Reinaldo Azevedo

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Opinião

Sóstenes vê só um moleque e depõe Motta; que este ensine aquele a ser homem

É claro que os quatro anos de depredação diária das instituições, levada adiante por Bolsonaro à frente da Presidência, não poderiam resultar em boa coisa. Ele implementou o exercício cotidiano da barbárie, fosse com estrondos — destruindo políticas sociais, sabotando os esforços contra a covid, fazendo terrorismo contra as vacinas —, fosse com suspiros broncos, por intermédio de declarações que espalhavam e espalham os miasmas fétidos do golpismo, da intolerância, do ódio, do preconceito e da discriminação. É claro que a vida institucional se deteriorou.

Um episódio desta terça é bastante eloquente. Sóstenes Cavalcante (RJ), líder do PL na Câmara, já havia concedido uma coletiva em que contou mentiras à vontade sem ser desmoralizado, ao vivo, pelos fatos. Afirmou que não existia ainda projeto de anistia. Existe. Afirmou que ele não beneficia Bolsonaro e demais golpistas graúdos: bem, isso prova que ele reconhece existir projeto. Mas a farsa persiste: os tubarões do golpe também seriam beneficiados e, claro!, engoliriam depois algumas focas do pensamento que andam por aí a redigir garatujas éticas...

Pois bem... Nesta terça, Sóstenes decidiu ser Sóstenes na vida — o de agora, não a personagem meritória de Atos 18:12-17 — e deu interpretação conforme o seu interesse a uma declaração do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). O deputado, com efeito, fez o elogio das decisões colegiadas numa menção nas redes sociais, o que o líder do PL tomou como o anúncio de que ele porá para votar a anistia... A propósito: qual projeto?

Vamos ler o que escreveu o presidente da Câmara:
"Democracia é discutir com o Colégio de Líderes as pautas que devem avançar. Em uma democracia, ninguém tem o direito de decidir nada sozinho. É preciso também ter responsabilidade com o cargo que ocupamos, pensando no que cada pauta significa para as instituições e para toda a população brasileira"

Não há dúvida de que fez a apologia das decisões colegiadas. Não há dúvida de que disse que, na democracia, ninguém toma decisões sozinho. Mas me parece que, em nenhum momento, ele renunciou à posição que exerce na Câmara. Ele a preside e tem funções que lhe são próprias.

Observem que o terceiro homem na hierarquia da República destacou que "é preciso também ter responsabilidade" com o cargo que ocupa. Ela impõe que se pense nas instituições e no conjunto da população, não em interesses facciosos.

E o que respondeu Sóstenes? Tratou Motta como se fosse uma gaveta vazia; adulou-o para, na prática, dizer que ele não é de nada; tratou-se como um mero animador de encontros do Colégio de Líderes; viu nele o secretário particular para o despacho de suas demandas. Escreveu, caprichando nas maiúsculas, o que, na Internet, quer dizer que está a gritar:
"Parabéns, presidente Hugo Motta.
A verdadeira democracia se faz pelo processo legislativo -- e não por decisões monocráticas de um só.
O presidente da Câmara tem atribuições importantes, mas as grandes decisões sempre passam pelo Colégio de Líderes ou, mais ainda, pela vontade soberana da MAIORIA da Casa.
No caso do PL da Anistia, 264 deputados respaldam a urgência.
O presidente da Câmara pode muito.
Mas a MAIORIA dos deputados pode mais.
Porque a democracia se constrói com respeito à maioria e à vontade do Parlamento"

Sóstenes, que envergonha seu homônimo bíblico — era rabino, mas amigo de Paulo, um judeu convertido —, está em pleno delírio de poder. Braço operante na política do pastor Silas Malafaia, que já desancou o presidente da Câmara, ele deve saber que anistia não haverá. Mas, tudo indica, agora se trata de esticar a corda para gerar o máximo possível de turbulência.

O líder do PL tem 50 anos; o presidente da Câmara, 35. Paulo, o amigo do outro Sóstenes, escreveu: "Quando eu era menino, falava como menino, pensava como menino e raciocinava como menino. Quando me tornei homem, deixei para trás as coisas de menino."

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Que o jovem Motta tenha o destemor para ensinar Sóstenes a ser homem — no sentido de adulto —, não permitindo que este o trate como a um moleque, que é o que fez com os seus parabéns desaforados, procurando destituí-lo de suas funções.

Perdeu qualquer noção de limite.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

1 comentário

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Wagner de Campos Junior

Derrubaste a pau. É uma pena, palavra correta e certeira não é pena a cumprir. Não esmoreça, os leitores aqui estão e confiam na alta imprensa. 

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