Topo

Histórico de crimes encomendados em AL é marcado por envolvimento político e impunidade

Aliny Gama e Carlos Madeiro<BR>Especial para o UOL Notícias<BR>Em Maceió

18/02/2011 14h17Atualizada em 18/02/2011 16h23

Embora Alagoas tenha se notabilizado como o Estado com maior número de homicídios do país apenas no século 21, as décadas de 80 e 90 foram marcadas por assassinatos de grande repercussão. A fama de terra dos crimes encomendados –envolvendo autoridades policiais, políticos e empresários– ganhou o país, mas passados até 15 anos de mortes emblemáticas, os mandantes continuam impunes.

A lista é extensa e vai de casos envolvendo desde uma deputada federal até o ex-tesoureiro de campanha do presidente da República Paulo César Farias. As investigações apontam para a existência de um grupo de extermínio conhecido como “gangue fardada”, que atuou nos anos 80 e 90 no Estado, e que atuava a serviço de políticos. O líder do grupo era o ex-comandante da Polícia Militar, Manoel Cavalcante, preso desde 1998, que já denunciou à Justiça alguns mandantes do Estado.

Entre os crimes, alguns chamam a atenção pela suposta participação de políticos. Este mês, três ex-deputados tiveram prisões decretadas por acusações de homicídios: Cícero Ferro (PMN) e João Beltrão (PRTB) –que integravam a Assembleia Legislativa e estão foragidos– e Francisco Tenório (PMN), que estava na Câmara Federal.

O foragido Cícero Ferro (PMN) seria o autor do crime mais recente. Ele é acusado de mandar matar, em outubro de 2007, o vereador Fernando Aldo, do município de Delmiro Gouveia. Segundo a polícia, o crime foi executado por pistoleiros durante uma festa popular no município de Mata Grande. Ferro nega o crime e diz que não tinha qualquer desavença com a vítima.

Já os ex-parlamentares Francisco Tenório e João Beltrão, além do atual deputado Antônio Albuquerque (PTdoB), são apontados como mandantes da morte do cabo José Gonçalves Filho, crime ocorrido em 1996. Todos negam a autoria do crime e desqualificam o autor da denúncia, Manoel Cavalcante.

Outro parlamentar acusado é o ex-deputado estadual e atual vereador de Maceió Luiz Pedro (PMN). Em uma das acusações sobre a morte de Carlos Roberto Rocha Santos, 31, em agosto de 2004, ele é acusado de ocultar o cadáver. O pai da vítima, Sebastião Pereira, tenta há cinco anos, sem sucesso, encontrar o corpo do filho, que teria sido enterrado em um cemitério de indigentes em Maceió. Luiz Pedro nega a autoria do crime e nunca foi ao banco dos réus.

Crimes emblemáticos

O crime de maior repercussão nacional ocorrido em Alagoas foi o assassinato do ex-tesoureiro Paulo César Farias, morto em junho de 1996, em sua casa de praia no balneário de Guaxuma, em Maceió. Ele foi encontrado morto ao lado da então namorada, Suzana Marcolino. A primeira versão do legista Badan Palhares apontava para homicídio seguido de suicídio. Pouco depois, um novo laudo do perito George Sanguinetti mudou a versão da polícia para duplo assassinato.

Durante a fase de investigação policial, o nome do ex-deputado federal e irmão de PC, Augusto Farias (PTB), chegou a ser apontado como autor intelectual do crime, mas foi retirado posteriormente pelo Ministério Público e apenas quatro seguranças que estavam na casa no momento do episódio foram denunciados à Justiça. Porém, 15 anos após o crime, nenhum deles foi julgado. A reportagem não conseguiu localizar os seguranças.

Outro crime de grande repercussão foi o assassinato da então deputada federal Ceci Cunha (PSDB), em dezembro de 1998. Ela e mais três pessoas foram mortas no dia da diplomação da reeleição da primeira deputada federal eleita por Alagoas, num episódio que ficou conhecido como “Chacina da Gruta” –já que a casa onde ocorreram os assassinatos se chamava Gruta de Lourdes.

