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Reduto de artistas e ponto turístico do Rio, Santa Teresa se prepara para receber três UPPs

Fabíola Ortiz<br>Especial para o UOL Notícias

No Rio de Janeiro

05/02/2011 07h00

O tradicional bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, referência para turistas e famoso por ser um reduto de artistas, vive a expectativa pela ocupação policial e a instalação de três Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas nove favelas que o cercam.

“Eu vejo com bons olhos a UPP, mas espero muito mais. Espero que não seja uma ocupação só policialesca, mas uma ocupação social de políticas públicas”, disse ao UOL Notícias Vânia Farias, vice-presidente do Conselho Municipal da Assistência Social e coordenadora do projeto Ballet de Santa Teresa, que atende a cerca de 100 crianças e adolescentes das comunidades que estão na mira da pacificação.

A ocupação das favelas de Santa Teresa e seu entorno – Querosene, Mineira, São Carlos, Fallet, Escondidinho, Fogueteiro, Coroa, Zinco e Prazeres – será o primeiro passo estratégico para a instalação das UPPs que beneficiarão cerca de 20 mil moradores.

Segundo Vânia, a violência afeta e incomoda a rotina dos moradores, principalmente de crianças das comunidades que muitas vezes presenciam crimes e assassinatos. “É frequente ouvir trocas de tiros. O nosso projeto começou no Morro da Coroa, mas há dez anos tivemos que sair de lá pela violência. Era impossível trabalhar. É uma situação comum as crianças presenciarem crimes e isso reflete no psicológico delas”, relata.

Apesar da expectativa para os próximos dias, Vânia disse que o clima antes da ocupação era de aparente tranquilidade e que a entidade vai abrir as portas na próxima segunda-feira (7), prazo final para a ocupação das comunidades. “As crianças estão vindo normalmente. Nós estamos preparados para funcionar nessa segunda-feira (7). Não há muito o que fazer, é uma situação que foge ao nosso controle, mas vamos manter as portas abertas. Que venha a ocupação social, o crime só entrou nas comunidades pela ausência do Estado”, enfatiza.

Sinal verde

“Estamos na concentração esperando o sinal verde”, garantiu ao UOL Notícias o tenente-coronel Ranulfo Brandão, comandante do 1º Batalhão de Polícia Militar (BPM) responsável pela área de Santa Teresa e dos bairros do entorno como Catumbi, Cidade Nova, Estácio e Rio Comprido, onde estão situados os acessos às favelas que serão ocupadas.

“A invasão começa com o Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais), e o 1º BPM fica na retaguarda. O cerco vai ser feito pela Polícia Civil junto com o Batalhão de Choque. Após a entrada a gente faz um tempo de manutenção até a implantação da UPP”, explicou o tenente-coronel Brandão.

Segundo informou o comandante, toda a área operacional do batalhão está mobilizada, são 60 homens e 14 viaturas que já estão fazendo um patrulhamento reforçado nos acessos às favelas.

A Secretaria Estadual de Segurança Pública criou uma central de inteligência para coordenar as ações de segurança e monitorar os criminosos das duas facções rivais que atuam nas favelas agora alvos da pacificação. Ainda não foram divulgados detalhes da operação que tem como prazo estipulado para ocorrer entre domingo (6) e segunda-feira (7). A Polícia Militar já começou a cercar os acessos das comunidades e conta também com o apoio de agentes da Polícia Civil e Federal. A Marinha deverá dar um apoio de fuzileiros navais e 11 veículos blindados para transporte de pessoal.

“A delegacia já está inteira à disposição para a vinda da UPP. É provável que não haja resistência, acredito que não vai haver o menor problema em relação à ocupação, ela vai ser pacífica”, garantiu Márcio Franco, titular da 7ª Delegacia de Polícia (DP) de Santa Teresa. Para o delegado, as unidades pacificadoras vão facilitar o trabalho da Polícia Civil, pois muitos moradores deixam de fazer registros ou dar queixas com medo de represálias.

O clima da população, segundo Márcio Franco, é de ansiedade. “A população já almejava a UPP e a pacificação das comunidades”. Apesar de Santa Teresa ser cercada por inúmeras favelas, o bairro é tranquilo, residencial com algumas pousadas e um fluxo oscilante de turistas. Os índices de criminalidade, de acordo com o delegado, estão baixos. Neste último mês, não houve nenhum registro de homicídio ou invasão de domicílios.

Segundo dados do Instituto de Segurança (ISP) do Rio de Janeiro, as ocorrências, em sua maioria, têm obedecido a uma tendência de queda, de 7.586 em 2009 para 7.468 em 2010.

De janeiro a novembro de 2010, houve 42 homicídios, contra os 65 no ano anterior. O total de roubos foi menor, 1.821 em 2009, enquanto que o ano passado registrou 1.553 nas duas delegacias que atendem a região. Roubos a pedestres foram 815 em comparação com 923 em 2009. O roubo de veículos também registrou queda de 293 (2009) para 226 (2010), o mesmo com roubos a residências, de 33 (2009) para 18 (2010).

Contrapartida social

“Esta semana já está tendo uma prévia da polícia, mas a vida segue normal. A comunidade quer saber a contrapartida social, educacional e da saúde”, disse a presidente da União de Moradores e Amigos da Comunidade dos Prazeres (UMAP) Dayse Cunha, de 47 anos e que há 16 vive em Santa Teresa.

“Não adianta só a região ficar sitiada com uma ação policial. Vamos esperar que venham melhorias com a UPP. Um exemplo seria ativar o hospital próximo, o 4º Centenário, que está fechado e poderia atender a muitos moradores de Santa Teresa. Se o poder público quer chegar tem também que moralizar os serviços públicos como o transporte. Aqui os ônibus só funcionam até 22h e os bondes pouco circulam. Tem que transformar o morador em cidadão”, defende Dayse.

Ela também representa a organização não-governamental Cenas Urbanas que está lançando um projeto de geração de renda e sustentabilidade com apoio da Caixa Econômica Federal e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Dayse critica a dificuldade de inserção econômica por parte da população das comunidades.

Disque Denúncia

Aliado à estratégia de inteligência e repasse de informações que levem a polícia aos esconderijos de traficantes, o Disque Denúncia já está recebendo ligações anônimas e montou uma equipe de plantão exclusiva para atender a população. A partir de domingo, todo o pessoal estará mobilizado, garantiu o coordenador Zeca Borges.

“Estamos recebendo algumas ligações da população que dão conta de procedimentos e rotas de fuga dos traficantes e esconderijos de armamentos. Não acreditamos que vão surgir reações de violência, mas estamos preparados para receber e verificar junto às autoridades as informações recebidas”, explicou Zeca Borges.

Segundo o coordenador, o Disque Denúncia já recebeu cerca de 30 ligações que indicam que já está havendo uma movimentação nas comunidades e que alguns traficantes estariam se deslocando para outras localidades da região metropolitana do Rio.