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Sem coleta, Nova Iguaçu (RJ) sofre com acúmulo de lixo pelas ruas; prefeito e antecessora trocam acusações

O acúmulo de lixo em um terreno baldio localizado no bairro Jardim Iguaçu, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, atraiu um bando de urubus. - Zulmair Rocha/UOL
O acúmulo de lixo em um terreno baldio localizado no bairro Jardim Iguaçu, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, atraiu um bando de urubus. Imagem: Zulmair Rocha/UOL

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, em Nova Iguaçu (RJ)

11/01/2013 06h00

Moradores de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, sofrem desde o Natal com o acúmulo de lixo pelas ruas, problema ocasionado pela suspensão da coleta no município. O serviço foi paralisado após o término do contrato emergencial assinado com a empresa Locar, vencedora da última licitação realizada, em outubro do ano passado, durante a gestão da ex-prefeita Sheila Gama (PDT). Ela foi derrotada na última eleição pelo peemedebista Nelson Bornier.

Segundo o novo chefe do Executivo, o caos na limpeza urbana seria consequência dos "erros gravíssimos" de sua antecessora. Gama, por sua fez, diz que a "a cidade só ficou suja a partir do dia 1º de janeiro", quando o rival assumiu o cargo. De acordo com o prefeito eleito, um novo contrato já foi assinado com a empresa Lipa. O governo municipal estima que a situação possa ser regularizada até a próxima semana.

Alheios à guerra política, moradores de áreas nas quais o problema é mais grave são obrigados a conviver com moscas, ratos e até urubus, conforme a reportagem do UOL flagrou durante visita ao município, nesta quarta-feira (9). Um dos cenários mais degradantes pode ser visto no bairro Carmary, próximo à Posse, onde um campo de futebol deu lugar ao "lixão da Mina", situado na estrada da Guarita.

"Tem gente que vem de longe para jogar lixo aqui. Gente que paga R$ 20, R$ 30 para trazer de carroça. Eu brigo sozinho contra essa vergonha", disse Álvaro Teixeira de Jesus, 57. Segundo ele, enquanto outros moradores pagam preços módicos no comércio clandestino de transporte de lixo, ele e sua família já gastaram mais de R$ 100 com produtos para matar moscas.

"Sou catadora há dez anos e nunca tive um lixão tão perto de casa. Ajuda porque eu não tenho mais que sair daqui, mas é claro que eu não gosto dessa situação. Todo dia eu lavo o meu quintal, não deixo nada sujo. Não é porque eu dependo do lixo que preciso ser porca", afirmou.

Therezinha Pereira Penha, 57, moradora do bairro Carmary, em Nova Iguaçu

"E ainda tem o custo do remédio da minha filha, que tem alergia. Gasto R$ 75 com esse remédio, mas ela não tem como ficar boa com esse lixão aí, perto de casa. Toda hora ela está no nebulizador", disse.

Teixeira de Jesus, cuja casa fica em frente ao lixão, afirmou que todo o lixo acumulado no local teria sido depositado nos últimos 20 dias. Ele diz ter tentando evitar o crescimento do lixão da Mina, e afirma ter chegado a se envolver em brigas com outros moradores na tentativa de evitar que o problema fosse agravado.

"Eu já fechei a rua para que eles não jogassem. Eles me xingam, dizem que eu não sou o dono do terreno, mas eu não estou nem aí. Ninguém aguenta viver nessa situação", disse o morador, que revelou ainda já ter sofrido ameaças por conta de sua postura. "Quem me segura é a minha mulher", disse.

A catadora Therezinha Pereira da Penha, 57, mostra a quantidade de objetos encontrados em um lixão que se formou em frente a sua casa depois que o serviço de coleta de detritos foi suspenso em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.

O surgimento de um lixão na porta de casa, embora facilite o trabalho da catadora Therezinha Pereira Penha, 57, faz com que ela se junte ao vizinho Álvaro com o intuito de conscientizar os moradores da localidade. "Mas não tem solução, não. Uma vez fui falar com o rapaz que ele estava errado, e ele me xingou de tudo quanto foi nome. Por isso que eu chamo o Álvaro", disse ela.

