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Onda de violência é "preço que Rio paga" por combater tráfico, diz ex-capitão do Bope

Carro é atingido por tiros em rodovia do Rio; duas pessoas morrem. Veja mais imagens - Guilherme Pinto / Agência O Globo
Carro é atingido por tiros em rodovia do Rio; duas pessoas morrem. Veja mais imagens Imagem: Guilherme Pinto / Agência O Globo

Guilherme Balza

Do UOL Notícias <BR> Em São Paulo

24/11/2010 07h00Atualizada em 14/01/2011 16h04

A semana começou com uma onda de violência no Rio de Janeiro. Somente no domingo e na segunda-feira, oito carros foram incendiados e duas bases da polícia metralhadas por traficantes. Entre a noite de ontem (23) e a manhã de hoje, 16 veículos também foram queimados e, somando as últimas duas semanas, criminosos atearam fogo em cerca de 30 veículos na capital e em cidades da região metropolitana. Já a zona sul vê um crescimento no número de arrastões e furtos ao longo dos últimos dois meses.

Para o ex-capitão do Bope (Batalhão de Operações Policiais da Polícia Militar do RJ), Rodrigo Pimentel --que inspirou o personagem capitão Nascimento, de Tropa de Elite--, a onda de violência deflagrada no Rio de Janeiro é o preço que o governo e a sociedade têm de pagar em razão da intensificação da repressão ao tráfico.

As autoridades fluminenses acreditam que a ordem para o início da onda de violência saiu de dentro de presídios --ontem foi pedida a transferência de oito presos do Estado para prisões federais.

Também ontem, o comando do presídio de segurança máxima de Catanduvas (487 km de Curitiba) anunciou a mudança em seu comando depois que um bilhete com planos de ataque às UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) ter sido apreendido na unidade, em outubro.

Na avaliação de Pimentel, que é parecida com a do secretário de Segurança Pública, José Maria Beltrame, os ataques são uma resposta à instalação de UPPs nas favelas cariocas, à transferência de presos para outros Estados e ao fato de a polícia ter começado a investigar também os familiares de criminosos.

 “Todos têm que entender que se for esse o preço que a gente tem que pagar, com carros queimados, dias de medo, que a gente pague. Num futuro muito próximo vamos colher os benefícios”, afirma o policial, que foi capitão do Bope entre 1995 e 2000.

Por que queimar carros?

Segundo Pimentel, os incêndios em carros são orquestrados por facções para causar pânico na sociedade e obter visibilidade. “São claramente ações orquestradas. Os criminosos pedem para o ocupante sair do carro até com paciência e calma”, diz. “Mas é uma ação de terror, para causar pânico, obter visibilidade. Nada melhor para causar medo do que uma coluna de fumaça preta vista a uma grande distância”, diz.

O ex-capitão do Bope defende a opção da polícia de retomar as ocupações de favelas, medida que foi deixada de lado desde a morte do menino Wesley de Andrade, 11, atingido dentro da sala de aula por uma bala disparada durante uma troca de tiros entre policiais e traficantes, em julho desse ano, em Costa Barros (zona norte).

“Essa reação era esperada pelo governo? Logicamente era. O bandido não entrega de mão beijada seu maior patrimônio, que é o território. O interessante disso tudo é que a polícia não está recuando. A lógica de ocupações tinha sido abandonada, mas voltou”, afirma.

Familiares de traficantes investigados

Em 27 de outubro deste ano, policiais vasculharam a casa da mulher do traficante Elias Maluco por suspeitar que o patrimônio dela, avaliado em R$ 2 milhões, não é compatível com o salário que recebe como estagiária de advocacia. A polícia investiga se há lavagem de dinheiro e associação para o tráfico.

A ação na casa da mulher de Elias Maluco não foi isolada. De acordo com Pimentel, recentemente a polícia e o Ministério Público passaram a investigar familiares dos traficantes, o que nunca havia sido feito no Rio. “De alguns meses pra cá, familiares de presos que estão em Catanduvas foram investigados e indiciados pelo MP. A lógica de não mexer com familiares de presos foi quebrada”, afirma.

“Se existem evidências que familiares cometeram crimes, enriqueceram ilicitamente, o Estado tem que agir. Agora, é algo muito ousado e corajoso. Evidente que isso vai gerar uma reação.”

Rio de Janeiro sitiada?

Para Pimentel, dificilmente o Rio de Janeiro pode ser cenário de ataques dos níveis que aconteceram em maio de 2006 em São Paulo, quando o PCC (Primeiro Comando da Capital) incendiou dezenas de ônibus, atacou bases da polícia e matou quase 50 integrantes das forças de segurança do Estado --nos dias seguintes aos ataques, mais de 400 suspeitos foram mortos pela polícia em confrontos.

Sou mais feliz hoje longe do Bope,
afirma Rodrigo Pimentel

“Teria força para acontecer algo semelhante no Rio até ontem ou anteontem. Mas, a partir do momento em que as favelas são ocupadas de novo, como está sendo feito, eles (os traficantes) perdem a capacidade de mobilidade. Mas, se baixar a guarda, o Rio pode ser vítima de uma onda igual à de SP”, diz o ex-capitão do Bope.

Traficantes inimigos unidos

Nessa terça-feira, Beltrame levantou a hipótese de facções rivais do tráfico --Comando Vermelho e Amigos dos Amigos (ADA)-- estarem juntas nos ataques desta semana. Hoje, a polícia anunciou que irá investigar a possível aproximação. Antes da declaração do secretário, Pimentel afirmou à reportagem que “existem rumores de uma trégua entre os grupos”, que, segundo ele, estão enfraquecidos.

“As duas facções estão sendo esmagadas. Existem rumores, não comprovados pela inteligência da polícia, que eles combinaram uma trégua. Essa informação foi passada por agentes penitenciários do Rio. Se for verdade, é a primeira vez que isso acontece.”

E as milícias?

Apesar de o governo do Rio apostar que os ataques estão partindo de traficantes, atualmente são milícias formadas por ex-policiais e policiais que controlam o maior número de favelas na região metropolitana, sobretudo na zona oeste.

Questionado se a política de enfrentamento ao tráfico pode acabar favorecendo de alguma maneira os milicianos, Rodrigo Pimentel diz que a possibilidade disso acontecer é remota. “A milícia ocupa lugares que não estavam ocupados pelo tráfico. Se o enfraquecimento do tráfico continuar acompanhado de ocupações policiais, essa possibilidade é quase nula”, afirma o ex-capitão do Bope.