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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Posse de Lula marca ineditismos, com eventos judiciais impressionantes

Lula, Janja, Lu e Geraldo Alckmin no desfile em carro aberto: evento marca vários ineditismos no país - Carl de Souza/AFP
Lula, Janja, Lu e Geraldo Alckmin no desfile em carro aberto: evento marca vários ineditismos no país Imagem: Carl de Souza/AFP

Colunista do UOL

01/01/2023 16h21

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Realiza-se hoje um feito inédito na história do Brasil. Um presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, assume o terceiro mandato pela via democrática. Iguala-se a Getúlio Vargas na terceira jornada, mas aquele governou como ditador entre 1930 e 1945, com um breve interregno sob a regência da Constituição de 1934 — que, na prática, vigorou por apenas um ano.

O ineditismo não para por aí, como se sabe. Nunca aconteceu de um político sair da cadeia e assumir o governo do país. "Mas isso é bom, Reinaldo?" É bom, sim. Desastrosas foram as circunstâncias que o levaram à prisão. Não custa reiterar: não há leitor, jurista ou não, que examine a sentença de Sergio Moro e aponte as páginas em que estão listadas as provas que levaram ao repto condenatório. Assim, a posse de Lula também marca o fim da era do terror jurídico que tomou conta do país na vigência da Lava-Jato.

Convém rememorar aqui algumas datas. Moro condenou Lula a nove anos e meio de prisão no dia 12 de julho de 2017. O Datafolha de 26 de junho lhe conferia 30% das intenções de voto. No levantamento de outubro daquele ano, ele saltava para 35%. O TRF-4, em 24 de janeiro de 2018, referendou a sentença — também os desembargadores são incapazes de apontar as páginas com as tais provas — e ainda majorou a pena: 12 anos e um mês. Datafolha do mês anterior (4 de dezembro de 2017) apontava que o agora presidente venceria Bolsonaro por 51% a 33% num eventual segundo turno.

No dia 5 de abril de 2018, Moro mandou prender o petista, o que se efetivou no dia 7. Na cadeia, continuou a liderar as pesquisas: de 34% a 37% no dia 16 de abril, uma semana depois do ato espetaculoso do juiz flagrado na Vaza-Jato" a violar o sistema acusatório de maneira miserável. No dia 1º de setembro daquele ano, o TSE indeferiu a sua candidatura, e só então Bolsonaro assumiu a dianteira: 24% contra 13% de Ciro Gomes e 11% de Marina Silva.

Foram 580 dias na prisão em razão de uma condenação sem provas, que, entendo, violava a Constituição e a lei porque o Artigo 283 do Código de Processo Penal é explícito sobre a prisão em caso de condenação: só pode se dar depois do trânsito em julgado. Transcrevo:
"Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado."

A constitucionalidade de tal disposição foi examinada pelo Supremo e, obviamente, foi referendada porque, convenham, repete o conteúdo do Inciso LVII do Artigo 5º:
"Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

Lula deixou a prisão há pouco mais de três anos, a 8 de novembro de 2019. Mas ainda havia o risco de voltar, caso se desse o trânsito em julgado da tal sentença referente ao apartamento de Guarujá. No dia 27 daquele mês, 19 dias depois de ser posto em liberdade, o TRF-4, mais uma vez, endossou uma condenação — nesse caso, referente ao sítio. De novo, com majoração da pena: 17 anos e um mês. Pela segunda vez, o rigor do tribunal contrastava com a ausência de provas. Nesse caso, com um constrangimento adicional para Justiça: a sentença da primeira instância, assinada pela juíza Gabriela Hardt, colou trechos daquela redigida por Moro. Mais: a doutora usou contra Lula os testemunhos de "José Adelmário" e de "Léo Pinheiro", um a reforçar o outro. Ocorre que são a mesma pessoa. Isso revela o "rigor" com que se faziam as coisas...

ANULAÇÃO E SUSPEIÇÃO
No dia 8 de março de 2021, o ministro Edson Fachin, relator dos casos do dito "petrolão" no Supremo, anulou as condenações porque, ora vejam!, se deu conta de que Moro nem mesmo era juiz das causas que levaram à condenação, argumento desde sempre esgrimido pela defesa e com o qual, como sabe todos, este colunista concordava desde sempre.

A propósito, cumpre sempre lembrar: em embargos de declaração, por ocasião da primeira condenação, o próprio Moro afirmou com todas as letras inexistir conexão entre o apartamento de Guarujá e os contratos da OAS com a Petrobras. Se ele era o juiz de casos que diziam respeito à empresa, por que estava com uma causa que não tinha relação com ela? Nas palavras do próprio então juiz, hoje senador eleito daquela que será a ala mais reacionária do Congresso:
"Este juízo jamais afirmou na sentença ou em lugar algum que os valores obtidos pela construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram utilizados para pagamento da vantagem indevida para o ex-presidente (?)"

No dia 15 de abril, por 8 votos a 3, o pleno do Supremo referendou a decisão de Fachin. Lula recuperava, a partir daquele momento, seus direitos políticos. Mas havia mais.

A Vaza-Jato havia escancarado a estupefaciente parcialidade de Moro. E olhem que ninguém precisava dos diálogos vazados para tanto. À medida que o juiz aceitou ser ministro do presidente que só se elegeu porque Lula fora condenado (e, pois, inabilitado para a disputa) — e o "magistrado" aceitou o convite em novembro de 2018, sete meses depois de expedir a ordem de prisão —, tinha-se a óbvia desmoralização da Justiça. A Segunda Turma considerou Moro parcial, coisa muito mais séria do que um caso de incompetência, decisão que foi referendada pelo pleno no dia 23 de junho do ano passado por 7 a 4.

No primeiro Datafolha depois das decisões do Supremo, em maio do ano passado, Lula aparecia com 41% das intenções de voto, contra 23% de Bolsonaro. No segundo turno, 53% a 23%.

SEMPRE LIDEROU
Uma das mentiras que a extrema-direita gosta de contar é que foi o STF a decidir a vitória de Lula. Não! Foi o povo. O petista liderava as pesquisas de opinião desde sempre. Não fosse o impressionante conjunto de ilegalidades da Lava Jato -- que, infelizmente, contou com a conivência de amplos setores da imprensa --, o mais provável é que O petista tivesse vencido a disputa já em 2018.

Assim, a posse de hoje vem com quatro anos de atraso. Mas, como é óbvio, a história não parou nesse tempo. Bolsonaro se entregou à sistemática e fanática agressão à democracia e ao estado de direito.

Recompor o tecido institucional é a tarefa principal de Lula. E ele deixou isso claro num discurso que já nasce histórico, feito há pouco no Congresso. Ainda voltarei à sua fala. "Democracia para sempre!", ele disse.