Caso Luciane: reaças miram o bom Dino de olho no STF. O erro pede correção
"Oh, a extrema-direita está chocada com o fato de que a mulher de um narcotraficante esteve em gabinetes de Brasília!" É mesmo? Que conversa mole! Como se verá, a canalha tem seus próprios bandidos de estimação nas milícias, e o 8 de janeiro evidenciou que os "patriotas" não têm nenhum problema em cometer múltiplos crimes. Estão exultantes, isto sim, poque consideram que o episódio tornou inviável a indicação do correto Flávio Dino, ministro da Justiça, para o STF. Ainda volto ao ponto.
O CASO
É claro que Dino nada tem a ver com o crime organizado. Ele o combate. E o mesmo se diga de Silvio Almeida, dos Direitos Humanos. Ocorre que os respectivos segundos escalões das duas Pastas receberam Luciane Barbosa Farias, casada com Clemilson dos Santos Farias, o Tio Patinhas, chefão do Comando Vermelho no Amazonas. Ela chegou a servidores graduados como representante da ONG Associação Instituto Liberdade do Amazonas, com a intermediação da ex-deputada estadual Janira Rocha, que se meteu no passado em uma "rachadinha", digamos, "de esquerda".
Janira acabou concluindo o mandato (janeiro de 2011 a janeiro de 2015), já afastada do PSOL. Hoje atua como advogada, e sua cliente mais famosa é a ex-deputada Flordelis dos Santos de Souza, condenada como mandante do assassinato de seu então marido e ex-filho adotivo, o pastor Anderson do Carmo, ocorrido no dia 16 de junho de 2019. Já estaria bom, não é?, para escrever, se fosse o caso, uma crônica de erros.
Esse é o governo que criou uma força-tarefa contra o crime organizado, para a qual estão reservados R$ 900 milhões. Decidiu ainda recorrer às Forças Armadas para GLOs — operações de Garantia da Lei e da Ordem — em portos e aeroportos do Rio e de São Paulo. Sim, o Ministério da Justiça está encarregado de gerenciar as duas coisas.
Vindo a público, a informação de que Luciane andou transitando em órgãos federais, os fascistoides começaram a berrar, roncar e fuçar de satisfação, refestelando-se na própria impostura. Não é todo dia que seus adversários lhes dão um presentão como esse. Criei uma vinheta no programa "O É da Coisa", na BandNews FM e no BandNews TV. Chama-se "Pirulitos para a Extrema-Direita". Sempre que os progressistas dão um tiro no pé e fornecem um mimo para adoçar a baba rancorosa dos seus oponentes, os mimoseados comemoram. Afinal, resta-lhes o quê? Qual é mesmo o programa alternativo dessa gente?
QUEM PESCOU? E ATÉ UMA FACHADA RELIGIOSA
"Ah, quem será que vazou, hein?" Não é o caso de falar de vazamento, mas de pescaria. A "Sra. Clemilson" não escondia a sua desenvoltura. Registrava-a em redes sociais, o que demonstra, por óbvio, que não se tratava de uma relação clandestina com o governo. Há um monte de gente, de todos os matizes, que não quer Dino no STF, certo? Se as peripécias daquela senhora estão ao alcance de alguns cliques, que sejam lançadas ao vento.
Os ministros sabiam? A resposta obviamente é "não". Impossível ter ciência de tudo o que acontece, e encontros com entidades voltadas à defesa da justiça e dos direitos humanos são corriqueiros, felizmente. O inusual é que a representante seja uma pessoa condenada em segunda instância por associação ao tráfico e lavagem de dinheiro. Aí não dá.
É preciso deixar a ingenuidade de lado. O crime organizado pode assumir qualquer fachada, inclusive a religiosa. E já se disfarça até de igreja. Trecho de um dos textos do Estadão informa:
"Uma mulher adentra numa igreja evangélica Assembleia de Deus, em Manaus, e caminha pelo tapete vermelho sob fortes aplausos em direção ao marido, que aguarda em pé para recepcioná-la. São 18h30 do dia 11 de dezembro de 2022, um domingo. O casal se abraça e se beija. Em seguida, a mulher senta numa espécie de trono, é coroada pelo marido e recebe uma varinha... A cerimônia, no entanto, é interrompido por uma ação da Polícia Militar. Os agentes vão logo em direção ao homem, e um deles anuncia ao pastor o que foram fazer no local: 'Estamos prendendo o maior traficante de Manaus'".
O marido que coroava era Clemilson. A coroada era Luciane.
LAMENTO, MAS...
É claro que não é confortável escrever o que vou escrever agora, mas o fato é que a gestão federal, dada a gravidade da atuação do crime organizado, não pode admitir erros dessa natureza, e aqueles que receberam a mulher de "Tio Patinhas" deveriam se demitir ou ser demitidos.
