Topo

Caso Celso Daniel pode mudar paradigma das investigações no Brasil

Rosanne D'Agostino

Do UOL Notícias<br>Em São Paulo

18/11/2010 07h00

Um habeas corpus do empresário Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, o principal acusado pela morte do ex-prefeito de Santo André, Celso Daniel (PT), pode definir o futuro das investigações criminais no país. O pedido aguarda julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) e questiona parte das investigações sobre o crime, ocorrido em 20 de janeiro de 2002. 

Em um caso conturbado pelas divergências entre policiais e promotores, duas hipóteses foram aventadas para explicar a morte de Daniel, cujo corpo foi encontrado em uma estrada de Juquitiba, no interior paulista, alvejado por tiros e com sinais de tortura. 

De acordo com investigações do DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), o grupo de criminosos estaria em busca de um empresário e sequestrou Daniel por engano. Quando perceberam, o chefe da quadrilha teria ordenado a soltura, mas um dos integrantes se confundiu e determinou que um menor o matasse. Com base nesse inquérito, em abril de 2002 a denúncia foi apresentada por extorsão mediante sequestro com o resultado morte, um crime comum, segundo a polícia. 

Foragido, primeiro acusado por morte vai a júri popular

Quase nove anos após o crime, o primeiro réu do caso Celso Daniel enfrenta o júri popular nesta quinta-feira (18). Foragido, Marcos Roberto Bispo dos Santos é acusado pelo assassinato do ex-prefeito de Santo André (SP), do PT, ocorrido em 2002. O julgamento está previsto para as 9h30 no Fórum de Itapecerica (SP)

Após a insistência da família de Daniel, novas investigações foram realizadas pelo Gaerco (Grupo de Atuação Especial Regional de Prevenção e Repressão ao Crime Organizado do ABC), do Ministério Público de São Paulo. Em dezembro de 2003, a denúncia foi aditada, incluindo Sombra, tido apenas como testemunha pela polícia, com a nova narrativa para o crime, de que houve motivação política. 

Para o MP, Sombra comandaria um esquema de recolhimento de propina de empresas de ônibus na região do ABC paulista, dinheiro que seria transferido para o PT e também para contas pessoais. Quando o réu soube que Celso Daniel teria um dossiê e ameaçava delatar o esquema por ser contra o uso pessoal da propina, Sombra resolveu matá-lo. Ele era amigo pessoal, foi segurança e era assessor de confiança do ex-prefeito. E nega todas as acusações. 

Em 2005, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) chegou a ir até o local do crime, onde ouviu de um dos moradores que Sombra não foi rendido pelos criminosos. Naquele ano, após o escândalo do mensalão, o inquérito foi reaberto. Isso porque João Francisco Daniel, irmão de Celso Daniel, havia afirmado à época do crime que o suposto esquema em Santo André alimentou campanhas do PT, e o dinheiro seguiria em malas para o escritório do deputado José Dirceu (PT-SP).

Também em 2005, os presos pelo assassinato afirmaram à CPI dos Bingos que se tratava de um crime comum, mudando a versão apresentada e irritando os promotores do caso. Em novembro de 2006, a segunda fase da investigação foi encerrada pela polícia, sem novos suspeitos.

O médico-legista Carlos Alberto Delmonte Printes, que examinou o corpo do ex-prefeito e afirmou que ele foi torturado, foi encontrado morto em 12 de outubro de 2005. Como se tratava da sétima pessoa morta com algum tipo de ligação com o caso, a princípio, todas as hipóteses foram investigadas. O laudo final, no entanto, indicou que ele cometeu suicídio ingerindo três medicamentos simultaneamente.

No STF, a defesa de Sombra alega que todos os atos de investigação dos promotores paulistas devem ser considerados nulos. Por isso, pede o arquivamento da ação penal. Para os advogados do empresário, o promotor não pode ser imparcial ao investigar, porque é parte da ação penal. Isso provoca, para a defesa, uma “absoluta insegurança jurídica”.

Em ações sobre o mesmo tema, a AGU (Advocacia Geral da União) enviou parecer ao Supremo no habeas corpus, afirmando ser inconstitucional o poder de investigação criminal do Ministério Público. Segundo José Antonio Dias Toffoli, então advogado-geral e agora ministro do STF, a Constituição Federal atribuiu apenas às polícias Federal e Civil dos Estados a competência para as atividades de polícia judiciária.

Caso a tese seja aceita pela maioria dos ministros, todos os processos idênticos serão anulados. Isso porque a Corte já reconheceu a repercussão geral no caso. Já o então procurador-geral da República Antonio Fernando Souza defendeu, em 2008, afirmou o oposto. Para o representante do Ministério Público Federal, que também opina em ações no Supremo, não existe restrição às investigações.

O habeas corpus estava previsto para ser julgado este ano, mas ainda não há previsão para ser colocado em pauta no plenário do STF. O relator é o ministro Marco Aurélio de Mello. Sombra está em liberdade desde 2004, por decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Envolvidos que morreram ao longo das investigações

Dionísio Aquino Severo - Suposto sequestrador de Celso Daniel e uma das principais testemunhas no caso, foi morto por uma facção rival antes de ser ouvido sobre o crime
Sergio 'Orelha' - Teria escondido Dionísio após o sequestro. Foi fuzilado em novembro de 2002
Otávio Mercier - Investigador da Polícia Civil que telefonou para Severo na véspera da morte de Daniel, foi morto a tiros em sua casa
Antonio Palácio de Oliveira - O garçom que serviu Celso Daniel na noite do crime morreu em fevereiro de 2003 após ser perseguido em sua moto
Paulo Henrique Brito - Testemunhou a morte do garçom e foi morto com um tiro nas costas, 20 dias depois
Iran Moraes Redua - O agente funerário foi o primeiro a identificar o corpo de Daniel e chamou a polícia. Morreu com dois tiros em novembro de 2004
Carlos Alberto Delmonte Printes - Médico-legista que constatou indícios de tortura ao examinar o corpo de Daniel