Reinaldo Azevedo

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Opinião

Sebastianistas do Nem-Nem acusam polarização porque querem eleição sem Lula

Que saudade da polarização!

"Ah, não há saudades mais dolorosas do que as das coisas que nunca foram!" É Fernado Pessoa. Na verdade, Bernardo Soares, no "Livro do Desassossego".

Não há expressão mais imbecil para designar o que se passa na política brasileira do que "polarização". Trata-se quase de um arranjo a unir analistas pobremente (quanto às ideias, claro!) conservadores, políticos sem muita imaginação e os deserdados do Dom Sebastião do Reino do Nem-Nem, aquele que virá para nos redimir, livrando-nos do fardo do bolsonarismo e do petismo... Essa gente tem sonhos noturnos, que a levam a poluções ideológicas, imaginando um Bolsonaro e um Lula inviabilizados para que, então, possa triunfar a ideia que fazem do que seria um centro...

Como Bolsonaro é de extrema-direita e como Lula é de centro-esquerda, fazendo um governo que reúne muitos centristas e direitistas democráticos, o meio entre essas duas posições não é o centro, por suposto — não sei onde essa gente estudou geometria; sobretudo a geometria política. Esse lugar que ambicionam é a direita autoritária. Mas jamais vão admiti-lo por covardia intelectual.

"E você, Reinaldo, quer da política o quê?" Vou de Pessoa (Bernardo Soares) de novo, no mesmo texto:
"Tudo o que não é meu, por baixo que seja, teve sempre poesia para mim. Nunca amei senão coisa nenhuma. Nunca desejei senão o que nem podia imaginar."

É o meu credo ideológico, desde que se garanta a democracia. Para preservá-la, posso fazer alianças táticas. Quero que os sociopatas me deixem e nos deixem em paz, para que se viva e se deixe viver, razão por que não suporto a estupidez fascistoide. Como não suportei, em passado nem tão remoto, os que se queriam monopolistas das normas do bem, do belo e do justo. Mas avancemos.

Ando com saudade da polarização.

"Como você é esquisito! Todos dizem que o problema do Brasil é a dita-cuja". Ocorre que, não raro, as palavras também foram barateadas.

EVIDÊNCIAS
Deixem-me ver. Jair Bolsonaro e Tarcísio de Freitas apoiam em Belo Horizonte, por exemplo, um tal Bruno Engler (PL), cujo esporte político predileto é acusar seus desafetos de praticar pedofilia -- qual é o problema desse cara??? --, a exemplo do que faz agora contra seu adversário, Fuad Noman (PSD), prefeito da capital mineira, que concorre à reeleição. Noman é um aliado de Gilberto Kassab, que preside o partido e tem três ministérios no governo Lula, incluindo o das Minas e Energia (Alexandre Silveira), fustigado por Ricardo Nunes e por Tarcísio, de quem Kassab é aliado, secretário e conselheiro. Também é um dos arquitetos da candidatura do prefeito de São Paulo à reeleição.

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Inexiste suruba polarizada — quer dizer: acho que não... Tensão mesmo, do tipo infelizmente inconciliável à época, existia, por exemplo, entre PT e PSDB, aqueles dois partidos das eras priscas, ambos quase bíblicos porque irmãos que já começaram a brigar no ventre materno: a democratização, com suas distintas visões do paraíso. Abel e Caim. Esaú e Jacó. Mas como tudo estava na mente divinal — que não era a do Senhor, mas a de uma tal dialética —, os tucanos, com o Plano Real, tiraram o país das ruínas do atraso a que o havia relegado a ditadura. Veio o PT e colocou, na medida do possível, os miseráveis no Orçamento. O país enfrentou barrancos aos trancos, mas avançou.

A cada vez que me falam sobre polarização, meu pensamento se alheia.

