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CPI criada após tragédia na região serrana cita desvio em quentinhas e vans escolares em Nova Friburgo (RJ)

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

08/05/2012 18h17

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada pela Câmara Municipal de Nova Friburgo, na serra fluminense, para investigar a gestão de verbas federais repassadas à prefeitura local descobriu uma série de desvios de dinheiro público no decorrer do processo de recuperação da cidade, que foi devastada pelas enchentes de janeiro de 2011 --mais de 900 pessoas morreram em toda a região serrana do Rio de Janeiro.

As irregularidades incluem contratos nas áreas de saúde, educação, saneamento básico, entre outras. De acordo com o relatório da CPI da Tragédia, concluída no fim do ano passado, pelo menos 21 empresas de grande porte contratadas em caráter emergencial --isto é, sem processo licitatório-- foram beneficiadas com recursos provenientes do pacote de R$ 22 milhões repassados pela União.

"Foram mais do que 21 empresas, mais de 40 processos de investigação. (...) Temos pelo menos 20 inquéritos instaurados na Justiça e há perspectiva de que uma nova leva de ações sejam protocoladas a partir da análise do MP. A impressão que dá é a de que essas empresas tentaram jogar a sorte no bolo da calamidade. Eles utilizaram a tragédia para tirar proveito da lei de licitações", afirmou o relator da CPI, vereador Pierre Moraes.

Um dos principais indícios de superfaturamento envolve um contrato do governo municipal com a Masan Alimentos. Para fornecer durante três meses quentinhas aos funcionários e pacientes do hospital Raul Sertã, da UPA (Unidade de Pronto Atendimento) de Nova Friburgo e de um posto de saúde local, a empresa recebeu uma verba total de R$ 945 mil, segundo o relatório da CPI da Tragédia.

Cada refeição, cujo valor de mercado giraria em torno de R$ 3,50, foi adquirida por um preço quase duas vezes mais caro: R$ 10.

"Aproveitaram o momento crítico para concretizar um contrato emergencial, mas que deveria ser substituído por processo licitatório em um momento posterior. Isso não ocorreu. Eles desrespeitaram a lei de licitações e renovaram por várias vezes esse contrato emergencial", afirmou Moraes.

O vereador afirmou à reportagem do UOL que o Conselho Municipal de Saúde (CMS) não foi consultado durante o processo de contratação da Masan, justamente para que as irregularidades não fossem descobertas.

Além disso, a ex-secretária municipal de Saúde Jamila Calil --posteriormente denunciada pelo MP por formação de quadrilha e outros crimes-- teria mentido para o CMS e para a Câmara Municipal no momento em que foi questionada sobre a data da assinatura do contrato.

Com a logística de transporte totalmente destruída em razão da tragédia, a prefeitura de Nova Friburgo também providenciou a contratação de uma empresa para garantir a locomoção de estudantes de áreas rurais para escolas municipais situadas na região central do município. O programa de transporte escolar custou aos cofres do governo municipal R$ 775 mil.

A Caminhos Dourados, empresa escolhida para oferecer o serviço, gastou toda a verba em apenas 40 dias com vans e ônibus que, de acordo com a Secretaria Municipal de Educação, percorreram quase dez mil quilômetros em cada dia de aula.

"Esse é um problema crônico no município e essa mesma empresa já foi investigada pelo MP em outras oportunidades.  O processo relativo à contratação da Caminhos Dourados foi iniciado por volta do dia 3 de fevereiro, mas a publicação no Diário Oficial só ocorreu no dia 1º de setembro. Ou seja, foram quase sete meses nos quais essa empresa prestou serviços em condições suspeitas, e sem a oficialização de sua contratação", disse.

O indício de irregularidade mais forte observado pela CPI da Tragédia se refere à quilometragem total dos ônibus e das vans que eram responsáveis pelo transporte escolar --um dos fatos que levou ao processo de afastamento do ex-prefeito Demerval Barbosa Neto. Com a mudança de gestão na Secretaria Municipal de Educação, o governo passou a monitorar o serviço prestado pela Caminhos Dourados e constatou problemas nos números apresentados pela empresa.

"Com a quilometragem informada por eles [quase dez mil], seria possível fazer viagens de ida e volta do Oiapoque ao Chuí [pontos mais extremos do país]. Se considerarmos o prazo contratual [40 dias], teríamos um trajeto de quase 343 mil km. E o mais absurdo: supondo que o período letivo tenha 200 dias por ano, os veículos de transporte escolar de Nova Friburgo percorreriam uma distância de mais de 1.700.000 km. Eles poderiam dar 20 voltas ao mundo!", disse.

Empresa mais citada

A empresa mais citada no relatório de 220 páginas que a CPI da Tragédia enviou para o Ministério Público é a Cheinara Dedetilar Imunização. As enchentes de janeiro de 2011 destruíram nove colégios em todo o município, mas a companhia --que também foi contratada para desentupir os bueiros da cidade-- afirma ter prestado serviços de dedetização em 133 escolas municipais.

No entanto, segundo o relator da comissão, vereador Pierre Moraes, "houve pagamento duplo em várias escolas". O parlamentar argumenta que os serviços não foram prestados nas unidades educacionais afetadas pelas chuvas, pois "esses imóveis já não existiam mais".

Além disso, CPI e Ministério Público descobriram que houve falsificação de assinaturas de documentos e de propostas de preço. De acordo com imagens obtidas pelo MPF, um representante da Cheinara foi flagrado pelas câmeras de segurança do Banco do Brasil sacando cerca de R$ 300 mil em espécie.

Em sua companhia, no momento da transação, estava um homem identificado como gerente de gabinete do ex-prefeito Demerval Barbosa Neto.

"Qual é a empresa que saca um valor tão alto como esse em espécie? Há sinais muito claros e inquestionáveis de corrupção", questiona Moraes.

A reportagem do UOL tentou localizar os representantes das empresas citadas nesta reportagem, mas não obteve sucesso. O ex-prefeito do município, afastadado em virtude das denúncias de corrupção, se nega a comentar o caso desde que perdeu o cargo.