Criminosos usam IA e alteram voz de Cesar Tralli em golpe de kit churrasco
André Nicolau*
Colaboração para o UOL, em São Paulo
22/11/2023 04h00Atualizada em 22/11/2023 17h19
Criminosos estão utilizando IA (Inteligência Artificial) para modificar a voz do apresentador do Jornal Hoje, Cesar Tralli, para aplicar o golpe do falso kit de churrasco. Nele, seria possível servir 15 pessoas por menos de R$ 90 por meio de uma suposta parceria entre governo federal e a Friboi.
Porém, tudo não passa de uma mentira. O governo federal nega a existência do programa, enquanto a Friboi disse que não realiza promoções deste tipo. Já a Rede Globo informou que o vídeo sofreu manipulação.
O que diz o post
A postagem desinformativa utiliza um trecho do Jornal Hoje, da TV Globo. Porém, em baixa qualidade. Nele, o apresentador Cesar Tralli supostamente diz:
"Começa a valer hoje o programa do governo em parceria com a renomada empresa brasileira Friboi, que pretende beneficiar mais de 50 mil famílias no mês de dezembro em comemoração do ano novo. Cada família tem o direito de receber em sua casa o kit churrasco para até 15 pessoas por um preço popular. O kit, que originalmente custa R$ 500 vai valer menos de R$ 90. Para se inscrever, é bem simples: basta acessar o site oficial do governo, digital o CPF e, se você estiver elegível, basta pagar essa taxa popular e seu kit churrasco, em parceria com o governo federal, chegará na sua casa na data programada", diz a voz semelhante à de Cesar Tralli.
Na legenda está escrito ainda "Kit de churrasco para até 15 pessoas por menos de R$ 90" e, na linha abaixo: "Novo programa do governo beneficia mais de 25 milhões de brasileiros".
Já na descrição da postagem é colocada a frase: "Em super programa do Réveillon, a empresa Friboi oferece Kit churrasco para 15 pessoas por menos de R$ 90. Confira disponibilidade".
O vídeo exibe ainda cenas de trabalhadores descarregando peças de carne de um caminhão e de pessoas trabalhando em um frigorífico.]
O usuário é levado a clicar em "Saiba Mais", que redirecionada a uma nova página. Nela, um assistente virtual passa a solicitar alguns dados pessoais como nome, CPF e município de residência.
Após "aprovação" dos dados, o usuário é orientado a escolher uma data para recebimento do Kit Churrasco. Por fim, ele é encaminhado a uma página onde pode realizar o pagamento do pedido via Pix.
Por que é falso
Governo federal nega a existência do programa. "Qualquer anúncio em rede social ou mesmo post geral, falando de algum programa do Governo Federal para um "kit churrasco", se trata de mais um golpe que circula na internet.", diz trecho da nota encaminhada ao UOL Confere.
Friboi diz que não realiza "promoções conectadas a benefícios sociais públicos" e que não solicita pagamentos via PIX, segundo comunicado no site oficial da marca.
Rede Globo diz que imagens "foram manipuladas e não são reais", em nota encaminhada ao UOL Confere.
Golpe usa aplicativo de inteligência artificial, segundo o especialista em Tecnologia da Informação Leonardo La Rosa. Nele, é possível recriar a voz de outra pessoa por meio de um treinamento com áudio de até um minuto de duração. "Veja que, na imagem, o Cesar Tralli não está falando sobre isso. Mas como é muito rápido, o áudio e a transição de imagens criam um cenário e nosso cérebro junta as partes, ignorando alguns pontos que faltam", explica.
Site é falso. A postagem leva para o site "cnnplantao.com", que está atualmente fora do ar. No começo do mês, a CNN Brasil alertou para o uso indevido da marca para outro golpe, que também utilizava layout semelhante ao site da emissora (veja aqui).
