Maconha: STF definirá limite para consumo à espera de decisão do Congresso
Terminada a sessão do STF, com o placar de 7 a 4 em favor, na prática, da descriminação da maconha para consumo pessoal, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), oficializou a criação da comissão especial que vai debater a PEC já aprovada no Senado, por 52 a 9, que criminaliza o porte de qualquer quantidade de droga. De saída, insisto na questão que já abordei ontem: tão logo o texto seja endossado pela Câmara, e será também por larga maioria, vale a votação do STF ou a decisão do Congresso?
É evidente que o STF será chamado a se manifestar, e não tenho dúvida de que há de prosperar a decisão do Congresso. Sete ministros — Gilmar Mendes, Rosa Weber, Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Dias Toffoli, Edson Fachin e Cármen Lúcia — consideraram que a criminalização da posse para consumo prevista no Artigo 28 da Lei 11.343 é incompatível com a Constituição que temos. Viram compatibilidade os ministros Cristiano Zanin, Nunes Marques, André Mendonça e Luiz Fux. É por isso que se pode falar na descriminação da posse de maconha — e apenas de maconha — para consumo. Vale dizer: ela não pode gerar nenhum procedimento na esfera penal.
Acontece que a Constituição que TEREMOS estará acrescida, no Artigo 5º, de um Inciso LXXX, conforme a PEC 45, de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG):
"LXXX - A lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar."
Indague-se: a votação do STF não torna inconstitucional esse inciso? Não. Os ministros avaliaram a constitucionalidade do Artigo 28 da Lei 11.343. Não vejo como o tribunal possa considerar inconstitucional a PEC da criminalização. Ainda que ela venha, sim, como uma resposta à Corte, entendo que está no âmbito das atribuições do Congresso, ainda que se possa não gostar do que foi votado.
Enquanto não se promulga a PEC 45, vale a decisão tomada pelo Supremo — e ainda há mais por decidir. Já trato do assunto.
PODE SAIR COM A BAGANA POR AÍ?
Convenham: não é assim tão raro topar com pessoas fumando maconha sem nenhum receio em praças, imediações de bares, baladas, faculdades e universidades e mesmo nas ruas.
É bom que saibam: a substância segue sendo ilícita, e descriminar não é sinônimo de "legalizar". O ato passa a ser, por ora, um ilícito administrativo, sujeito a medidas socioeducativas, justamente no tal Artigo 28: advertência sobre os efeitos das drogas; prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programa ou curso educativo.
O JULGAMENTO AINDA NÃO ACABOU
A pena para tráfico é pesada: rende de 5 a 15 anos de cadeia, conforme o Artigo 33 da mesma Lei 11.343. O problema está no Parágrafo 2º do Artigo 28:
"§ 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente."
Como podem notar, não se fala em quantidade. Ficou fartamente demonstrado no julgamento que, sem a definição de uma quantidade que faça a distinção entre consumo e tráfico, as mazelas histórias e morais que também marcam a nossa formação como sociedade expõem-se de maneira brutal: há documentados, só em São Paulo, pelo menos 31 mil casos de jovens negros enquadrados por tráfico, quando igual quantidade encontrada com pessoas brancas foi considerada "consumo pessoal".
Como afirmei ontem, o Congresso pode reivindicar para si a prerrogativa de decidir a legalidade ou não do porte de maconha para consumo, mas não a licença para promover, ainda que de forma oblíqua, a discriminação e o preconceito punitivistas.
Nesse sentido, o julgamento prossegue nesta quarta com a definição da quantidade que separa o ilícito administrativo do tráfico. O sistema prisional está abarrotado de jovens que lá foram parar em razão de uma pequena quantidade de maconha. Entram amadores e se tornam, por força das circunstâncias, profissionais do crime e mão de obra barata das facções. É uma tragédia.
A quem cabe a definição da quantidade, então, que separe um ilícito administrativo de pouca gravidade de um ato criminoso que a Constituição considera "inafiançável e insuscetível de graça ou anistia" (Inciso LXIII do Artigo 5º)? Penso que a tarefa é do Legislativo. E enquanto ele não o faz?
É certo que o Supremo definirá uma quantidade máxima que não caracteriza tráfico e acho que o tribunal deve deixar claro que assim será até que o próprio Congresso o faça, mesmo com a aprovação da PEC da criminalização. Trata-se de mudar o Artigo 28 da Lei 11.343, o que pode ser feito por maioria simples.
ENTÃO O CONGRESSO FARÁ TUDO VOLTAR PARA TRÁS?
Não. O porte para consumo, quando assim caracterizado, já não leva ninguém para a cadeia, mesmo como ilícito penal. Ainda que a PEC de Pacheco seja aprovada, e vai, o mais importante é fazer a distinção entre "consumo" e "tráfico"; entre uma mera perturbação que pode colher o usuário e o severo comprometimento do seu futuro.
"Mas o Congresso não pode impor uma quantidade tão restritiva que, na prática, nada mude?" Bem, dado o que conhecemos desse Poder, a resposta, infelizmente, é "sim". Mais: havendo a criminalização no próprio texto constitucional, é grande a chance de o punitivismo se exacerbar.
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Quero receberDe toda sorte, é fundamental haver a distinção para facilitar a defesa: o enquadramento de alguém por tráfico terá de ir além da impressão e do subjetivismo: quantos gramas, afinal, foram encontrados com o portador? Isso pode fazer uma diferença danada na vida do indivíduo.
Que o Congresso pondere. Cumpre não piorar a vida de brasileiros jovens. O próprio Artigo 28 prevê atendimento de saúde a dependentes. Melhor oferecer a chance de salvação do que a de danação.
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