Reinaldo Azevedo

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Opinião

Israel não está só. Restam-lhe ainda Tarcísio e Caiado, do Findomundistão!

A revista inglesa "The Economist" crava: Israel está sozinho. Alguns aqui no Brasil poderiam julgar um exagero. Afinal, Benyamin Netanyahu ainda tem Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Ronaldo Caiado (União Brasil), governadores, respectivamente, de São Paulo e Goiás. Enquanto os dois se dedicam a mesuras e a rapapés a Netanyahu, este dá curso à carnificina, reprovada por todo o mundo. E, como é sabido, Jair Bolsonaro só não está lá também, a sentir o cheiro da carne queimada das mulheres e crianças palestinas, porque seu passaporte está retido. Não é difícil compreender por que os dois hipotecam a solidariedade a um governo em cuja gestão houve o assassinato brutal de 1.200 pessoas. O que não se explica é por que 32 mil mortes não os comovem.

Não será já, talvez nem amanhã, mas fiquem certos: essa visita da dupla a Israel entrará para a história das nossas (dos brasileiros) infâmias. Caiado chegou a pedir desculpas pela fala de Lula, em nome do povo brasileiro, como se tivesse legitimidade para fazê-lo. Aquele a quem chamam "Bibi" anuncia ao mundo que ainda não desistiu da incursão terrestre contra Rafah. Tarcísio e Caiado poderiam pedir ingresso para ver de perto como é que se estouram com balas o crânio ou abdômen de criancinhas. E depois dariam uma entrevista coletiva para repetir o mantra do carniceiro de Tel Aviv: "É que os terroristas do Hamas as usavam como escudos." Não existe esconderijo melhor para um assassino em massa ou um genocida do que a "Teoria do Escudo". Ali ele se acoita e manda matar, reivindicando superioridade moral.

Israel está sozinho, como diz a Economist, não porque o mundo e seus parceiros lhe soneguem o direito à autodefesa ou mesmo, no caso, à retaliação aos atos terroristas brutais de 7 de outubro do ano passado. Está sozinho porque a matança é estupidamente desproporcional; porque, com ou sem ataque terrorista, o governo deu sequência à ocupação ilegal da Cisjordânia; porque está demonstrado que Netanyahu e seus aliados armam colonos judeus que, ora vejam!, praticam atos terroristas contra palestinos desarmados; porque fica evidente que repudiam a criação do Estado palestino; porque é óbvio que inexiste um plano para o pós-guerra que não seja o controle militar dos territórios palestinos; porque o jogo do ainda primeiro-ministro, numa parceria informal com o Hamas, consistia em enfraquecer a Autoridade Nacional Palestina — afinal, o mundo reconhece a ANP, mas não os fanáticos religiosos, e a lógica elementar nos diz que os moderados atraem apoios para a causa, mas não os fanáticos.

Mas, insista-se, a solidão apontada pela revista inglesa tem agora um consolo: os respectivos governadores de São Paulo e de Goiás. Trata-se de um reforço importante nessa hora, especialmente quando os Estados Unidos, nada menos, apresentaram uma resolução que prevê o cessar-fogo e a libertação de todos os reféns. Cumpre lembrar que os americanos vinham vetando textos com esse conteúdo. Biden pode mudar de ideia, dada a evolução dos fatos e a produtividade do açougue de carne humana de Netanyahu, mas não Tarcísio e Caiado. O texto deve ser votado no Conselho de Segurança da ONU nesta sexta. E se for aprovado? Israel manda a ONU, inclusive o CS, plantar batatas desde 1967, quando ignorou a Resolução 242, que determinava a saída dos territórios ocupados.

CHANCELER ARRUACEIRO
Os governadores brasileiros evidenciam que a disposição de afrontar a institucionalidade chega a ser fanática. Não se limitaram a encontrar o presidente e o primeiro-ministro. Nesta quinta, estiveram também com Israel Katz, o chanceler arruaceiro que assombra o mundo e que voltou a acusar Lula de antissemitismo.

No Twitter, em português, Katz publicou:
"Fiquei feliz em me encontrar hoje com dois grandes amigos do Estado de Israel, o governador de São Paulo @tarcisiogdf e o governador de Goiás @ronaldocaiado, que representam dezenas de milhões de brasileiros e vieram apoiar Israel.
Eu disse a eles que não abrimos mão do povo brasileiro, que apoia o povo judeu e o Estado de Israel e simpatiza com a nossa guerra justa contra a organização terrorista assassina Hamas, e agradeci a eles pela comovente solidariedade que vieram demonstrar para com o povo de Israel.
As declarações antissemitas do presidente @LulaOficial não separarão nossas nações. Nossos valores compartilhados são os inimigos de nossos inimigos - juntos venceremos".

É impressionante que dois políticos brasileiros, ainda que adversários do presidente da República, se entreguem a este tipo de desfrute, permitindo que o político de um outro país os empregue como instrumentos de um ataque obviamente mentiroso. Alguém poderia indagar: "Mas eles estão aproveitando uma oportunidade como essa para se vingar de ações hostis de Lula contra suas respectivas gestões?" Não. Ambos já admitiram que o governo federal tem uma postura colaborativa com seus respectivos Estados.

Ainda que fossem, de fato, defensores fanáticos de Israel e não estivessem tomando a causa de empréstimo para fazer política interna, é claro que jamais poderiam se comportar dessa maneira, e o motivo resta evidente: trata-se de quebra da institucionalidade, como se ambos pudesse levar adiante, em nome do país, como escreve Katz, uma política externa paralela. Já imaginaram Lula lançando algum programa de benefício a setores da economia de São Paulo ou de Goiás sem nem sequer uma consulta a seus respectivos governadores — ou, pior ainda, fazê-lo associando-se, de modo hostil, a seus inimigos políticos? É se comportando desse modo que pretendem ser alternativas de poder?

QUEM É MESMO KATZ?
Katz, incensado por Tarcísio e Caiado, é aquele mesmo que submeteu o embaixador brasileiro, Frederico Meyer, a uma humilhação sob o pretexto de contestar frase de Lula e que, numa reunião com chefes diplomáticos da União Europeia, falou sobre a criação de uma ilha artificial, nas costas de Gaza, que serviria de plataforma para ligar, comercialmente, aquela faixa de terra ao mundo. Desnecessário dizer que isso supõe a inexistência de um Estado palestino. Ah, sim: O controle militar dessa "ilha" seria, claro!, de Israel.

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Os europeus não lhe deram bola. O chefe da diplomacia do bloco, Josep Borrell se limitou a dizer:
"Penso que o ministro poderia ter utilizado melhor o seu tempo para se preocupar com a situação no seu país, ou com o elevado número de mortos em Gaza".

Borrell, Biden, o mundo, aqueles todos que estão deixando Israel sozinho... Quem resta sem companhia é um governo fanaticamente homicida, não o povo judeu e seu direito de existir e de se defender.

Não se preocupe a extrema-direita de Israel! Enquanto houver humanistas como Tarcísio e Caiado, sempre haverá aplausos para assassinos como Netanyahu. Nem que seja no Findomundistão moral.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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