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Reinaldo Azevedo

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Votação foi adiada, mas a derrota maior é das "big techs". Explico por quê

Colunista do UOL

03/05/2023 05h15

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O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), adiou, sem marcar nova data, a votação do PL das "fake news". O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), relator, pediu formalmente que a proposta fosse retirada da pauta. As "big techs" decidiram tratorar o texto e exibiram, sem dúvida, a sua musculatura. Não só têm um faturamento maior do que o PIB da esmagadora maioria dos países como se comportam como Estados acima do Estado. Em lugar delas, eu tomaria mais cuidado e leria com atenção a decisão tomada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF. Antes que avance, uma observação.

INTIMIDADES
A intimidade entre as empresas e parlamentares de extrema-direita ou opositores do projeto não se dá pelas bordas nem é presumida. É explícita. Ontem, no Twitter, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) escreveu:

"Google:
- incentivou vacinação na pandemia;
- Disseminou informações do TSE nas eleições
Hoje o mesmo Google tem de prestar esclarecimentos ao supremo tribunal federal por ter se manifestado contra o projeto de lei da censura (2630)"

Cheguei a comentar a estupidez em "O É da Coisa", meu programa na BandNews FM e no BandNews TV. Imaginem que absurdo seria haver algum óbice para que qualquer empresa apoiasse dados científicos sobre vacinação ou para incentivar o voto responsável! Mas nem isso, obviamente, lhe daria o direito ao abuso econômico — entre outros — caso discordasse de alguma propositura que está em votação. Mormente quando tais empresas, ainda que privadas, prestassem um serviço de natureza pública.

Eis que leio na Folha que o próprio Google, em resposta ao jornal, empregou os argumentos de Eduardo no Twitter (ou o contrário) para justificar a publicação de um link, na sua página inicial de busca, contra o PL.

Parece que estamos falando de grupos que passaram mesmo a operar juntos. Uma executiva da Meta se referiu à eventual criação de uma agência reguladora, que acabou sendo retirada do texto, como "Ministério da Verdade", expressão, note-se, empregada por toda a extrema-direita nas redes. Mendonça Filho (União-PE), da oposição, fez uma proposta alternativa, em que retira das empresas o "dever do cuidado" — vale dizer: na prática, ficaria tudo como está. Do contrário, diz, as plataformas se poriam num estado de permanente "vigilantismo e até mesmo de censura". "Vigilantismo"? Foi justamente a palavra empregada pela tal funcionária da Meta.

Lembram aquela mentira espalhada por outro extremista de direita, Deltan Dallagnol (Podemos-PR), segundo a qual, se aprovado o PL, poderia até haver censura à Bíblia? Segundo apurou o "Metrópoles", a possibilidade absurda estava num documento distribuído a parlamentares pela Câmara Brasileira da Economia Digital (camara-e.net) — que representa Google, Meta, Twitter e TikTok, entre outros.

Em síntese: as empresas mergulharam de cabeça na luta política. E que se note: não há nada de errado em que busquem defender, com TRANSPARÊNCIA, os seus interesses. A questão está nos métodos. Ademais, quem acha que se mobilizar contra um projeto que impõe regras de transparência à Internet é equivalente a apoiar vacinas e voto responsável está certamente à beira de cometer erros bem mais graves.

DECISÃO DE MORAES
As gigantes da Internet têm bons advogados. Seria conveniente que lessem com atenção a decisão do ministro Alexandre de Moraes, que determina, entre outas providências, que a Polícia Federal, no prazo de cinco dias, "REALIZE OS DEPOIMENTOS DOS PRESIDENTES OU EQUIVALENTES DAS EMPRESAS GOOGLE, META, SPOTIFY e BRASIL PARALELO, para que esclareçam -- entre outras questões que a autoridade policial entender necessárias -- as razões de terem autorizado a utilização dos mecanismos narrados na presente decisão que podem, em tese, constituir abuso de poder econômico, bem como, eventualmente, caracterizar ilícita contribuição com a desinformação praticada pelas milícias digitais nas redes sociais".

Chamo a atenção para o fato de que Moraes começa a construir no texto um entendimento que aponta, como escrevi ontem aqui, para a inevitável responsabilização civil das redes, aprove-se ou não o PL. E a razão é simples: esse é um mandamento constitucional.

Destaco trechos da construção desse entendimento:

1 - OS INQUÉRITOS
"A possível manipulação, por parte das plataformas, para remeter o usuário para textos contra o PL "guardam total conexão com o presente Inq. 4.781 ("fake news"), bem como com o Inq. 4.874 ("milicias digitais")."

