Brasil contra o terror; o erro do embaixador de Israel e a 'Lista de Gaza'
Este texto vai apontar um erro elementar cometido pelo embaixador de Israel no Brasil, Daniel Zohar Zonshine, e contestar uma afirmação que ele fez sobre quem define a lista de estrangeiros a deixar a Faixa de Gaza. Vamos lá.
O ERRO
No dia em que vem a público a informação de que a Polícia Federal, em colaboração com o Mossad, desfechou uma operação para desarticular um grupo que planejaria atentados no país contra alvos israelenses e contra a comunidade judaica, o representante de Tel-Aviv foi à Câmara dos Deputados para uma reunião com parlamentares de oposição, sob a liderança do ex-presidente Jair Bolsonaro, que parlamentar não é. Mostro por que se trata de um erro primário e de um ato hostil. Quase ao mesmo tempo, o perfil oficial do "Primeiro-Ministro de Israel" anunciava no Twitter:
"Os serviços de segurança brasileiros, juntamente com o Mossad e seus parceiros na comunidade de segurança de Israel, ao lado de outras agências de segurança internacionais, frustraram um ataque terrorista no Brasil, planejado pela organização terrorista Hezbollah, dirigida e financiada pelo Irã."
E ainda:
"Tratava-se de uma rede extensa, que operava em outros países. O Mossad agradece aos serviços de segurança brasileiros pela prisão de uma célula terrorista que era operada pelo Hezbollah para realizar um ataque a alvos israelenses e judaicos no Brasil."
Para registro: duas pessoas foram presas, e se expediram 11 mandados de busca e apreensão. O objetivo declarado da operação é "interromper atos preparatórios de terrorismo e obter provas de possível recrutamento de brasileiros para a prática de atos extremistas no país". Os alvos teriam ligação com o Hezbollah e fizeram viagens recentes a Beirute, capital do Líbano.
A Interpol foi acionada para o cumprimento da ordem de prisão contra dois outros homens que estão naquele país. Também eles se vinculariam à trama. Ambos têm dupla nacionalidade. A PF recebeu dados de Inteligência de outros países, numa colaboração regular, feita sob a égide do Estado. Notas à margem: o que não se permite é a sem-vergonhice que se viu na Lava-Jato: a colaboração clandestina, ao arrepio de qualquer controle. Sigamos.
Zonshine, portanto, dispõe de uma evidência, endossada por seu chefe, de que a gestão Lula atua para combater o terrorismo. A propósito: a lei que ampara a ação e que rende a imputação de tal crime é a 13.260, sancionada em 2016 pela então presidente, Dilma Rousseff.
O TUÍTE DE BOLSONARO
Nesta mesma quarta, num tuíte destrambelhado, em que defendeu que seus aliados votassem contra a reforma tributária, Bolsonaro fez o elenco das razões por que a PEC deveria ser rejeitada, a saber:
"O PT está ao lado da liberação das drogas, do aborto, do novo Marco Temporal, do fim da propriedade privada, da censura, não considera o Hamas terrorista..."
Que o embaixador mantenha boas relações com lideranças da oposição, bem, nada há nisso de errado. Que se reúna, no entanto, numa das Casas do Parlamento com um prosélito desqualificado, que absurdamente acusa o atual governo de simpatia pelo Hamas, aí me parece mesmo uma provocação inaceitável porque contrária às evidências.
Entendo que queira granjear apoios. Mas pode contar com outros prosélitos para tanto. Representa um Estado. E suas relações preferenciais devem se estabelecer nesse nível. Havendo algum desacordo ou contradita, que sejam vazados segundo os rituais diplomáticos, e ele tem clareza de que estou aqui a dizer apenas o óbvio e ululante. Quando aceita um convite como o desta quarta, admite de bom grado que as dissensões políticas local, que nada têm a ver com seu país de origem, interfiram no seu mister. O que deveria fazer Brasília a título de reciprocidade? Dar início a conversações com adversários de Netanyahu? Provocação tola? Tolos não chegam a seu posto.
É claro que me obrigo a lembrar, neste ponto, que foi Bolsonaro a receber a deputada Beatrix von Storch, do partido "Alternativa para a Alemanha", já investigado por suspeita de simpatia com o neonazismo. É neta do mais longevo ministro de Hitler. Foi um secretário de seu parceiro de reunião, Roberto Alvim, a mimetizar uma cena protagonizada por Goebbels, repetindo até expressões do facinoroso em um vídeo. Grupos que se identificam com o neonazismo, que crescem assustadoramente no Brasil e mundo afora, não têm, obviamente, simpatia pelas esquerdas...