Criminosos readaptaram golpe. O falso "kit de churrasco" é uma versão modificada do "ceia para todos" que, na verdade, não existe, como mostrou UOL Confere em 8 de novembro (veja aqui). Na época, era utilizado o nome do governo federal e da Seara, que negaram a existência do programa.
O conteúdo também foi checado pelas agências Reuters (aqui) e Boatos.org (aqui).
Como não cair em um golpe
Fique atento às informações da empresa em que está comprando e desconfie de promoções excessivamente vantajosas. Pesquisar sobre a suposta empresa e observar com atenção o site podem ajudar a descobrir se o conteúdo é potencialmente fraudulento. É o que orienta Renata Reis, assessora técnica do Procon de São Paulo, e Marco Antonio Araujo Junior, professor de direito e especialista em direito do consumidor na era digital. Confira:
Verifique se a empresa tem endereço informado e se há Serviço de Atendimento ao Consumidor. Caso tenha, entre em contato com o número informado e veja se atende e se é verdadeiro.
Observe se o site informa o CNPJ da empresa e se está devidamente formalizada. É possível consultar a situação da empresa na Rede Sim, criada pelo governo federal (veja aqui)
Analise também reclamações sobre a empresa na internet. Verifique a reputação da empresa no site Reclame Aqui. Outra opção é consultar o Consumidor.gov.br, mantido pela Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça —para fazer uma reclamação, é preciso que a empresa esteja cadastrada na plataforma.
Se você recebeu o link da promoção por alguma rede social, verifique se o link é oficial. Golpistas costumam usar links muito parecidos aos de lojas verdadeiras para enganar. Confira a grafia do link com a grafia da empresa. Busque a promoção no site oficial da loja.
Evite esses sites. O Procon-SP mantém uma lista de lojas virtuais (veja aqui) que foram denunciadas por consumidores, principalmente pela falta de entrega do produto comprado, e que não responderam ao serem notificadas. A lista possui 91 sites. Confira clicando aqui.
Em compras virtuais, dê preferência a pagamento em cartão de crédito. As empresas operadoras atuam como mediadores das compras e podem auxiliar a identificar a fraude e até mesmo realizar o estorno do valor.
Ao optar por pagamento por Pix ou boleto, verifique antes de concluir o pagamento se o CNPJ é o mesmo da empresa. Se aparecer o nome de uma pessoa física, ou um nome diferente da empresa identificada, há indício de fraude, alerta a assessora técnica do Procon-SP, Renata Reis.
Caí em um golpe. E agora?
Registre o boletim de ocorrência imediatamente. A recomendação é do delegado Carlos Afonso Gonçalves, da Divisão de Crimes Cibernéticos da Polícia Civil de SP. No estado de São Paulo, o registro pode ser feito de forma virtual pelo site da Delegacia Eletrônica (aqui).
Faça uma reclamação contra a empresa no Procon. A orientação é da Secretaria Nacional do Consumidor. Veja quais são os canais e contatos para fazer a denúncia em cada estado do país aqui.
Entre em contato com o seu banco ou operadora do cartão de crédito para denunciar a fraude e tentar o estorno do valor.
No caso de pagamentos em PIX, é possível reaver o dinheiro enviado - em casos de fraude ou golpe - por meio do MED (Mecanismo Especial de Devolução) - veja mais informações aqui.
Caso não consiga reaver o dinheiro, avalie entrar com uma ação judicial. No Juizado Especial Cível é possível ajuizar ações que tenham valor da causa menor que 20 salários mínimos sem a necessidade de ser acompanhado por um advogado. "Ajuizar ação para reaver eventuais prejuízos pode ser uma opção um pouco mais demorada. Mas orientamos que sempre que possível consulte um advogado de sua confiança para obter a melhor orientação jurídica", observa Araujo Junior
(*) Com informações de Isabela Aleixo, do UOL, e de Hygino Vasconcellos e Simone Machado, colaboração para o UOL.
Sugestões de checagens podem ser enviadas para o WhatsApp (11) 97684-6049 ou para o email uolconfere@uol.com.br.
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