É inaceitável que não tenham dado, eles ou assessores, uma "googleada" para saber, afinal de contas, com quem iriam conversar. É simples assim. E não falo isso apenas como ação preventiva contra a fascistada. É preciso se proteger de incômodos e armadilhas.
QUEM GRITA? OU: AS MILÍCIAS
"Ah, olhem quem está esbravejando..." Na maioria das vezes, são os "discípulos do capitão", do amigão de Adriano da Nóbrega, o miliciano que chefiava o "Escritório do Crime". Foi condecorado por Flávio Bolsonaro (PL-RJ), hoje senador e deputado estadual à época.
A mulher e a mãe do miliciano estavam listadas como funcionárias de seu gabinete na Assembleia Legislativa do RJ. Era porte da "rachadinha da direita". No dia 27 de outubro de 2005, Bolsonaro-Pai lamentou na Câmara a condenação do matador. Certa feita, diante da denúncia de que uma milícia operava na Bahia, o agora Inelegível pediu com entusiasmo que os meliantes se deslocassem para o Rio. Afirmou:
"Desde que a política de direitos humanos chegou em nosso país, cresceu, se avolumou e passou a ocupar grande espaço nos jornais, a violência só aumentou. A marginalidade cada vez mais tem se visto mais à vontade, tendo em vista esses neoadvogados para defendê-los. Dizer aos companheiros da Bahia que agora há pouco veio um parlamentar criticar os grupos de extermínio. Enquanto o Estado não tiver coragem para adotar a pena de morte, esses grupos de extermínio, no meu entender, são muito bem-vindos. Se não tiver espaço na Bahia, pode ir para o Rio de Janeiro. Se depender de mim, terão todo o apoio. No Rio de Janeiro, só as pessoas de bem são dizimadas. Na Bahia, as informações que eu tenho — Lógico! São grupos ilegais, mas, meus parabéns! —, a marginalidade tem decrescido."
Em 2008, o bruto houve por meio filosofar:
"Querem atacar o miliciano, que passou a ser o símbolo da maldade e pior do que os traficantes. Existe miliciano que não tem nada a ver com gatonet, com venda de gás. Como ele ganha R$ 850 por mês, que é quanto ganha um soldado da PM ou do bombeiro, e tem a sua própria arma, ele organiza a segurança na sua comunidade. Nada a ver com milícia ou exploração de gatonet, venda de gás ou transporte alternativo".
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Quero receberFlávio, diga-se, o empregador da família de Adriano, discursou em 2007 na Assembleia:
"Eles [defensores de Direitos Humanos] se sentem apavorados com as milícias porque vivem da miséria, da desgraça e da violência nas comunidades. Se não houver morte, bala perdida, violência, eles não terão o que fazer lá."
Vocês compreenderam. Para pensador tão nobre, a milícia tinha uma função social. Por isso, em 2008, opôs-se severamente à CPI estadual que investigou a organização criminosa, de que Marcelo Freixo foi relator. Elas seriam apenas consequência do "salário de fome que se pagava aos policiais", dizia o Zero Um.
ASSASSINOS DE MARIELLE
O ex-presidente aparece em fotos ao lado de Élcio Queiroz, um dos assassinos de Marielle Franco. "Tiro foto com muita gente", disse então. No governo, impôs, via decretos, uma legislação sobre armas que fez a festa do crime organizado -- das milícias, do narcotráfico e do narcogarimpo.
Quis o destino que Ronnie Lessa, o outro assassino — o que realmente disparou — fosse do Lírico da Cloroquina no Condomínio Vivendas da Barra. Jair Renan teria namorado uma filha do matador... Ao comentar o caso, o Imbrochável preferiu exaltar a, bem..., virilidade de seu garanhão: o rapaz já teria ficado com meio condomínio, alegou.
Não estou a fazer contrapeso na linha "cada um com seus bandidos". Até porque seria mentira. Os Bolsonaros já defenderam o crime organizado ao exaltar as milícias; nem Dino nem outro ministro qualquer cantaram as glórias do narcotráfico, certo? Logo, nem são coisas comparáveis.
POR QUE LEMBRAR?
"Mas por que lembrar esses vínculos?" Porque há viciosos se fingindo de virtuosos para que possam se dedicar mais fanaticamente ao vício.
O objetivo da "operação" era e é inviabilizar a indicação de Dino para o Supremo. Nessas horas, até empregador de miliciano vira moralista. Sem contar certos bocós, mesmo na dita "grande imprensa", que fazem questão de escrever, em tom de escândalo, que os subordinados de Dino foram escolhidos pelo próprio... Dino! É mesmo?
O erro foi, sim, brutal. E não porque sabiam quem era a Luciane, mas justamente porque não sabiam. Ninguém tem licença para ser ingênuo exercendo um cargo público de tal relevância.
A extrema-direita é hipócrita, truculenta e antidemocrática. É justamente por isso que não pode ganhar pirulito.
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