Tiago Mali

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Opinião

Tem mais. Os 36 mil supersalários são só uma parte do total

Um levantamento inédito publicado pelo UOL identificou 36 mil servidores públicos que receberam em 2024 remuneração superior à dos ministros do STF.

O número real, no entanto, deve ser significativamente maior devido a lacunas nos dados disponíveis.

Você deve ter percebido cada vez mais reportagens nos jornais sobre pagamentos elevados a juízes, promotores e procuradores. Ao contrário do que dizem tribunais, não se trata de perseguição. Trata-se de "excesso de material".

O levantamento do UOL permite entender de vez a dimensão desse problema. Baseado na metodologia do professor Bruno Carazza, autor de "O País dos Privilégios", a pesquisa mostra que esses pagamentos crescem de forma acelerada, ano a ano, embalados por novos adicionais.

Ocorre que o levantamento, embora extenso, também encontrou obstáculos de acesso a informações.

Listo abaixo as lacunas em algumas áreas:

  • Ministério Público - os dados disponíveis em 2024 ainda são parciais e representam metade do total de promotores e procuradores. Se a quantidade de supersalários do MP for semelhante à de 2023 (o que é provável), o total passaria de 43 mil funcionários públicos;
  • Judiciário - no momento da pesquisa, 8 tribunais ainda não haviam enviado os contracheques de dezembro de 2024 ao CNJ;
  • Executivo Federal - os contracheques de dezembro do ano passado ainda não estavam disponíveis;
  • AGU - Advogados da União recebem, além do pagamento do Estado, uma espécie de bônus por meio de uma entidade privada. Essa renda, não captada no levantamento, pode fazer a remuneração dos servidores superar o teto;
  • Outras esferas - foram analisados 1,2 milhão de servidores. Há, porém, 12,8 milhões de funcionários públicos no Brasil. A elite do funcionalismo (Executivo Federal, Câmara, Judiciário e MP de todos os estados) foi contemplada, mas deve haver também supersalários, em menor proporção, nos executivos e legislativos estaduais.

Ou seja, é quase certo que existem mais do que os 36 mil pagamentos funcionários públicos identificados em 2024 acima da remuneração dos ministros do Supremo.

Como comparação, em 2023, ano em que as bases de dados estão mais completas, foram identificados 40,5 mil funcionários com remuneração acima dos ministros do Supremo. A tendência é que, quando todas as informações estiverem disponíveis, o número de 2024 seja ainda maior.

BRASIL DOS PRIVILÉGIOS

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Imagem: Arte/UOL

Não são apenas mais reportagens, são mais casos

O levantamento do UOL indica um padrão claro: ano a ano, aumenta o número de funcionários com supersalários e o custo disso aos cofres públicos.

Isso explica o aumento do interesse no tema pela imprensa. Mas não só.

Aumentou também a facilidade para acessar esses dados. Com mais transparência, há mais fiscalização.

Houve um esforço de transparência do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) nos últimos anos. Pressionado pela sociedade civil, o conselho centralizou os contracheques dos magistrados de todos os tribunais brasileiros em uma única plataforma de fácil acesso.

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Em vez de acessar 93 sites de órgão judiciários diferentes, o painel do conselho permite consultar remuneração de magistrados de todo o Brasil num painel online.

Ou seja, o aumento da transparência também tornou mais fácil identificar os casos de supersalários.

Quem tem papel fundamental nessa história é a ONG Transparência Brasil. Por meio do projeto DadosJusBr, ela tem padronizado os dados do CNJ e coletado contracheques dos diferentes órgãos do Ministério Público.

Sem esse trabalho, seria muito mais difícil consolidar as informações e produzir reportagens sobre o tema. Esse esforço da ONG permite a qualquer cidadão consultar rapidamente informações que levariam muito tempo para serem coletadas.

E aqui vai uma nota negativa sobre os MPs. Ao contrário do que acontece com o Judiciário, não há uma base de dados unificada com os contracheques de promotores e procuradores.

Se você quiser calcular a média de remuneração dos órgãos estaduais, teria de entrar em 27 sites diferentes, baixar 12 planilhas e tratar os dados, já que cada um divulga num formato diferente.

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Para piorar, uma resolução de 2023 passou a exigir identificação para acessar os dados, medida que claramente dificulta a transparência.

É por causa desses empecilhos que os dados de 2024 ainda não estão completamente tabulados pela Transparência Brasil.

Também vale uma nota negativa ao Senado Federal.

Logo depois da entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação, o Sindelegis (Sindicato dos Trabalhadores do Legislativo Federal e do Tribunal de Contas da União) obteve uma decisão na Justiça para impedir a divulgação dos nomes dos servidores nos contracheques.

A medida vai na contramão do que acontece, por exemplo, no Portal da Transparência do governo federal, onde é possível consultar a remuneração paga com o dinheiro público a qualquer servidor.

Ao aplicar a decisão, no entanto, o Senado piorou o que já era ruim: retirou qualquer informação que pudesse distinguir um servidor do outro na base de dados.

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Ao contrário do que fez a Câmara, que também retirou o nome dos funcionários, mas manteve um número único para cada um deles, o Senado suprimiu essas informações.

Por isso, o UOL não pôde calcular a média de remuneração dos servidores do Senado, já que não há como comparar a remuneração do mesmo funcionário em meses consecutivos

#Aviso ao leitor:

A partir de hoje passo a escrever nesta coluna histórias escondidas por trás de bases de dados e temas correlatos. Você me encontra por aqui e pode enviar dicas de pauta em cpl_tmali@uolinc.com, no x, ou no bluesky.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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