Em Goiânia, o extremista de direita Jair Bolsonaro apoia um tal Fred Rodrigues (PL), e o adversário no segundo turno é Sandro Mabel (União Brasil), apoiado pelo governador Ronaldo Caiado, um direitista inequívoco, mas não do tipo que combate a vacina ou o distanciamento social em caso de pandemia. Na disputa deste ano, o Mito roído e ruído reservou a Caiado uma de suas falas mais hidrófobas. Houvesse a tal "polarização", Rodrigues e Mabel estariam contra a petista Adriana Accorsi, que ficou em terceiro, com 24,44% dos votos, não tão longe de Mabel (27,66%). O tal Fred chegou com 31,14%. Tudo indica que o candidato do governador vai vencer a jornada final. E com parte do eleitorado que tinha escolhido Adriana. As definições de "polarização" andam sendo continuamente atualizadas.

E em São Paulo? Viram como foi fácil ao "coach" saltar de seu mundo paralelo nas redes para assombrar o da política, falando coisas ainda mais delirantes e reacionárias do que o próprio Bolsonaro, mas oferecendo ao sistema límbico das hostes do ódio satisfações e prêmios que pareciam mais palpáveis? Enquanto o "Mito" prometia entregar a cabeça de comunistas num poste — voltou à sua ladainha nesta quarta —, o outro oferecia dinheiro. Nunes chafurdou na abjeção da extrema-direita quando foi preciso bater Marçal, não para dar combate a Boulos. Polarização?

Em Cuiabá, o petista Lúdio Cabral disputa o segundo turno contra o ultrabolsonarista Abílio Brunini (PL). Obtiveram no primeiro turno, respectivamente, 28,31% e 39,61%. Lembre-se: na dita "polarização" da capital do Mato Grosso, a vice de Lúdio é Rafael Fávaro, do PSD, filha do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, uma das vozes do agro no Estado. Alguns potentados do setor, diga-se, estão a dizer no Estado: "Agora é 13". Pesquisas apontam empate técnico entre os dois. Parte da elite do Estado, dado o comportamento do deputado Brunini na Câmara, acha que ele não bate bem dos pinos. Que polarização é essa?

Por que briga a extrema-direita? Porque precisa lançar um nome para enfrentar Lula em 2026, e aquele que não permite que pré-candidato nenhum prospere à sua sombra, Bolsonaro, insiste que será ele próprio o candidato, quando se sabe que não será. Não há a menor chance de sua inelegibilidade ser revertida — duvido um tanto que a anistia seja votada; se aprovada, será declarada a sua inconstitucionalidade —, mas ele vai insistir enquanto puder porque isso lhe confere a prerrogativa da escolha. Houvesse uma polarização, o extremista de direita que surgir haveria de convocar para a luta o PP, o Republicanos, o União Brasil, o PSD e o MDB. Todos eles têm ministérios no governo de Lula — de "extremíssima-esquerda", não é mesmo?

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CONCLUO
Obviamente não tenho saudade da polarização -- caso alguém não tenha sacado a ironia. Porque simplesmente não acredito nessa besteira. Ademais, há aí uma armadilha preparada pela direita que reprova o bolsonarismo em razão de suas burrices táticas, não de seu credo. Ou vocês viram esses bacanas a criticar as escolhas de Paulo Guedes, por exemplo?

Tudo bem pesado, quando dizem ser preciso "vencer a polarização", estão apenas praticando uma forma de antilulismo. "Como assim?" Sim, são pessoas que lastimam as burrices de Bolsonaro, seu reacionarismo improdutivo, suas grossuras incivilizadas, seu primitivismo — nota: alguns desses votaram nele mesmo assim. Sabem que ele não será candidato. Logo, não será um dos polos de 2026, certo?

O que esses valentes querem, na verdade, é ver se há um jeito de tirar do jogo aquele que fantasiam ser o outro polo: Lula.

Prestem atenção à catilinária desses "iluministas" do direitismo autoritário disfarçados de centristas. Anseiam por uma eleição sem Lula e sem Bolsonaro. Dado que o inelegível não estará na disputa, pregam a superação da polarização porque, de verdade, querem uma eleição sem Lula.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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