Reinaldo Azevedo

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Opinião

Defensor de Cid apela ao 'Método Chacrinha' da área penal. Juiz é chacrete?

José Abelardo Barbosa de Medeiros, o Chacrinha, um dos maiores comunicadores da história da televisão — imagino o sucesso que não faria em tempos de redes sociais — é autor de uma frase que, volta e meia, é lembrada, muito especialmente quando alguém dá uma explicação pouco plausível sobre uma ocorrência insólita ou se deixa enredar pela própria retórica ao tentar justificar o injustificável, diga respeito a si mesmo ou a terceiros: "Eu vim para confundir e não para explicar". Chacrinha era um gênio. Esses outros, bem...

Sempre respeitando o direito que tem um defensor de recorrer a métodos que estão no escopo da lei na representação do seu cliente, noto que Cézar Bitencourt — advogado de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro — parece ter mesmo adotado o "Método Chacrinha". Também não se deve ignorar a quantidade de vezes em que este recorre à primeira pessoa, nos casos reto e oblíquo ("eu" e "me"), conjugando o verbo em pronome correspondente, num exercício inequívoco de vaidade somado a um misto de ironia e autoadmiração. E visível que tem apreço pelas próprias diatribes verbais. Não sei se a defesa será boa, mas se pode garantir que o advogado já é um sucesso. Um amigo publicitário chama a atenção para certas campanhas que, segundo diz, fazem um barulho danado, mas não ajudam a vender o produto; em alguns casos, e ele os tem elencados, acontece precisamente o contrário.

Por que afirmo isso? Da entrevista concedida à "Veja", em que anunciou que Cid confessaria ter agido sob mando de Bolsonaro — como se alguém pudesse supor que o ordenança resolvesse vender relógios e joias por iniciativa própria —, à entrevista concedida a Tácio Lorran, no Estadão, o causídico, vê-se, tem vocação para ser notícia. Não consigo alcançar como aquele que é objeto de seus desvelos profissionais possa ter ficado em situação mais confortável. Ao contrário: o ministro Alexandre de Moraes proibiu o general Mauro Lourena Cid de visitar o filho na cadeia. Nem poderia ser diferente, não é? Trata-se de preservar a instrução criminal. Lourena Cid também é investigado. E o próprio Bitencourt fornece elementos novos que justificam a decisão, ainda que sua intenção tenha sido outra, suponho.

QUANTAS VEZES?
Começo pela entrevista mais recente. O jornalista do Estadão indaga se ele mudou a linha de defesa. E ouviu o seguinte:

"Eu vou dar 20 ou 30 versões, posso dizer o que quiser. A versão da defesa, efetivamente, vai vir nos autos. Não é questão de mudar. Imagine se eu tivesse que ficar preso com uma informação que eu dei? A defesa técnica eu faço no processo. Eu falo sobre fatos para jornalistas, não vou falar sobre defesa técnica."

Claramente o doutor avalia que pode dizer à imprensa o que lhe dá na telha porque, afinal, vale o que está nos autos. Com efeito, não é proibido tentar enganar os jornalistas -- ele parece ignorar que Cid é investigado por crimes que têm uma óbvia dimensão pública --, e é fato que vale o que está na defesa técnica. Pode fazer, como diz, o que quiser. Mas indago: em proveito de quem? E prossegue:
"Teve uma pequena mudança de redação. Teve, sim. A defesa eu não mudei porque eu não fiz a defesa ainda, isso eu vou fazer nos autos. Eu tô dando informações. Não é aquilo que a gente fala para a imprensa que a gente coloca no processo."

Parece que Bitencourt entende que a imprensa é só um espaço para testar algumas teses e verificar a reação da opinião pública. Será que, até agora, contribuiu propriamente com seu cliente? Segundo seus próprios termos, vale o que vai colocar nos autos — logo, a Justiça não deve se ater ao que ele diz por aí. Mas, então, ele o faz exatamente por quê? Com qual propósito?

DISSE O QUÊ?
À "Veja", na quarta, em entrevista gravada e publicada na quinta, Bitencourt afirmou o seguinte:
"Por exemplo, ele [Mauro Cid] não nega os fatos. O Cid não nega os fatos. Ele assume que foi pegar as joias. 'Resolve isso lá.' Ele foi resolver. 'Vende a joia.' Ele vende a joia. E o Alexandre de Moraes está muito duro, está extremamente duro. Eu vou estar com o Alexandre na segunda-feira -- aliás, talvez não segunda porque ele pode não estar aqui. Mas vou conversar com ele sobre o caso."

A revista indaga:
"Quando o senhor fala 'resolve isso', 'vende as joias', é ordem do Bolsonaro?

