Favela em área de preservação reclama de esgoto de condomínio despejado em parque de SP
No parque estadual Tizo, na zona oeste de São Paulo, a placa fixada logo na entrada é direta: atear fogo, jogar entulho ou lixo no local são ações que podem render pena de três meses a um ano de reclusão, mais multa. Perto do muro que cerca o parque, porém, corre o esgoto de condomínios próximos e que desemboca, por dentro e por fora do cercado, para um córrego dentro do próprio Tizo --onde a vegetação predominante ainda é a Mata Atlântica.
As cenas de crime ambiental estão localizadas a poucos metros da comunidade da Vila Nova Esperança, cujos barracos deveriam ter sido removidos pelo governo do Estado, ano passado, por conta de uma decisão judicial de 2004 que apontou a ocupação em área de preservação ambiental. A CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano) tentou fazer a reintegração em março do ano passado, mas encontrou resistência dos moradores –que, à época, levaram à Polícia Civil fotos e vídeos de homens armados com pistolas e spray de pimenta em atitude intimidadora na ação.
A favela data do final dos anos 1960 e tem cerca de 500 famílias em casas improvisadas de alvenaria e em barracos de madeira. Em todas elas, além da falta de saneamento básico --ainda são usadas fossas --, são comuns as ligações irregulares de energia e a ausência absoluta de asfalto.
“Dizem que estamos prejudicando o meio ambiente, o parque, mas e os condomínios que poluem e não é feito nada? A sujeira deles é adubo, e a nossa, veneno?”, questionou a comerciante Maria de Lourdes Andrade de Souza, presidente da associação de moradores da Vila Nova Esperança.
Há dois anos na associação, dona Lia, como é conhecida, acompanhou a reportagem do UOL por dentro do parque com outros moradores e mostrou lá buracos encobertos de mato e terra através dos quais escoa o esgoto que vem da parte de cima do Tizo --onde estão os condomínios de casas e prédios.
A líder comunitária mostrou um laudo de uma vistoria feita na favela em dezembro do ano passado a pedido do juiz da 4ª Vara Cível do Fórum de Pinheiros. No documento, o perito atestou que os barracos estão “fora dos limites do parque Tizo”.
“Não queremos que o poder público fique no nosso lado, só queremos que se mostre a verdade. Não só estamos fora do parque, como não estamos poluindo o ambiente dele –nós, não”, reforçou a liderança.
Urbanização que não chega
A favela está localizada a divisa de São Paulo e Taboão da Serra, encravada na serra da Cantareira. Pelo Plano Diretor do Parque --uma publicação colorida e de capa dura assinada pelo ex-secretário estadual de meio ambiente, Bruno Covas, entregue a lideranças da comunidade--, é área a ser urbanizada.
O Plano Municipal de Habitação, que tramita na Câmara Municipal, também prevê urbanização da favela até 2024 --com início previsto para o ano que vem, e ao custo de cerca de R$ 6,8 milhões.
Os moradores afirmam que não deixarão o local --principalmente porque, segundo eles, o poder público não apresentou uma alternativa viável para que saiam. A viabilidade que eles pedem está relacionada à proximidade dali e a uma solução de moradia.
Apesar de a favela não ter sido uma das 33 em que houve registro de incêndio este ano, os moradores afirmaram ter medo.
“A gente sabe que o incêndio muitas vezes é pelo ‘gato’, pela gambiarra nossa, mas sabe também que tem incêndio proposital --por isso o jeito é, cada vez mais, ficar de olho”, disse a desempregada Zmyra Vicente da Cruz, 40, que veio do Recife. A manicure Joana Jesus Bispo, 34, da Bahia, tem opinião semelhante. “Procuramos ficar atentos depois desses incêndios todos, pois podem ser criminosos --e como querem nos tirar daqui, o cuidado tem que ser redobrado”.
Moradora da favela há 19 anos, desde que deixou a do Jaguaré, a diarista Sônia Camargo, 51, resumiu: “Moro há tantos anos em favela e nunca vi tanto incêndio assim. Acho que pode ser maldade, sabe, para ver se a gente desiste”, observou, para constatar: “Mas querem tirar a gente daqui e colocar onde? Só Deus sabe, pois, até agora, ninguém nos disse”.
Vistoria da Cetesb
Na última quinta-feira (13), dois dias depois de ser indagada pela reportagem do UOL sobre o despejo de esgoto dos condomínios dentro do parque, a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado) fez uma vistoria no local com técnicos da Agência Ambiental de Pinheiros. Até o fim da tarde de sexta (14), o relatório técnico ainda não havia sido finalizado.
O documento deve constatar se há a emissão ou não de esgoto irregular no parque, que é estadual, e as medidas que poderão ser tomadas contra quem polui a área.
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