OS "REFÉNS"
Os 34 brasileiros que não conseguem deixar Faixa de Gaza são verdadeiros prisioneiros. Lá não estão por vontade. Um avião os aguarda no Egito há três semanas. Protestei com veemência contra as dificuldades, que atribuí a Israel, para libertá-los e os classifiquei de "reféns diplomáticos". Não podem sair e correm risco de vida. Ponto.
Zonshine veio ontem a público com uma contestação. Afirmou:
"O Estado de Israel não possui interesse algum de atrasar a saída dos brasileiros e de estrangeiros de qualquer outra nacionalidade. A cota para sair da Faixa de Gaza é determinada pelo Egito. De acordo com ela, algumas centenas de estrangeiros recebem permissão para sair a cada dia. O Hamas está fazendo uso cínico da população civil estrangeira. No meio de guerra, impediu estrangeiros de sair no domingo, na segunda e na quarta desta semana. O Estado de Israel está empregando esforços para evacuar todos os estrangeiros, de 20 países diferentes e para aumentar a cota, de forma a compensar atraso causado pelo Hamas. O Estado de Israel está fazendo tudo o que está a seu alcance para articular a saída dos brasileiros de forma segura e o mais rápido possível".
Ele sabe que é, sim, seu governo a definir quem sai e quem fica, dentro do que chama "cota determinada pelo Egito". E isso nossa diplomacia não ignora. Egípcios — e americanos! — atuam apenas na averiguação adicional para evitar que eventuais militantes do Hamas se imiscuam no grupo.
Aliás, a fala é eloquente: ou bem não tem nada com isso ou bem pode atuar para "aumentar a cota", como diz. Toda vida importa. Ocorre que não há centenas ou milhares dos nossos por lá. Há pouco mais de três dezenas, com as fichas mais do que escrutinadas. Ademais, Lula foi o primeiro governante a se organizar para trazer de volta os nacionais ou com direito de entrar no país.
E A NOTA?
Há meros cinco dias, a Embaixada de Israel emitiu uma nota. E nela nada diz sobre o Egito definir quem fica e quem sai. Limita-se a atribuir as dificuldades ao Hamas, sem que fique claro por que as ditas-cujas não afetam os de outras nacionalidades. Lembro tal texto, do dia 4:
"Em atenção aos posicionamentos sobre os alegados atrasos na liberação de cidadãos brasileiros na Faixa de Gaza a partir dos ataques desumanos ocorridos a partir do dia 7 de Outubro, informamos:
O Hamas é uma organização terrorista que sequestra, massacra, estupra e tortura centenas de pessoas de muitas nacionalidades. Essa organização assassina provou repetidamente que seus relatórios não são confiáveis.
O Hamas está atrasando a saída de estrangeiros da Faixa de Gaza e os utiliza de maneira desumana para se apresentarem como vítimas."
O Estado de Israel está fazendo absolutamente tudo que pode e que está ao seu alcance para que todos os estrangeiros deixem a Faixa de Gaza o mais rapidamente possível.
Qualquer outra afirmação está errada e é fruto de 'fake news' ou desinformação sobre essa complexa e desumana situação criada exclusivamente pelo Hamas.
Convenham: já sabíamos tudo o que ali se disse sobre o Hamas. Só não ficou claro por que os 34 brasileiros continuam em área sujeita a bombardeios.
ENCERRO
Prefiro, de todo modo, me ater à parte final da sua fala. Ele promete que vai atuar para aumentar a cota de libertados. Tomara que isso inclua os nossos compatriotas. Adicionalmente, recomendo-lhe que evite se misturar a porfias que dizem respeito à política interna. Até porque, como se percebe, quando se trata de combater o terrorismo, o Brasil faz o que deve. Como reconheceu Netanyahu, seu chefe.
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Quero receberPS: Havia a perspectiva de que se chegasse nesta quinta a um acordo com quem manda para a liberação dos 34. Ocorre que, nesta quarta, o Egito voltou a fechar a fronteira alegando que militantes do Hamas resolveram usar ambulâncias para entrar no país. Isso nada tem a ver com a autoria da "Lista de Gaza".
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