O Ministério Público denunciou o então suplente Talvane Albuquerque (PTN) como mandante do crime, mas ele nunca foi levado ao banco dos réus. Por conta da demora, a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça incluiu o processo como exemplo negativo para a Justiça e abriu investigação, no início de 2011, para saber o motivo do atraso.

Outro crime que segue vivo na lembrança dos alagoanos e que ainda aguarda julgamento é do ex-tributarista Silvio Viana, morto em outubro de 1996. À época ele coordenava a administração de tributos da Secretaria de Estado da Fazenda e passou a cobrar dívidas de usineiros que sonegavam impostos. Um dos acusados de mandar matar Viana é o deputado federal João Lyra (PTB), que por repetida vezes negou a autoria do crime. Lyra era um dos que teria débito com o fisco estadual.

“Esse caso do Silvio Viana é uma aberração jurídica. Existem três inquéritos, de três processos –inclusive com condenação– na Justiça, mas que nunca resultou na punição do mandante”, afirma o advogado e coordenador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral em Alagoas, Adriano Argolo.

Para ele, a lentidão judiciária e a articulação de políticos com integrantes da Justiça são os motivos da impunidade em Alagoas. “Nós temos assistido a uma ação independente da polícia e uma participação rigorosa do MP (Ministério Público), que tem cumprido sua parte. Mas a inoperância do Judiciário alagoano é evidente. Há também a banda podre da Justiça, que tem acordos e acaba dificultando a punição a mandantes de assassinatos.”

Para Argolo, o histórico de impunidade de crimes envolvendo autoridades serve como incentivo para a nova onda de crimes no Estado. “Claro que essa epidemia de homicídios não tem isso como a única causa, mas é claro que a impunidade, causada em especial pela imunidade parlamentar, revolta as pessoas e ajuda a incentivar os assassinatos. É preciso que se puna os mandantes desses crimes para dar o exemplo”, finalizou.

Justiça vê múltiplos fatores para demora

Para o juiz auxiliar da presidência do Tribunal de Justiça e professor da Universidade Federal de Alagoas, Alberto Jorge Lima, a demora no julgamento de crimes encomendados ocorre por uma série de fatores, em especial pelo sistema penal brasileiro.

“Nossa legislação é muito permissiva, tolerante e anacrônica. O processo de júri no Brasil é feito para não funcionar, facilita em demasia quem comete crime. A lei promove uma série de recursos. Quando o acusado tem um bom advogado, ele vai usar o anacronismo da lei para postergar, ainda mais quando ele sabe que ele é culpado”, disse, citando como exemplo o caso PC Farias, que espera, desde 2006, uma decisão do Supremo Tribunal Federal sobre um recurso interposto pela defesa contra a pronúncia dos acusados –que devem ir a júri popular.

Segundo ele, a Polícia Civil alagoana também precisa de um maior corpo técnico qualificado para produzir inquéritos com provas contra mandantes de crimes. “Investigar os executores é mais fácil que investigar quem manda matar. É preciso um trabalho de inteligência.”

Além das dificuldades da lei e da investigação deficiente, o foro privilegiado de autoridades é outro fator que, para o juiz, contribui para a impunidade. “Esse foro é absurdo, porque esquece os direitos fundamentais das vítimas. Isso dificulta muito a punibilidade. Prova disso são os raros casos de condenação que existem de autoridades”, finaliza Lima.

Nos últimos dois anos, a Corregedoria de Justiça de Alagoas instaurou 335 processos disciplinares contra juízes no Estado. Destes, 230 foram arquivados, 57 foram encaminhados ao pleno e 50 estão em análise. A maioria dos casos é referente a retardamento de prazo processual. Não foi informada, porém, a quantidade de magistrados punidos neste período.