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Tales Faria

OPINIÃO

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Envolver os militares na fiscalização das eleições foi o erro original

O ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, pediu até a inclusão de mais nove militares na inspeção das urnas ao TSE - Reprodução/Flickr Ministério da Defesa
O ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, pediu até a inclusão de mais nove militares na inspeção das urnas ao TSE Imagem: Reprodução/Flickr Ministério da Defesa

Colunista do UOL

18/10/2022 12h44

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Há o sério risco de se revelar a continuidade de um erro do próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a cobrança feita pelo presidente da Corte, Alexandre de Moraes, para que as Forças Armadas divulguem os resultados da auditoria que os militares fizeram nas urnas eletrônicas.

O erro é conceitual: militares não têm que fiscalizar a confiabilidade das urnas ou do sistema eleitoral. Isso é atribuição exclusiva da Justiça eleitoral, assessorada por órgãos absolutamente técnicos escolhidos a dedo.

O erro original partiu do próprio TSE. Infelizmente do ministro Luís Roberto Barroso, um dos mais qualificados e mais bem intencionados integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF).

Quando presidiu o TSE, Barroso entrou na linha de tiro do presidente da República, Jair Bolsonaro. Em defesa da cidadania e da democracia, ele enfrentou bravamente os ataques dos bolsonaristas instigados pelo chefe do poder Executivo.

Para tentar neutralizar definitivamente as acusações de Bolsonaro de que poderia haver fraude nas urnas eletrônicas, o então presidente do TSE convidou as Forças Armadas a integrar o colegiado da Comissão de Transparência das Eleições. Ele acreditava que o indicado seria o contra-almirante Marcelo Gurgel de Souza.

Tratava-se de um especialista reconhecido pelo tribunal. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e com mestrado em engenharia de softwares pelo respeitado Instituto Militar de Engenharia (IME), Gurgel de Souza chegou a obter o aval do comando da Marinha.

À época, o ministro da Defesa era o general Braga Netto, hoje candidato a vice na chapa de Bolsonaro, que resolveu encaminhar outro nome: o general Heber Portella, chefe da segurança cibernética do Exército, cujo perfil bolsonarista inviabilizou seu relacionamento com Edson Fachin quando este sucedeu Barroso do TSE.

Acabou que o atual ministro da Defesa e ex-comandante do Exército, Paulo Sérgio Nogueira, se colocou como substituto de Portella na Comissão de Transparência, sem no entanto abrir mão da pressão sobre a Corte eleitoral.

Paulo Sérgio Nogueira deu eco às insinuações de Bolsonaro com exigências de explicações sobre o processo eleitoral e promoveu a tal fiscalização paralela das Forças Armadas cujo resultado ele acabou não revelando.

Tem razão a Rede Sustentabilidade quando argumenta, em sua ação junto ao TSE, que Bolsonaro, como candidato à reeleição, defendeu essa checagem alternativa das eleições, e que essa auditoria não poderia ser financiada com recursos públicos.

Tem razão também Alexandre de Moraes quando, em seu despacho, afirma que essa auditagem feita pelas Forças Armadas parece "demonstrar a intenção de satisfazer a vontade eleitoral manifestada pelo chefe do Executivo, podendo caracterizar, em tese, desvio de finalidade e abuso de poder".

Sim. Mas se for verdade que o comando militar pode estar agindo a serviço do presidente da República, como suspeita a Rede e admite Alexandre de Moraes, não é impossível que o tal relatório venha a ser construído à imagem e semelhança do Planalto.

A questão é: para que a sociedade deve correr o risco de ver divulgado um relatório sob suspeitas?

Sinceramente, não interessa saber o resultado desse relatório, porque ele nasce de um erro original: os militares nada têm a ver com fiscalização das urnas eletrônicas.