Direita doida faz de Lula-PT único eixo racional de poder, goste-se ou não
A direita e a extrema-direita evidenciam a cada dia que nada têm a oferecer ao Brasil a não ser a conversa enjoada de que a privatização salvará a lavoura... Opa! É metáfora-clichê. Em matéria de lavoura propriamente, o Estado é muito bem-vindo, não é, bravos? Bem-vindo, entenda-se, no financiamento público, com juros especiais, não nas (falsas) querelas sobre direito de propriedade. Eis aí um setor bem, vamos dizer assim, social-democrata... Ainda que muitos valentes depois coloquem a foto do "Capitão" debaixo do travesseiro e sonhem que estão fazendo tiro ao alvo na cara de Lênin, que já morreu.
COMISSÕES DE INQUÉRITO
Quando se instalaram a CPMI do golpe e a CPI do MST na Câmara, artigos às pencas foram escritos antecipando grandes sortilégios para o governo. Como a base ainda estava em construção, o bolsonarismo bateu bumbo, junto com certo colunismo torto, na certeza de que encostariam Lula contra a parede. Mas por que o fariam, santo Deus? Era só uma soma de reacionarismos, galvanizada pelo "Coiso", amargando ainda a dor da derrota, tentando fazer, via comissões, o que não haviam conseguido no 8 de janeiro.
O governo tentou, sim, impedir a investigação no Congresso dos atos golpistas, e a resistência inicial fazia sentido. Havia, e há, tanta coisa pela frente que a crispação ideológica era do interesse de quem nada tinha a fazer, exceto o berreiro de sempre. De resto, a investigação estava em curso, e o foro era o STF. Não adiantou. Como, no dia seguinte ao ataque, a canalha começou a construir a "narrativa" de que infiltrados de esquerda teriam promovido a baderna e de que ela seria do interesse de Lula — coisa que os lunáticos nunca conseguiram explicar —, a correta resistência do Planalto foi tomada como evidência de que havia algo a esconder. A ordem partiu de Bolsonaro numa reunião do PL: "A CPMI é prioridade".
Pois bem. Chegou-se ao fim dos trabalhos. O relatório da senadora Eliziane Gama (PSD-MA) foi aprovado por 20 votos a 11. O texto pede que o ex-presidente e mais 60 pessoas sejam responsabilizados por uma penca de crimes — no caso do Lírico de Michelle, por tentativa de abolição do Estado de direito e tentativa de golpe de Estado, entre outros.
A CPI do MST, com uma maioria de bolsonaristas, nem conseguiu votar o relatório final. O andamento dos trabalhos evidenciou que os valentes nem sequer tinham o que investigar. As ações do movimento que os delirantes da comissão consideravam crimes deveriam, se crimes fossem, ser investigadas pela Polícia, não numa Comissão Parlamentar de Inquérito. Seu momento mais notável foi a convocação de João Pedro Stedile, que compareceu sem habeas corpus preventivo e sem evocar, em nenhum momento, o direito ao silêncio.
Ao contrário. Falou. E muito. E evidenciou que seus antediluvianos inquisidores mal conseguiam lidar com o conceito de estatística. Com bom humor, tom professoral e boa dose de paciência, contestou a baboseira obscurantista. O país teve a oportunidade de saber que o MST é um grande produtor de alimentos. Veio o dilúvio no Rio Grande do Sul, e lá foram os sem-terra distribuir quase 40 mil refeições. O ruralismo que sonha com tiro ao alvo e os intrépidos da comissão, liderados pelo deputado Ricardo Salles (PL-SP), não apareceram por lá. O governador Eduardo Leite (PSDB) fez a coisa certa. Foi a uma das cozinhas e agradeceu a iniciativa. Que coisa, né? Se os sem-terra distribuíram 40 mil refeições, quantas poderiam ter distribuído os com-terra? Alguns com muita terra?
TURBULÊNCIAS
Sim, sim, há as pautas barulhentas pela frente: drogas, aborto, marco temporal... Não será fácil entender o cipoal que vem pela frente. Os interesses disso a que chamamos "Centrão" se cruzam com os de bancadas temáticas e setoriais, ora se potencializando mutuamente, ora se excluindo, num momento particularmente notável da República, com um Congresso que nunca teve tanto poder sem o dever correspondente. Lula terá de ser muito habilidoso. Olhem o conjunto da obra nesses dez meses. Acho que ele tem sido, dentro do possível.
"Dentro do possível" quer dizer rigorosamente isso. O impossível é só com Deus — e olhem que ainda resta o Paradoxo da Onipotência, a tal história se o Altíssimo poderia criar uma pedra que não pudesse mover. Santo Tomás de Aquino deu uma resposta genial: o Senhor é onipotente para as causas possíveis. Quando não se é "Ele", fica tudo mais difícil... Querem ver?
Até outro dia, muitos seriam capazes de jurar que Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, era, assim, uma espécie de "conservador garantista", e que Arthur Lira (PP-AL), que comanda a Câmara, poderia gerar alguma instabilidade em razão do gosto com que exerce o poder que tem e, ainda mais, o que conquista.
Segundo os radares de hoje, entre os dois, é o deputado quem está com os meridianos da institucionalidade mais ajustados. O senador resolveu pescar nas águas turvas da direita e decidiu que lhe cabe a missão de pôr freios no Supremo, dando suporte a pautas que acenam com um choque entre os Poderes sob o pretexto de garantir as prerrogativas de cada um. Resolveu brincar com fogo.
ORIENTE MÉDIO
Vejam, a título de ilustração trágica, o comportamento de Lula e da nossa diplomacia nos desastres de Israel e Gaza. O PT escreva o que quiser em suas resoluções -- e acho que errou feio na mais recente, já me manifestei a respeito. O presidente fez a coisa certa ao classificar de "terrorista", logo nas primeiras horas, o ataque do Hamas. A resolução proposta pelo Brasil no Conselho de Segurança da ONU, absurdamente vetada pelos EUA, é impecável. A operação de resgate dos brasileiros é a mais bem-sucedida e rápida do mundo.
Também nesse caso se pode indagar: qual a "contribuição" da direita e da extrema-direita ao debate? Repondo: produzir "fake news" e atribuir à política externa um suposto viés em favor do Hamas, o que é falso. Não têm nada a dizer além do proselitismo estridente, dedicando-se, mais uma vez, à necropolítica. Os civis mortos de Israel, de fato, não despertam nem sua piedade nem sua indignação; apenas excitam o seu proselitismo. E os de Gaza? Bem, aí é como se não existissem, o que prova que não é a morte de inocentes o que os mobiliza. Ah, sim: esses patriotas querem Mauro Vieira falando na Câmara. Não consta que para aplaudi-lo de pé.
ENCERRO
A verdade pode ser a muitos melancólica, mas o fato é que Lula e a parte do PT que pensa e pondera formam hoje o único eixo de poder viável e racional, ainda que não gostem dele. Em não gostando, note-se, que se tente construir um outro, segundo as balizas da Constituição. As pautas estridentes que mobilizam os reaças acenam, invariavelmente, para a barbárie. Dispenso-me de elencá-las aqui. "Ah, então os esquerdistas nunca falam bobagem?" Falam, sim! Ocorre que eu me ocupo das escolhas que se traduzem em política pública.
"Ah, então, a oposição não vai voltar na próxima eleição?" Assim que eu ganhar uma bola de cristal, vejo a coisa lá e revelo aqui. Eu não sei. Se acontecer, eu pergunto: com que roupa, com quais valores, com quais propostas?
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