Reinaldo Azevedo

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Opinião

Mentira de Sóstenes 2: texto de Valadares pouparia até fascistoides futuros

O deputado Rodrigo Valadares (União-SE) não se contentou em propor um texto inconstitucional, que livra a cara de todos os golpistas do presente e do passado. Ele houve por bem proteger também os do futuro. Seu projeto muda a redação dos tipos penais relativos a tentativa de golpe de estado e tentativa de abolição do Estado de direito. Escreve:
"Art. 4º O caput do art. 359-L da Parte Especial do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:
'Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência
contra a pessoa ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais"

Art. 5º O caput do art. 359-M da Parte Especial do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência
contra a pessoa ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído"

Explica-se: ele acrescenta o "contra a pessoa" nos respectivos artigos. E não que ele tente esconder o que pretende. Mais adiante, ao inserir alguns parágrafos no Artigo 359-T do Código Penal, o autor se revela:
"
As expressões "com emprego de violência contra a pessoa ou grave ameaça" e "por meio de violência contra a pessoa ou grave ameaça", contidas neste Título, serão interpretadas no sentido de se exigir, para a caracterização do crime, a utilização de meios eficazes à efetiva consumação do tipo penal."

Eis a alegação de Bolsonaro em formato de proposta legislativa. O ex-presidente vive a indagar ao negar que tenha havido tentativa de golpe: "Cadê os tanques? Cadê as metralhadoras"? Na prática, o que se faz é legitimar as conspirações, o que o deputado deixará ainda mais claro em outra passagem.

A ser como quer tão notável pensador, um presidente da República ou outra autoridade qualquer, inclusive militares, poderiam conspirar à vontade contra as instituições. Tome-se o exemplo conhecido: as reuniões de Bolsonaro com os comandantes militares, por exemplo, para discutir minuta do golpe seriam, sei lá, coisa de rotina burocrática: "Teve tanque na rua? Alguém saiu com a metranca? Não? Então nada aconteceu".

Valadares quer legalizar a tentativa de golpe de estado e a tentativa de abolição do estado de direito. Sem arma e sem mortos, não haveria crime. Assim, seu projeto cheira a sangue. Afinal, golpes bem-sucedidos não são, obviamente, punidos. E malsucedidos teriam, necessariamente, de produzir corpos. Há um aspecto homicida em sua invectiva contra o Supremo.

Destemido, o cara vai adiante.

Hoje, o Artigo 359-T do Código Penal diz o seguinte:
"Art. 359-T. Não constitui crime previsto neste Título a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais."

E está certo. Não se deve confundir protesto reivindicatório com tentativa de golpe.

O intrépido parlamentar houve por bem acrescentar sete parágrafos ao artigo e transformou o direito de manifestação num vale-tudo. Escreve por exemplo:
"
§ 4º O mero apoio financeiro, logístico ou intelectual para manifestações cívicas ou políticas, voltadas à defesa de direitos e garantias fundamentais ou a quaisquer outros valores presentes no seio social, não pode ser enquadrado, por si só, como ato de financiamento contrário ao ordenamento jurídico, nos casos em que integrantes ou dirigentes do movimento venham agir, eventualmente, com abuso de direito ou desvio de finalidade."

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Opa! Atenção para este trecho: "manifestações cívicas ou políticas, voltadas à defesa de direitos e garantias fundamentais ou a quaisquer outros valores presentes no seio social (...)"

Como é? "Manifestações cívicas ou políticas, voltadas à defesa de direitos e garantias", convenham, apesar da amplitude, são, obviamente, legais porque se está a falar de "direitos e garantias". Mas o que significa a expressão "outros valores presentes no seio social"? Ora, no "seio social", há grupos neonazistas, por exemplo, ou de justiceiros. Então os financiadores de gangues que atuem "com abuso de direito e ou desvio de finalidade" não poderão responder pela escolha que fizeram? Ao financiador se garante, por princípio, a impunidade?

CRIME MULTITUDINÁRIO
Ah, sim: o deputado também resolveu acrescentar o seguinte paragrafo ao Artigo 359-T:

"§ 2º A condenação pelos crimes previstos neste Título não admite a incidência da figura do crime multitudinário, tampouco de qualquer teoria similar fundada na desindividualização ou na generalidade das condutas, exigindo-se, como pressuposto para a condenação, a individualização concreta dos atos praticados por cada coautor ou partícipe."

Eu poderia começar a contestar o valente indagando o que ele pensa quando os seus coleguinhas de ideologia babam seu rancor contra o MST, por exemplo, no caso de ocupações de terra. Não só vociferam pedindo que punam todos os "invasores" como defendem que se considere o ato crime de terrorismo, o que é uma estupidez.

Valadares poderia me responder: "Ah, mas eu sou contra o crime de multidão apenas nesses casos em que a extrema direita tenta dar golpe de estado ou abolir o estado de direito. Já o MST, eu quero na cadeia, como o governador Tarcísio".

Ah, bom...

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Valadares, um tipo que, chegando ao limite, resolve sempre dar mais um passo, propõe também que se altere a prerrogativa de foro — matéria constitucional que tem sido disciplinada pelo Supremo — por meio de projeto de lei, o que é um absurdo adicional. Isso pede uma análise específica.

Não se trata, em suma, de um projeto de lei em favor da anistia, mas de uma canalhice que perdoa os golpistas do passado e do presente e protege fascistoides do futuro.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

6 comentários

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Luis Alberto de Araujo Ramos

Agora vem projeto com ar de perdão, anistia pro 08 de janeiro e sua invasão. Dizem que é paz, que o país precisa curar, mas querem é livrar quem tentou golpear. Falam de união, de feridas doídas, mas esquecem das mortes e portas partidas. Querem apagar com caneta e café, o dia em que rasgaram a Constituição de pé. Anistiar golpe é brincar com o chão, que sustenta o Estado e sua razão. Se invadir palácio virar só deslize, então a democracia vira meme — e reprise. E o Congresso, eleito pelo voto fiel, agora flerta com golpe em papel. Assina sorrindo o esquecimento legal, como se anistiar crime fosse ato moral. Bradam em nome da pátria ferida, mas cospem no pacto que garante a vida. De democratas só sobra o crachá, o resto é teatro — pra plateia aplaudir e chorar. — Versos de Resistência Sarcástica rima que cutuca até com flor.

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Ipojucan Carneiro da Costa

Sem Anistia. Todos golpistas no Cilindró.

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Rodrigo Ignácio Nassur de Luca

Sem anistia! Sem impunidade! Lugar de golpista é na cadeia!!!

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