Topo

Terra do líder negro Zumbi, União dos Palmares (AL) luta para vencer domínio do tráfico

Carlos Madeiro

Do UOL, em Maceió

11/03/2012 06h02

Uma série de assassinatos está levando medo à população da pequena cidade de União dos Palmares, a 73 km de Maceió. Devastada pela enchente em junho de 2010 e conhecida nacionalmente por ser a terra do líder negro Zumbi dos Palmares, o município de 60 mil habitantes registrou 14 mortes violentas este ano, sendo sete delas em apenas uma semana.

Entre as vítimas estavam duas crianças, mortas este mês após denunciarem a ação de jovens traficantes na cidade. As autoridades alagoanas reforçaram a atuação na cidade para tentar conter os índices crescentes de violência.

Entre 2008 e 2010, União dos Palmares registrou 120 homicídios, o que dá uma média de uma morte a cada nove dias. Em 2012, essa média duplicou, com um assassinato a cada quatro dias e meio.

O número de homicídios de 2011 não foi informado pela Secretaria de Estado da Defesa Social. Um contador de homicídios foi instalado pela população, no centro da cidade, para pressionar as autoridades por soluções.

A onda de assassinatos levou a população às ruas na última terça-feira (6), quando um protesto reuniu cerca de 1.000 pessoas. Um dia depois da passeata pela paz, mais um assassinato foi registrado: o de uma criança de 12 anos, morta no centro do município.

O crime ocorreu cinco dias depois da morte de outro menino, de 10 anos, que foi torturado e chegou a ter uma orelha decepada pelos criminosos. Para as autoridades alagoanas, não há dúvidas de que as mortes estão relacionadas com o tráfico de drogas, que especialmente está chegando entre crianças e jovens.

A investigação agora caminha para identificar os integrantes e desarticular os grupos. O envolvimento de adolescentes no mundo do tráfico também está sendo comprovada nas investigações realizadas. Na última quarta-feira (7), a polícia prendeu os acusados da morte das crianças foram identificados e detidos. Para surpresa de todos, tratava-se de dois adolescentes, de 16 e 17 anos, que confessaram os crimes.

Frieza

Para reforçar a atuação do MP, o procurador-geral de Justiça, Eduardo Tavares, designou dois promotores para ajudarem na 1ª Vara na cidade. O promotor Antônio Vilas Boas, que já atuava na 2ª Vara da cidade, foi um deles.

O primeiro ato dele foi ouvir os adolescentes acusados da mortes das crianças, que --segundo ele-- demonstraram frieza ao confessarem o crime. “Nós vemos uma atuação forte aqui do tráfico de drogas, com crianças e adolescentes envolvidos. Se a sociedade quer viver em paz, tem que contribuir, punindo os acusados nos júris populares e denunciando”, disse Vilas Boas.

Para o promotor, a falta de efetivo das polícias é “visível”, o que gera ainda mais dificuldade nas investigações e garantia da segurança à população. “O Estado tem que se manifestar. Eu espero que se aumente o efetivo, pois há uma necessidade. O MP fica a reboque das investigações da Polícia Civil, que é quem faz os inquéritos.”

A repercussão causada pelo aumento da violência levou a polícia a reforçar a atuação na cidade. Para dar respostas, polícias Civil e Militar anunciaram medidas para tentar conter a onda de violência. Desde o início do mês, a PM reforçou a atuação na cidade, com a realização de operações para tentar prender suspeitos e apreender armas e drogas.

“Estamos recebendo reforço, mas de forma pontual, para a realização de operações. No sábado passado vieram quatro carros do Bope [Batalhão de Operações Especiais]. Na terça, vieram mais 30 policiais para uma operação. Estamos contando com o apoio do comando da PM, e sempre que solicitamos a presença de mais efetivo, ele vem”, disse o comandante do 2º Batalhão, major André Araújo Silva.

Tráfico de drogas

O major admitiu que os moradores têm procurado a polícia para cobrar uma atuação que dê mais segurança na cidade. “A população, assim como em qualquer cidade, está assustada com as notícias e cobrando do poder público a atuação mais presente da polícia. Estamos atuando para tentar minimizar o problema”, afirmou.

Para o chefe de serviço da Delegacia Regional de União dos Palmares, Jaelson Vasconcelos, todos os casos de homicídios na cidade apontam para envolvimento no tráfico de drogas. “Quanto mais a gente investiga, mas aponta para essa linha. Não temos dúvida que muitas dessas mortes ocorrem por acerto de contas e disputa por territórios dos traficantes”, afirmou.

Por conta do pouco efetivo, a direção da Polícia Civil não reforçou o número de policiais que atuam na cidade, mas designou o o DEIC (Departamento Especial de Investigação e Captura) para auxiliar nas investigações. Segundo Vasconcelos, das 14 mortes, duas –que vitimaram as crianças-- já foram solucionadas e outras quatro estão bem encaminhadas e devem ter desfecho na próxima semana.

“Temos muitos casos difíceis, complicados de serem apurados. Nosso efetivo não é o ideal, mas estamos nos esforçando”, afirmou, citando que os acusados são sempre da própria cidade ou de Maceió. Sobre o crescimento no número de homicídios, o policial acredita que a falta de estrutura da segurança pública no Estado e a falta de oportunidades para os jovens foram determinantes.

“Aqui é uma cidade pequena, sem alternativas de emprego, sem oportunidade para os jovens. E a segurança pública no Estado tem os seus problemas, todos sabem”, desabafou.

História

O Quilombo dos Palmares foi o maior da luta negra contra a escravidão na história do país. As primeiras referências do quilombo remontam ao final do século 16. O quilombo ficava localizado na Serra da Barriga, na então capitania de Pernambuco --hoje, município de União dos Palmares, na zona da mata de Alagoas.

No século 17, o local ganhou fama internacional pela resistência dos escravos contra os senhores de engenho que dominavam a região. Os registros apontam que o quilombo existiu por mais de um século.

Seu grande líder foi Zumbi dos Palmares, que passou a adotar a prática da guerrilha, com ataques surpresa aos engenhos para libertação de escravos. Zumbi foi morto no dia 20 de novembro de 1695, por bandeirantes, em uma emboscada.

Após o assassinato, o quilombo perdeu força e desfez por completo no início do século 18. A data da morte de Zumbi se tornou feriado em muitas cidades e Estados por ser o dia da consciência negra.