Por Bolsonaro, Trump mandará porta-aviões do Comando Sul para garfar Xandão
O ex-presidente Jair Bolsonaro é um sujeito patético, na acepção mesma de Cecília Meireles no poema "Apresentação", que trata do "patético momento" do eu-lírico. Recorre ao significado que nos apresenta o dicionário. A palavra passou a ser empregada como sinônimo de ridículo, desastrado, o que, por associação de ideias, até é procedente. Mas se perde o núcleo da significação: aquilo que provoca comoção emocional, produzindo um sentimento de piedade. No caso de tal personagem, é fato, a repulsa vem longo depois e anula a sensação anterior.
Comentei ontem no "Olha Aqui", neste UOL, e no "É da Coisa", na BandNews FM, a bobajada produzida pelo bolsonarismo sobre a suposta urgência que a eleição de Trump imporia à anistia ao ex-presidente. Houvesse gradações para o impossível, e não há, poder-se-ia dizer que, agora, ela se tornou "ainda mais impossível". Jamais passaria pelo Supremo. Já imaginaram uma corte sensível às pressões de um chefe de Estado estrangeiro ou, pior, de um pistoleiro dos foguetes?
Como Bolsonaro tem uma língua bem mais comprida do que sua capacidade de compreender o mundo, resolveu viver — perdão, Cecília! — seu "patético momento". Disse que vai pedir o STF, a Alexandre de Moraes, no caso, a devolução do passaporte para acompanhar a posse de Donald Trump, que acontece no dia 20 de janeiro do ano que vem.
Com aquela grossura conceitual sobre qualquer assunto, que seus entusiastas veem como autenticidade, ousou, por assim dizer, raciocinar. Em entrevista à Folha, pôs os miolos para fritar e produziu esta preciosidade:
"Se o Trump me convidar, eu vou peticionar ao TSE [Tribunal Superior Eleitoral], ao STF. Agora, com todo o respeito, o homem mais forte do mundo... Você acha que ele vai convidar o Lula? Talvez protocolarmente. Quem vai convidar do Brasil? Talvez só eu. Ele [Moraes] vai falar 'não' para o cara mais poderoso do mundo? Eu sou ex. O cara vai arranjar uma encrenca por causa do ex?".
Como é? Se, até lá, o passaporte não lhe for devolvido, e não creio que vá ser, então o tribunal o faria, com Moraes liderando o voto, para, como é mesmo?, "não arranjar encrenca" com Trump... Mas qual encrenca? É espantoso que um senhor tão cercado de advogados considera uma boa ideia, ao fazer considerações sobre um juiz e um tribunal que toma como adversários, atacar precisamente a sua independência, a sua autonomia e a sua coragem para decidir. Ele está a dizer, com outras palavras: "É claro que Alexandre e os demais ministros da Turma vão ficar com medo de Trump".
Aquele medo de que os ministros fizeram troça ontem, numa espécie de aposta bem-humorada para saber quem seria o primeiro a ter o visto cassado.
Sei não... É possível que bem antes disso a PF conclua alguns inquéritos que vão pedir novos indiciamentos, inclusive de Bolsonaro. Aí por vinculação com atos golpistas. Caramba! O cara não esquece nada nem aprende nada. Nem com o episódio "X-Musk dos Foguetes".
Qual é aposta? Já sei. Trump mandará deslocar o porta-aviões USS George Washington, da Quarta-Frota (Comando Sul), para prender Moraes e demais ministros sediciosos que a ele se juntarem. E se o Brasil não entregar? Ah, já sei: 60 anos depois da "Operação Brother Sam", os subversivos do tribunal veriam o que é bom para tosse. Em 1964, não foi preciso entrar em ação. Desta feita, será para valer.
O mais patético, aí no sentido em que a palavra é usualmente empregada, é ver gente que aspira a alguma seriedade dar corda a especulações sobre a suposta porosidade do STF a pressões emanadas de Washington. O texto acaba aqui.
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Porque todos têm direito à beleza, segue o citado poema de Cecília:
APRESENTAÇÃO
Aqui está minha vida - esta areia tão clara
com desenhos de andar dedicados ao vento.
Aqui está minha voz - esta concha vazia,
sombra de som curtindo o seu próprio lamento.
Aqui está minha dor - este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.
Aqui está minha herança - este mar solitário,
que de um lado era amor e, do outro, esquecimento.
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