Reinaldo Azevedo

Reinaldo Azevedo

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Lula da UTI, 'Mito' inelegível, e centro-extremismo vê o Nem-Nem Sem Cabeça

Lula na UTI, depois de uma trepanação, e Jair — o falso Messias e verdadeiro Bolsonaro — inelegível para sempre...

Um grupo — não chega a ser uma reunião física, mas é, assim, uma espécie de comunidade espiritual — esfrega nervosamente as mãos brancas, caridosas (adora dar alguns presentes para pobres comportados) e suadas de tanta expectativa: "Caramba! Será desta vez que vamos nos livrar deles, e poderá, então, surgir das brumas aquela personagem pela qual ansiamos já há alguns anos: o Príncipe do Nem-Nem, também conhecido como "Cavaleiro Sem Cabeça".

O extremismo de centro, uma quase-ideologia que viceja com força no colunismo, se pega a sonhar em momentos assim. E se Lula desistir da reeleição, impossibilitado de disputar em razão da saúde? Não que os valentes o desejem, é claro!. Não suportam a hipótese de que possam ter maus pensamentos... Considerando que o Ogro é carta fora do baralho, talvez o Brasil, imaginam, possa se "reencontrar com a razão"...

Trata-se de um grupo muito singular esse... Mesmerizados, seus integrantes, pela teoria estúpida da "polarização", que impediria os brasileiros de ver a verdade revelada, avaliam que, em 2022, 91,63% dos que votaram escolheram a desrazão: 48,43% com Lula e 43,2% com Bolsonaro. "Então o brasileiro é incapaz de fazer escolhas racionais?" Não é isso o que eles querem dizer, vão assegurar. Mas é o que dizem.

TREPANAÇÃO, NÃO CRANIOTOMIA
Antes que avance, uma observação necessária. O presidente Lula se submeteu a uma trepanação, não a uma craniotomia. No primeiro caso, abre-se no crânio um orifício com o trépano, uma espécie de furadeira. No segundo, o corte, a incisão, compreende a ablação (ato de arrancar) um pedaço. Comunicado inicial do hospital falava em "craniotomia". Daí que eu tenha brincado aqui com o presidente na madrugada de ontem: ninguém vira um mau sujeito por isso. Fiz duas. Alguns podem discordar da minha opinião sobre ser um bom rapaz... É consensual, no entanto, que Lula se submeteu a uma trepanação, não a uma craniotomia. E, pois, trata-se de algo bem menos agressivo. Melhor para ele.

DE VOLTA À POLÍTICA
Lula está sendo amparado por alguns dos melhores neurocirurgiões do mundo. Suas condições gerais de saúde sendo satisfatórias, não há razão para duvidar da sua reabilitação, embora, com efeito, não se trate de um caso de unha encravada. Nesses dias em que vai ficar de molho, algum espírito de renúncia (não à Presidência, claro!, mas às ambições desse mundo louco...) poderia povoar os seus sonhos: "Deixe de lado esse coisa de poder, Luiz Inácio... Tudo isso não passa de 'vanitas'. E 'a vaidade é um princípio de corrupção', como escreveu Machado de Assis (Bentinho), no capítulo XCVII de Dom Casmurro". No caso, trata-se de corrupção da vontade...

Pois é... Ocorre que esse estoicismo que abre mão das pulsões que nos empurram para os embates não convive com a política. Pode ficar bem em certos filósofos, nos anacoretas ou naqueles que não têm dificuldade nenhuma de abrir mão do que nunca tiveram nem terão. Não é assim com as pessoas que têm sua personalidade e sua individualidade definidas pelos embates públicos. É evidente que não há a menor possibilidade de Lula abandonar a disputa de 2026 se for ele a fazer a escolha, não a sua saúde. E sua história de vida lhe impõe, não como uma pena, mas como uma condição que o define, a disputa. Aquele extremista de centro ansioso de que trato lá nos primeiros parágrafos perca a ilusão.

"Mas, afinal, Reinaldo, a disputa de 2026 ficou mais perto, foi antecipada?" Em que sentido? Não entendo nem a natureza da pergunta. Em que a condição transitória — é o que se tem até agora — de Lula muda o jogo na extrema-direita, por exemplo? Em absolutamente nada! O falso Messias e "vero" Bolsonaro continuará a se dizer candidato e levará adiante o seu pleito, até que o TSE lhe diga o óbvio — não pode se candidatar — e então se verá quem buscará ungir em seu lugar. É seu jogo de poder. Só assim se mantém influente. O Lula que inspira a sua ação é o de 2018, que fez essa trajetória. A direita, enquanto isso, continuará a ser fagocitada pela extrema-direita, incapaz de lançar criar uma figura que tem parecido bastante exótica por aqui: conservadora, democrática e eleitoralmente viável.

Na seara progressista, a menos que Lula anuncie a desistência, coisa que só a saúde (ou falta dela) lhe poderia impor, ninguém dará um passo além da linha. Então se antecipou o quê, além de nada? O que se vê e se lê, aí sim, são especulações que não vão além do "wishful thinking". São aqueles que acreditam que podem mudar a realidade apenas por virtude do muito imaginar... E, obviamente, não podem.

Continua após a publicidade

NÃO SERIA O CASO?
É curioso: os que mais acreditam na falácia da "polarização" são os seus críticos mais ferozes. Alguns chegam a acusar Lula e Bolsonaro por não apostarem na própria obsolescência, crítica que me parece uma obscenidade política. A acusação de que ambos dançam uma espécie de minueto, de modo que um justificaria e estimularia o extremismo do outro é, ademais, uma burrice contrafactual. E a demonstração é simples: Bolsonaro é um extremista de direita, e Lula é um político de centro.

Ainda que admire Lula e ache execrável o "Mito", parece-me uma sandice que se exija de ambos o suicídio político: "Ah, tirem suas postulações do caminho que queremos passar com nossas propostas para o Brasil..." Ora, façam-nas, não é mesmo?

Não seria, então, o caso, de esse suposto centro (como se Lula não fosse centrista o bastante...) dar as caras e defender as suas teses, apesar de Lula e Bolsonaro, mesmo com ambos ocupando as respectivas áreas? "Ah, mas eles não deixam; cada um monopoliza um lado do debate..." Sei. O que se deveria exigir de ambos? Que renunciassem a ser quem são para que outros pudessem ser o que ainda anseiam ser? Obviamente, isso não vai acontecer.

E não que ambos, Lula e Bolsonaro, estejam em condições de igualdade no jogo. A chance de o atual presidente não disputar a reeleição está ligada apenas à sua condição de saúde e é hoje remotíssima, para usar o superlativo tão ao gosto do agregado José Dias, de "Dom Casmurro". A chance de o ex-presidente disputar é nenhuma. Lula ser ou não candidato também vai ajudar a definir quem será o "J. Pìnto Fernandes" (do poema "Quadrilha, de Drummond) da extrema-direita. No calendário, 2026 nem está tão longe. No tempo da política, pode ser uma eternidade. Ainda não será desta vez, quero crer, que o extremismo de centro vai conseguir banir também Lula da disputa para facilitar a vida de seu Príncipe Nem-Nem, de seu Cavaleiro Sem Cabeça, imune a trepanações...

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.