Alckmin brinda com Coca, mas sai derrotado da reforma tributária
Na semana passada, depois de o Senado aprovar alívio tributário para bebidas açucaradas, o vice-presidente e ministro da Indústria, Geraldo Alckmin (PSB), voou para Manaus. Foi recebido com pompa na fábrica da Coca-Cola na Zona Franca e brindou a decisão de Brasília com uma lata de refrigerante. "Hoje o cafezinho está sendo substituído por uma coquinha", comemorou.
Depois Alckmin vestiu avental e touca, percorreu as instalações da fábrica e "inaugurou" um investimento de quase meio bilhão de reais para a expansão da planta da Coca na Zona Franca de Manaus.
Médico de formação, Alckmin foi procurado pela coluna e enviou uma nota após a publicação da reportagem. "Festejamos com a sociedade brasileira a aprovação, pelo Congresso Nacional, da reforma tributária, uma conquista para o desenvolvimento econômico depois de 30 anos de espera", disse. (Leia a íntegra abaixo)
Ao lado dele estavam os senadores Eduardo Braga (MDB-AM), relator da regulamentação da reforma tributária, e Omar Aziz (PSD-AM).
Eles trabalharam para ampliar os benefícios tributários da indústria de alimentos. Conseguiram tirar as bebidas açucaradas como refrigerantes e sucos industrializados do "imposto do pecado" —o imposto seletivo de alíquota mais alta para produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente.
Puseram biscoitos e bolachas na alíquota reduzida —uma categoria sobre a qual incidirá 60% a menos de tributos que a alíquota padrão do novo IVA.
Contaram para isso com um batalhão de senadores da bancada ruralista que apresentaram emendas com os mesmos objetivos.
Dois deles têm negócios privados que se beneficiariam diretamente da medida se aprovada.
Vanderlan Cardoso (PSD-GO), cuja emenda foi aprovada no Senado, tem participação na Cicopal, uma fábrica regional de salgadinhos, biscoitos e refrigerantes.
Fernando Farias (MDB-AL) é sócio de empresas como a Usina Caeté, que cultiva cana-de-açúcar.
As medidas, contudo, aumentariam a alíquota padrão do IVA, e foram derrubadas na Câmara dos Deputados.
A ACT Promoção da Saúde, uma organização da sociedade civil que atua na área, simulou o aumento do imposto com esses benefícios na calculadora do Banco Mundial. O alívio para bebidas açucaradas elevaria em 0,26% a alíquota padrão. O benefício para bolachas e biscoitos, em 0,10%.
Em votação nesta segunda-feira (16), os deputados reverteram essas medidas. Também derrubaram um artigo incluído pelo Senado que permitia redução de tributos para produtos nocivos que fizessem "ações de mitigação" sem explicitar critérios para isso. A Câmara também impôs reajuste de preços a esses produtos pela inflação.
Apesar da reviravolta, a indústria de alimentos ainda tem o que comemorar. As fábricas de refrigerante recebem cerca de R$ 3 bilhões em benefícios fiscais da Zona Franca, segundo estudo da ACT com base em dados da Receita Federal. E foram beneficiados por mais R$ 200 milhões em créditos de CBS na reforma tributária.
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Quero receber"Claro que estão expandindo fábrica", disse Paula Johns, diretora da ACT. "Lá é uma mina de ouro em créditos tributários."
O coordenador de advocacy da ACT, Marcello Baird, acompanhou a tramitação da reforma tributária desde o ano passado e disse que "poucas vezes viu um lobby tão intenso e bem articulado como esse da indústria de refrigerantes, associado à indústria de alimentos".
Segundo Baird, era esperado que no Senado a tarefa seria árdua "porque é a Casa dos estados, e o Amazonas tem um peso muito grande".
"De fato eles conseguiram, inclusive com participação do relator, que fez manobra de deixar no texto os refrigerantes [com imposto do pecado] e articular por trás para tirar. Então essa volta na Câmara foi uma vitória, uma conquista grande para os grupos que defendem alimentação saudável."
Organizações da sociedade civil entendem que a tributação de bebidas açucaradas, em especial refrigerante, pelo imposto do pecado teria um efeito pedagógico de "desnaturalizar" o consumo de produtos ultraprocessados.
Bebidas açucaradas causam sobrepeso, obesidade, cáries e doenças crônicas não transmissíveis, como hipertensão e diabetes —cerca de 1,4 milhões de novos casos por ano. Contêm ainda aditivos associados ao aumento do risco de câncer.
Crianças consomem diariamente mais ultraprocessados (30,4% em calorias) do que adultos (19,5% em calorias).
O senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO) disse em nota que "é extremamente criterioso ao apresentar emendas".
"Os pleitos atendidos pelo senador são públicos, amplamente debatidos nas comissões do Senado Federal e apoiados por parlamentares de diversos partidos, sejam da base ou da oposição."
Leia a íntegra da nota de Alckmin:
Festejamos com a sociedade brasileira a aprovação, pelo Congresso Nacional, da reforma tributária, uma conquista para o desenvolvimento econômico depois de 30 anos de espera. O Brasil entra no clube dos países com sistema tributário simplificado para melhoria do ambiente de negócios. Parabéns ao Presidente Lula por liderar esta reforma estruturante e decisiva, e o ministro Fernando Haddad pelo trabalho competente realizado.
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