ele: quais outros crimes devem merecer a omissão ou proteção das autoridades desde que praticados sem violência?
Doutor Mendonça, uma manifestação antissemita, desde que pacífica, deve ser tolerada? Ou o senhor só abre exceção para golpe de estado em favor de Bolsonaro? E pedofilia pacífica? E tráfico pacífico de armas? E "dumping" de vigarice intelectual?
Ilumine o nosso pensamento, grande mestre?