E ele responde:
"É".

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Embora não se tenha dito rigorosamente nada que a PF já não soubesse, a confirmação gerou tensão porque fez supor um Mauro Cid se voltando contra o ex-chefe. Na sexta, na GloboNews, entrevistado por Andréia Sadi e Natuza Neri, o advogado mudou um tanto a história:
"Não tem nada a ver com joias. Mauro não trabalhou com essa hipótese, não foi isso que se comentou. Eu tenho apenas o relógio. É essa a situação. Estamos trabalhando com a hipótese de uma joia. Eu também considero que o Rolex de ouro é uma joia".

É claro que você acaba de pensar o que também penso: isso nem sequer faz sentido...

MAIS COMPLICAÇÕES
Ocorre que as "20, 30 versões" podem fazer o feitiço voltar-se contra o feiticeiro -- sem conseguir enfeitiçar a opinião pública. E Mauro Cid ainda acaba no caldeirão, junto com Bolsonaro. Na entrevista à GloboNews, Bitencourt se atrapalhou bastante. Indagado por Andréia se havia recebido algum advogado de Bolsonaro naquela semana que terminava, afirmou:

"Veja bem. Eu não conheço os advogados de Bolsonaro. Não sei quem são, aí de Brasília. Não sei quem são. Ouvi falar. Mas eu conversei ontem com um advogado aí de São Paulo, que é amigo de um advogado professor, meu amigo, e me disse: 'Ó, fulano de tal é meu aluno de mestrado, aluno de doutorado, leciona aqui na minha universidade também. Fulano de tal'. Esse cara me deu o nome. É isso aí... Então esse advogado parece que é o advogado que vai entrar na causa ou vai defender o Bolsonaro. Eu não tinha essa informação."
ANDRÉIA: "Ele procurou um advogado que é amigo do senhor... Eu não entendi, doutor, desculpe! Não entendi de verdade".
BITENCOURT: "Um advogado de São Paulo, que, segundo disse, é advogado de Bolsonaro, é amigo de um advogado meu amigo, é um professor doutor da universidade. Aí ele me disse: 'Olha, fulano de tal é um bom advogado, é meu amigo, foi mestre e doutor, foi meu orientando e é professor também na mesma universidade, e ele tá indo pra aí e vai conversar contigo'. E eu disse: 'Tudo bem!'"

ANDRÉIA: "Mas o advogado de Bolsonaro é o doutor Paulo Bueno"...
BITENCOURT: "É de uma faculdade de São Paulo. Não lembrou o nome dele."
NATUZA: "Mas ele queria o quê com o senhor?"
BITENCOURT: "Eu Não sei. Provavelmente vai querer falar alguma coisa sobre a causa, não sei. Não falou. Ao telefone, né?"
Andréia: "Mas o advogado do ex-presidente pedir para um amigo procurar o senhor é normal?"
BITENCOURT: "Não, veja o seguinte: eu não disse que procurou. O meu amigo me ligou e falou que esse cidadão era amigo dele, foi aluno, foi mestre, fez doutorado com ele e lecionavam na mesma faculdade. Só isso".
NATUZA: Então o que o senhor está dizendo é que o advogado de Bolsonaro tem interesse em conversar com o senhor, é isso?"
BITENCOURT: "Esse advogado ficou de me fazer uma visita. Eu não tinha a certeza de quem era. Porque eu sempre imaginei que os advogados, os defensores do presidente, eram advogados aí de Brasília."
ANDRÉIA: "Doutor, o senhor encontrou com o doutor Paulo Bueno, desde que assumiu a defesa de Mauro Cid?

BITENCOURT: "Não conheço, não encontrei... Não encontrei com ninguém na verdade, né? Eu passei um dia da tarde aí [em Brasília] e viajei à noite.
ANDRÉIA: "O senhor não conhece doutor Paulo Bueno, advogado de Bolsonaro, então?"
BITENCOURT: "Não conheço. Nunca vi"
ANDRÉIA: "O senhor está dizendo que nunca viu".

AÍ AS COISAS FICARAM MAIS ENROLADAS...
Atenção para um detalhe importante: advogados de investigados B e C podem conversar entre si. Não há nada de errado nisso. Se, no entanto, um estranho entra no circuito, procura o defensor de C para falar em nome dos interesses de B, especialmente quando aquele C já anunciou que seu cliente vai confessar ter agido sob as ordens de B, aí as coisas se complicam, ainda mais se esse B exercia uma relação de mando sobre C...

Considerando que, comprovadamente, um crime foi cometido e que existem indícios de que B também é um autor e que C é o elo mais fraco da relação, a Justiça pode considerar que está caracterizada uma das situações previstas no Artigo 312 do Código de Processo Penal para a decretação da prisão preventiva: interferência na instrução criminal.

