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Manchete possível: "Pessimismo com a economia se amplia com atuação do BC"
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Falemos mais um pouco da pesquisa Datafolha. A escolástica tinha uma expressão para designar uma falácia ou erro lógico que consiste em que considerar que o que vem depois é necessariamente consequência do que veio antes: "Post hoc ergo propter hoc". Ou seja: "Depois disso, logo por causa disso". Sim, caro leitor, "as consequências vêm sempre depois", como brincava o ex-vice-presidente Marco Maciel, imitando o Conselheiro Acácio, a personagem de Eça de Queirós que se esbaldava na obviedade. A questão é saber se o fato antecedente é ou não a causa. Esse é o busílis. O dia nasce depois que o galo canta. Mas não por causa do canto do galo.
Afirma em título a Folha: "Pessimismo com a economia se amplia desde posse de Lula, aponta Datafolha". É, com efeito, o que apontam alguns números do instituto, ainda que a variação não seja tão grande. Mas que se note: o pessimismo se ampliou "desde a posse", não por causa dela — a menos que se tente encontrar alguma ação efetiva do presidente que tenha concorrido para tanto.
Em suas perguntas, o Datafolha usa como adjuntos adverbiais "últimos meses" e "próximos meses". A vagueza talvez seja intencional: captar esfera de sensações — que traduzem, no entanto, experiências reais. Vamos ver.
PASSADO E FUTURO DA ECONOMIA
Sobre a situação da economia do Brasil "nos últimos meses", o "ficou como estava" avançou de 35% para 41%; o piorou oscilou de 38% para 35%, variando de 26% para 23% os que afirmam que melhorou. Em relação à condição econômica do entrevistado, essas categorias tiveram a seguinte movimentação: de 38% para 50%; de 31% para 27% e de 31% para 23%.
A população, no entanto, continua majoritariamente otimista com o país e consigo mesma, ainda que parecesse mais animada em dezembro. Em relação ao levantamento anterior, houve uma variação para baixo, dadas as margens de erro de dois pontos antes e agora, entre aqueles que acham que a economia vai melhorar: de 49% para 46%. Subiram de 20% para 26% os que dizem que vai piorar, mesmo patamar dos que acham que tudo ficará na mesma.
E sobre a própria vida econômica "nos próximos meses"? Estão certos de que vai melhorar 56% (antes, 59%). Mantêm-se em 28% os que não acreditam em alteração, com oscilação de 11% para 14% dos que anteveem que vai piorar.
DESEMPREGO, INFLAÇÃO E PODER DE COMPRA
Os que afirmam que o desemprego vai aumentar passaram de 36% para 44%; caíram de 37% para 29% os que pensam o contrário, e foram de 24% para 26% os que avaliam que ficará na mesma. No trimestre até fevereiro, ele, efetivamente, cresceu.
Embora a inflação esteja em queda — ainda que muito elevada —, subiram de 39% para 54% os que responderam que vai piorar, o que é compatível com o movimento de 31% para 20% dos que entendem que vai cair. Ficam em 24% os que acham que vai se manter.
Apostavam em dezembro que o poder de compra dos salários cresceria 43%; agora, 33%; subiram de 21% para 31% os que consideram que vai cair, indo de 31% para 34% os que não creem em mudanças.
SITUAÇÃO RUIM
Ocorre-me aqui uma pergunta que não foi feita: "Se a taxa de juros cair, você acha que a economia vai melhorar, piorar ou ficar como está?" Não seria pertinente?
É evidente que Lula não pode responder ainda nem por eventuais números ruins nem por uma certa deterioração das expectativas dos brasileiros. Meus olhos incansáveis, para contrastar com os do poeta, jamais se esquecerão de um trecho da ata do Copom, ao manter pela segunda rodada seguida no atual governo as pornográficas taxas de juros.
Lá está escrito:
"No âmbito doméstico, o conjunto de indicadores divulgados desde a última reunião do Copom segue corroborando o cenário de desaceleração do crescimento esperado pelo Comitê. Observa-se moderação nos indicadores coincidentes de atividade e o mercado de crédito também tem apresentado desaceleração na margem. O mercado de trabalho, que surpreendeu positivamente ao longo de 2022, continua mostrando sinais de moderação, com relativa estabilidade na taxa de desemprego, proveniente de recuos na população ocupada e na força de trabalho."
Se você não entendeu, o Banco Central está dizendo que, efetivamente, atua para desacelerar o crescimento, para apertar o crédito e para desaquecer um mercado de trabalho que tem uma taxa de desemprego de quase 9% — 8,6% no trimestre até fevereiro. E se considera bem-sucedido nessa tarefa, tratando a renitente inflação como se fosse de demanda.
À Folha, afirma o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-presidente do Banco Central:
"Lula 3 começa com um ciclo de crescimento da economia lá embaixo. O lado bom é que, daqui para a frente, vai voltar a crescer, principalmente se o Banco Central cortar os juros e o pacote fiscal tiver credibilidade. O Brasil pode voltar a crescer, de 2024 a 2026, em um ritmo acima de 3%. Mas Lula precisa ter paciência".
Todos temos, não é? Quando, no entanto, essa ata a que me refiro acena até com a possibilidade de aumentar a Selic e quando o presidente do BC, Roberto Campos Neto, declara que os juros deveriam estar em 26,5% ao ano se fosse o caso de levar a inflação para a meta, é preciso ter sangue de barata, não apenas ser paciente.
Que o jornalismo econômico não questione que diabo de meta é essa que, para ser alcançada, demandaria juros reais de mais de 20%, convenham, é um sinal de decadência intelectual. Como a dita-cuja é definida por humanos, não cai do céu, parece escandalosamente inegável que está errada.
Aumentou o pessimismo depois da posse, não por causa dela. Quando Lula bota na mira a taxa de juros, o que muitos consideram um erro, está justamente vocalizando um mal-estar sentido por parcela considerável dos brasileiros. Os mais pobres, que majoritariamente apoiam o presidente, podem não conhecer os mecanismos de formação e definição da famigerada, mas são os que mais padecem com a brutalidade.
Se a manchete fosse "Pessimismo com a economia se amplia com atuação de BC", estaríamos diante de um "post hoc, propter hoc". Sem o "ergo". E não haveria erro lógico nenhum.