Antes, a catadora precisava se deslocar para outras áreas e/ou dependia da ajuda dos vizinhos para recolher os itens posteriormente vendidos a um ferro velho da região. Com o novo lixão que se formou na estrada da Guarita, basta a ela atravessar a rua.

Ao UOL, Penha --que começa a trabalhar, todos os dias, por volta de 6h-- afirmou ter uma renda mensal de menos de R$ 300. Na quarta-feira (9), em apenas algumas horas, a moradora do bairro Carmary conseguiu lotar o seu quintal com objetos encontrados em meio ao lixo.

"Sou catadora há dez anos e nunca tive um lixão tão perto de casa. Ajuda porque eu não tenho mais que sair daqui, mas é claro que eu não gosto dessa situação. Todo dia eu lavo o meu quintal, não deixo nada sujo. Não é porque eu dependo do lixo que preciso ser porca", afirmou.

O caos na limpeza urbana é comum a outras cidades da Baixada Fluminense, tais como Duque de Caxias e Belford Roxo. No fim de 2012, um levantamento do UOL mostrou que ao menos oito cidades brasileiras apresentavam problemas relacionados ao serviço de coleta de lixo.

Fim de mandato deixa cidades sem coleta de lixo

Guerra política

O caos na limpeza urbana de Nova Iguaçu deu continuidade ao confronto verbal, que se iniciou ainda no decorrer do processo eleitoral do ano passado, entre o prefeito eleito, Nelson Bornier (PMDB), e sua antecessora, Sheila Gama (PDT). Segundo o novo chefe do Executivo, a pedetista assinou, em quase três anos de gestão, três contratos emergenciais referentes ao serviço de coleta de lixo.

"Pergunte a ela se ela assinou algum contrato definitivo com alguma empresa. Ou se ela ficou só no emergencial. Se ela fez um contrato [definitivo], você me chama de mentiroso. Se não, você chama ela de mentirosa. (...) Ela que te prove o que fez licitado nestes dois anos e nove meses. Se ela tivesse algum contrato, eu iria respeitar. Mas ela não tem", afirmou Bornier.

CONTROVÉRSIAS

  • 26

    de dezembro

    Na versão do atual prefeito, Nelson Bornier, esta foi a data na qual o serviço de coleta de lixo foi suspenso em Nova Iguaçu.

  • 31

    de dezembro

    Já a ex-prefeita Sheila Gama (PDT) afirma que a coleta de lixo foi realizada no município até o último dia de seu mandato. Segundo ela, "a cidade só ficou suja a partir do dia 1º de janeiro".

  • 3

    empresas

    Segundo Bornier, a ex-prefeita firmou contratos emergenciais com três empresas em vez de abrir um processo licitatório definitivo.

  • 2

    empresas

    Já Gama afirma ter feito apenas duas licitações, sem especificar se os contratos assinados durante sua gestão (com as empresas Delta e Locar) eram ou não emergenciais.

  • 6

    milhões

    Ao UOL, o atual prefeito de Nova Iguaçu afirmou que sua antecessora não pagou a última empresa responsável pela coleta de lixo, a Locar. Segundo ela, a dívida chega a R$ 6 milhões.

    Já Sheila Gama disse ao UOL ter realizado apenas duas licitações --ela não especificou se foram em caráter emergencial ou não-- de coleta de lixo pela Emlurb (Empresa de Limpeza Urbana de Nova Iguaçu), vencidas pelas empresas Delta (a mesma envolvida na polêmica envolvendo o governador Sérgio Cabral e o empreiteiro Fernando Cavendish) e Locar, e publicadas em abril de 2011 e outubro de 2012, respectivamente.

    Sobre o contrato com a Delta, Gama declarou: "Após os problemas que a empresa enfrentou e a consequente queda na qualidade dos serviços prestados, rescindimos este contrato". Na versão da pedetista, houve uma tentativa por parte do rival no sentido de dificultar que a segunda licitação fosse concretizada: "(...) o deputado Nelson Bornier pressionou o proprietário da Locar a não assinar o contrato".