2 - RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL, SIM!
"A real, evidente e perigosa INSTRUMENTALIZAÇÃO dos provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada para a mais ampla prática de atividades criminosas nas redes sociais pode configurar responsabilidade civil e administrativas das empresas, além da responsabilidade penal de seus administradores por instigação e participação criminosa nas condutas investigadas nos referidos Inquéritos 4.781 e 4.874"

3 - ELAS SABEM
"Não é crível, portanto e especialmente, após as eleições de 2022 e a tentativa golpista de 8/1/2023, que os provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada não tenham total consciência de sua INTRUMENTALIZAÇÃO por diversas milicias digitais para divulgar, propagar e ampliar inúmeras práticas ilícitas nas redes sociais; inclusive no gravíssimo atentado ao Estado Democrático de Direito e na tentativa de destruição do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Congresso Nacional e Palácio do Planalto."

4: INVESTIGAÇÃO
"Com absoluto respeito à liberdade de expressão, as condutas dos provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada e seus dirigentes precisa ser devidamente investigada, pois são remuneradas por impulsionamentos e monetização, bem como há o direcionamento dos assuntos pelos algoritmos, podendo configurar responsabilidade civil e administrativa das empresas e penal de seus representantes legais."

5: A CONSTITUIÇÃO NÃO PERMITE...
"...inclusive aos provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada - a propagação de discursos e práticas terroristas, nazistas, fascistas, homofóbicos, de violência contra mulher, de crimes contra crianças e adolescentes, ou qualquer outra forma de discurso de ódio e discriminatório; bem como repele, integralmente, a divulgação de ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático de Direito, e as manifestações visando ao rompimento do Estado de Direito, com a extinção das cláusulas pétreas constitucionais - Separação de Poderes (CF, art. 60, §4º), com a consequente instalação do arbítrio;

6: A CONSTITUIÇÃO PERMITE...
"...a AMPLA E POSTERIOR RESPONSABILIZAÇÃO civil, administrativa e penal."

7: NÃO HÁ TERRA DE NINGUÉM
"Os provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada não devem ter nem mais, nem menos responsabilidade do que os demais meios de mídia, comunicação e publicidade, principalmente, quando direcionam ou monetizam os dados, informações e notícias veiculadas em suas plataformas, auferindo receitas; pois AS REDES SOCIAIS NÃO SÃO TERRA SEM LEI! AS REDES SOCIAIS NÃO SÃO TERRA DE NINGUEM"

8: RESPONSABILIDADE CIVIL E ADMINISTRATIVA
"É urgente, razoável e necessária a definição - LEGISLATIVA e/ou JUDICIAL -, dos termos e limites da responsabilidade solidária civil e administrativa das empresas; bem como de eventual responsabilidade penal dos responsáveis por sua administração"

9: "BIG TECHS" PODEM TER OPINIÃO, POR MEIOS LÍCITOS
"Em uma Democracia, é possível que todo grupo social ou econômico que se sinta prejudicado em seus objetivos corporativos passe a procurar mecanismos - LEGAIS E MORALMENTE ACEITÁVEIS - para influenciar diretamente as instituições do Estado, ou indiretamente a opinião pública, para que isso reflita nas decisões governamentais. "

10: INDÍCIOS DE MANIPULAÇÃO
"Tais condutas podem configurar, em tese, não só abuso de poder econômico às vésperas da votação do projeto de lei por tentar impactar de maneira ILEGAL e IMORAL a opinião pública e o voto dos parlamentares, mas também flagrante induzimento e instigação à manutenção de diversas condutas criminosas praticadas pelas milícias digitais investigadas no INQ 4.874, com agravamento dos riscos à segurança do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL e do próprio Estado Democrático de Direito, cuja proteção é a causa da instauração do INQ. 4.781"

ENCERRO
Em síntese:
A: as práticas das empresas são agora investigadas no âmbito dos Inquéritos 4.781 e 4.784;
B: as empresas não estão livres de responsabilização civil e administrativa no caso de cometimento de crimes;
C: os representantes dessas empresas não estão livres da responsabilização penal. Observem que o ministro destaca que são imposições constitucionais;
D: a responsabilidade civil e administrativa das empresas vai se dar pela via congressual ou judicial, mas vai acontecer. O Marco Civil da Internet não se impõe sobre a Carta;
E: ah, sim: todas as empresas podem e devem lutar em favor dos seus interesses. Por meios lícitos.

Escrevi ontem aqui que as empresas faziam mal em escolher o confronto. E que a regulamentação era o melhor caminho porque nada iria livrá-las da responsabilização civil. A razão é simples: é uma imposição constitucional. Ou há algum outro setor da sociedade que goze de tal inimputabilidade?

Na aparência, foi dia de uma vitória retumbante. De verdade, os potentados perderam. E o futuro vai deixar isso claro.