Reinaldo Azevedo

Reinaldo Azevedo

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Heleno na PF e o dom que tem Bolsonaro de piorar os que convivem com ele

Este é um texto que une pontas de uma história e trata de vitórias e derrotas.

Bem, o inevitável aconteceu: a Polícia Federal intimou o general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete da Segurança Institucional, a depor no inquérito que investiga a existência de uma "Abin do B" dentro do Abin entre 2019 e 2021. "B" de Bolsonaro, não de Brasil. O órgão em que estourou o escândalo da espionagem a políticos (até alguns da então situação), magistrados, oposicionistas e jornalistas era subordinada ao GSI. Nota: no governo Lula, a agência migrou para a Casa Civil. Em tese, Heleno era o chefe de Alexandre Ramagem. Só no papel. De fato, o agora deputado federal (PL-SP) prestava contas apenas ao golpista e era um homem de confiança da família

Nem por isso se deve supor que, em matéria de democracia, Heleno seja uma dessas almas pias, cujo fervor o leve a se ajoelhar no altar do estado de direito. Não vou me estender agora na linhagem, digamos, intelectual a que pertence o militar. Noto rapidamente que nunca integrou as fileiras mais arejadas das Forças Armadas. Mesmo assim, o establishment fardado contava com ele para conter os arroubos menos iluminados do chefe.

Não aconteceu. E há quem sustente, com o que concordo, que se deu precisamente o contrário: a convivência com aquele a quem chamam "Mito" despertou em Heleno e outros, especialmente fardados, de pijama ou não, maus instintos que estavam adormecidos. O ex-presidente tem a notável capacidade de piorar aqueles com quem convive. Gustavo Bebianno foi demitido da Secretaria-Geral no dia 19 de fevereiro de 2019, antes que se concluísse o segundo mês de governo. No dia 13 de junho daquele ano, o general Santos Cruz foi chutado da Secretaria de Governo. Não lhes faltava "bolsonarismo", mas entenderam que, passada a porfia eleitoral, era preciso governar com as instituições. Ocorre que o chefe queria outra coisa.

Vejam como são as coisas: atribui-se a Carlos Bolsonaro — ainda que não exclusivamente — a queda de ambos. A súcia de extremistas que cercava o então mandatário considerava, por exemplo, inaceitável que os dois concedessem simples entrevistas àquela tal "mídia". Ou que mantivessem uma interlocução minimamente civilizada com a oposição. Cinco anos depois, com a turma já apeada do poder, Carlos é um dos investigados na operação que apura a existência de uma "Abin do B". E então voltamos a Heleno.

Numa entrevista ao programa Roda Viva, no dia 2 de março de 2020, Bebianno denunciou a iniciativa do Zero Dois, que queria criar um sistema paralelo de informações e Inteligência. Citou o nome de Heleno:
"Um belo dia, o Carlos me aparece com o nome de um delegado federal [e] de três agentes que seriam uma Abin paralela porque ele não confiava na Abin. O general Heleno foi chamado, ficou preocupado com aquilo, mas o general Heleno não é de confrontos, e o assunto acabou ali, com o general Santos Cruz e comigo. Nós aconselhamos ao presidente que não fizesse aquilo de maneira alguma, porque, muito pior do que o gabinete do ódio, aquilo também seria motivo para impeachment. Eu não sei, depois eu saí, se aquilo foi instalado ou não".

Que coisa!

Bebiano foi demitido.

Santos Cruz foi demitido.

Continua após a publicidade

A Abin paralela foi criada.

Na casa da família Bolsonaro, em Angra dos Reis, um dos lugares em que se executou o mandado de busca e apreensão, estava Tércio Arnaud Tomaz, um dos integrantes do tal "Gabinete do Ódio", que teve um laptop apreendido pela PF.

É claro que Heleno vai dizer que não sabia de nada. Ademais, propor, numa reunião informal, ainda que com altas autoridades da República, a criação de um sistema de Inteligência clandestino não é crime. Ninguém estava obrigando a denunciar o rapaz por isso. Mas notem: criar o sistema ou se mobilizar para tanto — colocando em funcionamento, por exemplo, um software espião — aí já se trata de crime, sim.

Mirando, hoje, o conjunto da obra e de olho também na história, pode-se dizer que Bebianno e Santos Cruz ganharam quando perderam. Bolsonaro, Flávio e a súcia perderam quando ganharam.

Não vai sair barato.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.