    Ainda segundo o novo prefeito, Gama não pagou os últimos 45 dias de serviços oferecidos pela última empresa contratada, a Locar. "Do dia 15 de novembro a 15 de dezembro, ela não pagou. E os 15 dias [entre 16 e 26 de dezembro], também não pagou. São 45 dias. Ou seja, em torno de R$ 6 milhões ela ficou devendo para a empresa", disse.

    "O problema é pagar. Ela simplesmente não pagou a empresa. A causa maior [da suspensão da coleta] é ela não ter licitado durante dois anos e nove meses. Ela não obedeceu a legislação [referindo-se à Lei de Licitações]. Durante dois anos e nove meses, ela levou de qualquer maneira", completou.

    Gama contesta as afirmações do rival. De acordo com ela, a Locar trabalhou até o dia 31 de dezembro, e "a cidade só ficou seja a partir do dia 1º de janeiro". "Já completou dez dias que o deputado Bornier não recolhe o lixo de nossa cidade. (...) Em nosso governo, nossa cidade estava limpa e o povo sabia o horário que os caminhões passavam. O nosso serviço de coleta foi aprovado em todas as pesquisas de opinião", completou ela.


    Pergunte se ela assinou algum contrato definitivo com alguma empresa. Ou se ela ficou só no emergencial. Se ela fez um contrato [definitivo], você me chama de mentiroso. Se não, você chama ela de mentirosa

    Nelson Bornier (PMDB), prefeito de Nova Iguaçu

    Na versão de Bornier, o contrato com a Locar se encerrou no dia 15 de dezembro, mas a empresa teria estendido a coleta até o Natal por conta de um "pedido" da prefeita. Nesse sentido, o peemedebista diz que Gama cometeu um "erro gravíssimo". "(...) Aliás, ela está cometendo um erro gravíssimo: do dia 16 ao dia 31, a prefeitura não tem o controle de quem coletou o lixo. Não tem contrato nem emergencial nem definitivo", declarou.

    "(...) A lei não permite que se pague com antecedência qualquer serviço a ser realizado. Após fechar as planilhas de cobrança, elas precisam ser conferidas e atestadas pela Emlurb, para então seguirem o trâmite normal para serem pagas", respondeu Sheila Gama.

    O novo chefe do Executivo iguaçuano afirmou também que a sua antecessora não teria quitado outras contas da prefeitura. "Isso é uma de tantas e tantas coisas que ela não pagou. Não pagou merenda das crianças, não comprou medicamentos, não comprou a alimentação da saúde. (...) A prefeitura não tem telefone. Está tudo cortado. Se você não paga a conta de telefone da sua casa, imagine como está o resto", disse ele. Ao UOL, Gama negou as acusações.

    Por fim, questionado sobre o processo de transição, Bornier disse que a pedetista "dificultou muito". "Eu não consegui fazer. A prefeitura está fechada e só agora eu consegui fazer a transição. Só agora que eu estou conseguindo fazer", completou ele, anunciando que a sede do governo municipal será aberta aos contribuintes nesta sexta-feira (11). Questionado sobre os motivos pelos quais a antecessora teria dificultado os trabalhos, o novo prefeito afirmou: "(...) para poder esconder muita coisa. E agora a gente começa a descobrir".

    Sheila Gama, por sua vez, afirmou lamentar "tanto rancor e agressividade" nas declarações do rival, e --sem entrar em detalhes sobre acusação do rival quanto aos supostos empecilhos encontrados no processo de transição-- lembrou do fato de que a candidatura de Nelson Bornier, que derrotou Gama no primeiro turno, com 55% dos votos válidos, ainda será julgada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

    "O deputado Bornier tem demonstrado em seus discursos e entrevistas um grande nervosismo, incomum a um homem que assume o governo de uma cidade tão importante como Nova Iguaçu. (...) No referido processo, o TSE pode negar o registro da candidatura do deputado Bornier, confirmá-lo inelegível, e ele então ter que sair da cadeira que, por enquanto, ocupa. Possivelmente a eminência de perder o poder seja o único motivo que possa justificar tanto rancor e agressividade em suas palavras", finalizou a pedetista.