Reinaldo Azevedo

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Opinião

X fora do ar. Ou bem se defende a lei ou bem se é 'musketeiro' sem-vergonha

O ministro Alexandre de Moraes determinou a suspensão da X em todo o território nacional. E ele o fez, nem poderia ser diferente, com a concordância da Procuradoria-Geral da República. Havia alternativa?

Carrego um sestro do tempo, creio, em que fui professor. Quando alguém diz, ou quando eu mesmo digo, um "não é assim que se faz", tendo a cobrar dos outros e de mim Mesmo o anúncio do modo certo de proceder. Admito: nem sempre é possível. Podemos, às vezes, perceber, dados os resultados, que algo não saiu muito bem, embora não disponhamos das informações necessárias para indicar o bom caminho. Mas, convenham, não é o caso do embate entre o Supremo Tribunal Federal e Elon Musk, o manda-chuva da X. A trilha a seguir é muito clara.

A autocontenção dos Poderes — e esse é um dos temas, note-se, de "Como as Democracias Morrem" e também de "Como Salvar a Democracia", livros de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt — é, sem dúvida, importante para evitar o acirramento das crises. Não estou entre aqueles que enxergam ilegalidades, exageros ou impropriedades na forma como o Supremo, com atuação destacada de Alexandre de Moraes, tem enfrentado os seis anos de golpismo, nas suas várias etapas, de Jair Bolsonaro e de seus aliados. Considero as críticas, no mais das vezes, desinformadas, impensadas ou meramente ideológicas.

Mas, até aí, estamos conversados. Eu sou um entre, sei lá, centenas de colunistas da outrora chamada "grande imprensa" que se ocupam da questão. Concordo com uns tantos, discordo de outros, e isso me parece próprio do embate. Cobro, no entanto, um pressuposto: que as análises, postulações e prefigurações tenham a democracia como valor inegociável.

Nego-me, assim, a dialogar com golpistas ou justificadores do golpismo pela simples e óbvia razão de que não faço trocas com quem promove uma visão de mundo que, se vitoriosa, resultaria no meu silêncio, no meu exílio ou no meu encarceramento. E defendo que o regime democrático seja bastante eloquente e firme na defesa de seus pilares. É um modo de governar em que nem tudo pode.

ENTÃO O QUÊ?
No caso do anúncio de Musk de que não iria cumprir decisões judiciais porque, como deixa claro nas mensagens que publica no X, ele se considera juiz dos juízes, indago àqueles que apontam os exageros de Moraes: que resposta dar? Ainda que se discorde -- e não é o caso deste que escreve -- das determinações para a retirada do ar de alguns perfis e páginas, o caminho lícito e aceitável numa democracia é o recurso -- que pode ou não ser acolhido -- ou o descumprimento da ordem judicial?

Ao fazer certas escolhas, dizemos que tipo de sociedade queremos. Eis o fundamento basilar, elementar, da ética. Eu, por exemplo, não como carne de aves. Acho o sabor insuportável, nauseante. É um (des)gosto, não um exemplo àqueles com quem convivo. Nas questões legais, no entanto, ou que dizem respeito aos modos de convivência, busco fazer com que minhas opções, se replicadas como um padrão, tornem o mundo mais justo.

Quando o senhor Elon Musk resolve descumprir decisões judiciais no Brasil e lança uma cruzada contra Moraes e contra o Supremo, é forçoso que nos coloquemos algumas questões: 1) trata-se de uma reação aceitável?; 2) ele tem licença exclusiva para desrespeitar a legislação no que respeita à exigência de que empresas estrangeiras tenham representação legal no Brasil?; 3) a Justiça deve ou não aplicar as penalidades previstas para o caso?; 4) se o fizer, estará descumprindo o dever da autocontenção?; 5) essa autocontenção convive com a omissão?

Na hipótese, então, de que seu juízo, leitor, se volte contra o ministro e contra o tribunal, é preciso que você diga se o mundo que tal escolha anuncia seria um bom lugar. Porque, por óbvio, nessa sua distopia, cada indivíduo se colocará no papel de juiz dos juízes — que, a rigor, hão de se tornar obsoletos —, e será preciso que ele se arme, juntando-se em milícias para se opor a outras. A única saída será oprimir para não ser oprimido; praticar a violência para não sofrê-la; ser discricionário para não ser o alvo da discricionariedade.

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"Ah, não seja assim tão dramático, Reinaldo!" Dramático? Há meros 20 meses, as respectivas sedes dos Três Poderes foram miseravelmente depredadas, muito especialmente o prédio da Corte Constitucional. Até outro dia, o governante de turno promovia manifestações públicas pregando o golpismo e promovia reuniões ministeriais em que tramava contra as eleições, insuflando a insubordinação nas Forças Armadas. Conheço as escolhas daquela gente. E fiz as minhas.

Poderia, ademais, haver ao menos alguma verdade no propalado apego de Musk à liberdade de expressão e ao Estado de direito. Seria um criminoso com bons propósitos... Mas esse é o propagandista vulgar do golpista Donald Trump; é o cara que, no comando do antigo Twitter, desmontou as barreiras de contenção à expansão do ódio; é o homem que tem a ambição de eleger e de derrubar governos; é o "amante da liberdade" que se submete, pautado por seus interesses comerciais, às imposições da semiditadura da Turquia ou do governo autoritário da Índia, para citar dois exemplos; é um prosélito truculento da extrema-direita mundo afora.

DE VOLTA AO COMEÇO
Num dos ataques a Alexandre, Musk escreveu ontem:
"O tirano, Alexandre, é ditador do Brasil. Lula é seu cachorrinho de colo".

Já havia ofendido, praticamente com as mesmas palavras, o ministro e o presidente em abril deste ano:
"Como Alexandre de Moraes se tornou o ditador do Brasil? Ele tem Lula na 'coleira'".

O que o chefe do Executivo tem a ver com as decisões do Supremo, além de nada? Faltassem outras evidências, e não faltam, de que seu objetivo é tumultuar o ambiente político, a diatribe infame falaria por si.

Musk se nega a se submeter à legislação e à Justiça brasileiras e associa o presidente ao ministro com o objetivo de mobilizar a extrema-direita nas redes, no Congresso e em setores da imprensa. Está num experimento: testa a sua capacidade de gerar uma crise política numa das maiores democracias do mundo. Se for bem-sucedido, tentará replicar a experiência contra outros Estados que eventualmente contrariem seus interesses.

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E a maior de todas as covardias, num caso assim, é o raciocínio concessivo: "Musk é mesmo um bandido, se bem que Alexandre não ajuda..."

Não! Sem essa de ser um defensor envergonhado de Musk. É mais honesto ser "musketeiro" sem-vergonha.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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