Reinaldo Azevedo

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Opinião

Fitch, Bolsa e dólar no Brasil de Lula; o "Bolsonaro" comunista e o asno

Vou falar aqui da agência de classificação de risco Fitch, da Bolsa, do dólar... E também de vermes, asnos e homens. E de uma música de Jacques Prévert. Vambora. Na terça, Jair Bolsonaro, aquele que incrivelmente foi presidente da República, esteve na Câmara de Vereadores de São Paulo para uma cerimônia de filiações ao PL. Atacou o presidente Lula nos seguintes termos:
"A quem interessa? Leva-se (sic) em conta os países europeus, os países do Norte... Interessa eu ou um entreguista na Presidência da República? Um analfabeto, um jumento, por que não dizer assim?"

Aqueles que estavam lá para prestigiá-lo aplaudiram com entusiasmo essa leitura muito fina e requintada de economia política. Um gênio mesmo!

BOLSONARO, O COMUNISTA
Vejam vocês! Bolsonaro recorre a um vocabulário de setores da esquerda das décadas de 50 e 60 para atacar Lula. "Entreguista" era um dos adjetivos mais frequentes a que recorriam os esquerdistas para desqualificar "políticos burgueses", que só atenderiam às determinações dos países ricos, sobretudo dos Estados Unidos. Um dos principais alvos era Roberto Campos, avô do atual presidente do Banco Central, que não leva o "Neto" no sobrenome por acaso. Ganhou um apelido em inglês: "Bobby Fields"

Não é fabuloso? Em 2023, o líder da extrema-direita brasileira classifica o atual presidente, tratado por ele até outro dia como esquerdista perigoso, de "entreguista"; de pessoa subordinada aos interesses dos países capitalistas da Europa e do Norte. Do Norte? Certamente se referia aos EUA — não seria ao Canadá, né?

Mas esperem: não eram ele e seus bate-paus a dizer, durante a campanha eleitoral, que Lula levaria o Brasil à "argentinização" em seis meses e à "venezuelização" em três anos, como anteviu Paulo Guedes num podcast? "Entreguista"??? Isso é vocabulário de "comunista", como diria a escória em tom acusatório.

O "Dá-Um-Couro-No-Filho-Gayzinho" não parou por aí. Falou sobre a inelegibilidade e a disposição de se candidatar de novo à Presidência:
"Triste um país que pune um político não pelos seus defeitos ou erros, mas por suas virtudes. Eu fui punido no TSE por virtude. Vontade de ser presidente novamente, não é verdade? Eu queria ir para a praia, mas entendo que é uma missão"...

Punido "por virtude"? Sinal de que Bolsonaro mantém as acusações infundadas que fez ao processo eleitoral, não é? E de que lidera outros que acreditam em suas mentiras. Ele deu o gancho, e os fiéis reagiram conforme ele queria: "Eu não esperava perder as eleições..." PAUSA. E os seus gritaram: "Não perdeu, não perdeu..." Eis aí um recorte da direita brasileira. Lula respondeu a essa história de "jumento". Ainda chego ao ponto. Sigamos.

FITCH ELEVA NOTA DO BRASIL
Na terça, o "líder da oposição" expôs a sua plataforma: ofender o presidente da República. Na quarta, a agência de classificação de risco Fitch elevou a nota do Brasil de "BB-" para "BB". O país está a duas "promoções" de receber o selo de "grau de investimento" -- o mesmo se dá na Moody's. Em junho, a Standard & Poor's pôs o Brasil na perspectiva positiva, o que surpreendeu os analisas brasucas... Surpresa outra vez? Acho que a bola de cristal dos nativos não anda lá essas coisas.

A Fitch mudou a nota porque avaliou que as reformas estão avançando, sem perspectiva de recuo, e porque o presidente Lula se mostra um pragmático. A Bolsa subiu 0,45%, a 122.560,38 pontos. O dólar atingiu a mais baixa cotação em 15 meses, a R$ 4,72. Daqui a pouco, Paulo Guedes acorda de seu sonho genial — quando dorme, tem uma inteligência muito acima da média — e reclama que há o risco de as empregadas domésticas voltarem a visitar a Disney...

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O Brasil governado por aquele que Bolsonaro disse ser um "jumento" está mostrando ao mundo que fazer reformas é possível sem punir os pobres com "remédios amargos", para ficar na metáfora predileta de liberalóides de meia-tigela. Noto que a Fitch rebaixou o Brasil em 2018. Depois de quatro anos sob o comando da dupla Guedes-Bolsonaro, ficou no mesmo lugar. Ocorre que o então ministro da Economia tomava decisões quando estava acordado. Sua genialidade, insista-se, existia no sonho.

Com menos de sete meses de governo Lula, vem a decisão da Fitch, que pegou os analistas nativos um tantinho desprevenidos. Não os de fora, que viram o governo aprovar no primeiro semestre o arcabouço fiscal (a Câmara deve recuperar o seu texto). Também reforma tributária avança. A dívida não vai sair do controle, e a economia vai crescer além do esperado, apesar do Banco Central.

BOLA DE CRISTAL EMBAÇADA
Todos os prognósticos catastrofistas que se fizeram estão se revelando errados. Os que falharam miseravelmente ao interpretar os sinais da bola de cristal não explicaram até agora a natureza do seu erro. Na maioria das vezes, infelizmente, a raiz está na ideologia.

Li um texto patético de um sujeito não menos. Forçado pelos fatos a comentar a "inesperada" elevação da nota, resolveu alvejar o PT, afirmando que Lula enfrenta pressões do atraso etc... Até parece que, numa democracia, pressão de um partido é algo impróprio. O que importa são as escolhas do governo, não? Babar rancor já virou uma tara dessa gente.

Para a tristeza e melancolia de alguns, há acertos fundamentais e poucos erros não mais do que laterais. Bolsonaro, como líder de oposição, expõe sua plataforma: chamar Lula de "jumento". A propósito, o presidente escreveu o seguinte nas redes:

"Ontem [terça], a imprensa me pediu para responder uma pessoa que tentou me atacar chamando de 'jumento'. Um animal simpático e mais esperto que alguns. O que seria ofensivo seria comparar um jumento a ele, isso sim. Ofensivo aos jumentinhos que não fazem mal a ninguém."

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Um amigo cuja inteligência respeito reprovou o petista, afirmando que não tinha de entrar na pilha do outro, que tem de falar sozinho. Entendo a avaliação, mas acho que cabe, sim, a resposta — até porque bem-humorada. Afinal, convenham, é Bolsonaro o "líder" da oposição...

A metáfora escolhida pelo Biltre me fez lembrar de uma música do francês Jacques Prévert: "Chanson du Mois de Mai - L'âne, le roi et moi" (Canção do Mês de Maio - O Asno, o Rei e Eu)

Uma das estrofes é assim:
O asno o rei e eu
Estaremos mortos amanhã
O asno de fome
O rei de tédio
E eu de amor.

No que concerne à política, Bolsonaro, à diferença do asno, não morrerá de fome. Também não será de tédio, porque só experimentam essa sensação as almas mais complexas — o que evidentemente não é o caso dele. E duvido que seja de amor.

Politicamente, vai morrer de irrelevância. Não sem antes passar alguns anos na cadeia.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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