Ocorre que, na sequência, num espetacular cavalo de pau — e se dando conta de que essa história de 20, 30 versões pode dar um sururu dos diabos, só lhe restava arrumar mais uma: sim, havia conversado com o advogado de Bolsonaro... Ufa! Desaparecia a razão para decretar a prisão preventiva do ex-presidente. Sabem como é... Defensor com defensor pode!

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Bitencourt ainda negou que tenha sofrido alguma ameaça: "Qual é o problema? Não tenho censura, não. Não tem problema nenhum. Não preciso esconder e nem revelar".

Paulo Cunha Bueno também deve ter sentido cheiro de carne queimada e afirmou que tinha sido ele, sim, a falar com o advogado de Mauro Cid. Mas aí eles não se entenderam sobre a data da conversa. Para Bitencourt, aconteceu na madrugada de sexta. Para Cunha Bueno, foi às 18h de quinta. O advogado de Bolsonaro disse ainda que ligou apenas para oferecer ao colega acesso aos autos. Mais adiante, volto ao ponto.

EM SUMA
Então ficamos assim:
1 - na quarta (Veja publicou na quinta), Bitencourt disse que Mauro Cid vendeu os presentes a mando de Bolsonaro, entregou-lhe o dinheiro e estava pronto a contar a verdade;
2 - na sexta, em entrevista à GloboNews, afirmou que a revista havia distorcido o conteúdo da entrevista e que se referia só ao Rolex;
3 - "Veja" publica a gravação da entrevista e, claro!, fora fiel às palavras do doutor;
4 - Bitencourt diz a Andréia Sadi e Natuza Neri que nem sabia quem era o advogado de Bolsonaro e que este lhe fora recomendado por um amigo;
5 - percebendo que estava oferecendo nitroglicerina contra Bolsonaro -- e, de certo modo, contra Cid --, muda a versão em seguida e afirma que falara, sim, com o advogado de Bolsonaro (ainda sem lembrar o nome);
6 - horas depois, na mesma emissora, Cunha Bueno diz que fora ele a telefonar;
7 - para Bitencourt, a conversa ocorrera na madrugada de sexta; para o defensor de Bolsonaro, às 18h de quinta.

Também na entrevista ao Estadão, Bitencourt falou sobre a conversa com o advogado de Bolsonaro. Leiam o trecho:
O senhor chegou a conversar com o dr Paulo Bueno, advogado do Bolsonaro?

Conversamos. Ele me telefonou, nos cumprimentamos. Não tem problema.

Qual foi o teor da conversa com ele?
Papo furado. A gente se trata bem. O advogado não é inimigo da parte contrária. Nós não assumimos a posição de parte, nós somos advogados da parte. Um jornalista não vai ficar inimigo de outro jornalista.

Os senhores chegaram a falar do processo?
Não, não falamos. Talvez eu nem conheça o processo ainda, está chegando. Ele faz o trabalho dele e eu faço o meu.

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Ele chegou a te oferecer acesso aos autos?
Não, os autos são públicos.

Então o senhor já tem acesso?
Eu tenho acesso.

Na GloboNews o dr. Paulo Bueno disse que lhe ofereceu acesso aos autos
Gentileza, falando assim, mas eu tenho acesso. Troca de gentileza.

E quando foi essa ligação?
Não sei, acho que foi ontem à noite. Que dia é hoje? Hoje é sábado, nem me lembro mais. Acho que foi ontem.

Mas foi só uma ligação, correto?
Só uma ligação.

Notaram? Pareceu uma terceira versão para a hora da ligação: nem quinta à noite ou sexta de manhã, mas sexta à noite. Ocorre que ele já havia admitido a conversa, depois de negá-la, na entrevista concedida à GloboNews de sexta à tarde. E também desmentiu Cunha Bueno sobre o acesso aos autos...

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PARA ARREMATE
O repórter do Estadão pergunta:
"Em relação ao pai, o Mauro Cid está demonstrando uma preocupação, correto?"


E Bitencourt responde:
"É, mas o pai que está preocupado com o filho. Conversei com o pai também. Eles confiam no meu trabalho."

Bem, como o general também é investigado, nota-se que Alexandre de Moraes tomou a decisão correta ao proibir as visitas. É o advogado de seu filho a demonstrar o acerto técnico da medida.

Doutor Bitencourt precisa saber: quem tem "20, 30 versões" não tem nenhuma. O "Método Chacrinha" era um fenômeno da televisão e da comunicação. Acho que não funciona no direito penal. A menos que os juízes decidam ser as chacretes, dançando conforme a música. Mas acho que não vai acontecer.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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