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Delegada relata dificuldade de obter provas de mortes em UTI de Curitiba

Rafael Moro Martins

Do UOL, em Curitiba

27/02/2013 18h40

A delegada-titular do Núcleo de Repressão aos Crimes Contra a Saúde (Nucrisa), Paula Brisola, afirma em documento oficial que “quando existe necessidade da liberação de leitos, a médica Virginia [Helena Soares de Souza], chefe da UTI (unidade de terapia intensiva) geral [do Hospital Evangélico], determina a antecipação do óbito dos referidos pacientes [que apresentam diagnóstico avançado por doenças graves]”. No entanto, ela e o MPE (Ministério Público Estadual) veem dificuldade para obter provas do crime.

A frase consta do pedido de prisão temporária de Virginia e de busca e apreensão de documentos no Evangélico, segundo maior hospital de Curitiba. Apresentado no último dia 30 de janeiro, o documento traz a transcrição de trechos de diálogos entre Virginia e colegas dela na UTI, interceptados pela polícia com autorização judicial a partir dos telefones da casa da médica.

A reportagem teve acesso a boa parte do inquérito, que desde segunda-feira (25) à noite não está mais sob sigilo judicial. Num dos diálogos transcritos, gravado em 24 de janeiro, Virginia afirma a um colega: “Nós estamos com a cabeça bem tranquila pra assassinar, pra tudo, né?”.

Em outro diálogo, interceptado três dias depois, Virginia diria: “Eu falei, pelo amor de Deus, tem alguns doentes que estão mortos, então vai desligando as coisas que não tem sentido”. Segundos depois, ela afirma: “O próximo que vamos desligar é o Ivo”. De acordo com a polícia, este paciente morreu dias depois.

No dia 31, o Ministério Público reiterou à Justiça o pedido de prisão da médica. “Surgiram elementos de convicção que se coadunam com a notícia que deu início ao presente caderno investigatório. Há indícios veementes de que pessoas estariam morrendo no Hospital Evangélico diante da intervenção ativa da chefe da UTI”, diz a promotora Juliana Andrade da Cunha.

“Os trechos degravados das conversas telefônicas interceptadas dão dimensão da extrema gravidade da situação, que a princípio já parecia por demais macabra e inacreditável, havendo indícios veementes de que, para 'girar os leitos' da UTI do hospital, pacientes, ainda que estejam em estado terminal, têm suas vidas abreviadas dolosamente pela ação de profissionais que deveriam reunir suas forças para salvá-las, sob as ordens da médica [Virginia]”, diz ela, logo a seguir.

Enviado à Justiça, o pedido de prisão temporária foi aceito pelo juiz Pedro Luis Sanson Corat, em 14 de fevereiro. No dia 19, Virginia foi presa numa operação que envolveu dez policiais no Hospital Evangélico, e pouco depois indiciada com suspeita de homicídio qualificado. Dias depois, mais três médicos e uma enfermeira, também suspeitos, foram detidos.

Provas “difíceis”

Apesar de ressaltarem a gravidades das suspeitas que pesam contra a ex-chefe da UTI geral do Evangélico, polícia, MP e Poder Judiciário admitem, em diversos trechos do inquérito, a dificuldade em conseguir provas que sustentem a suspeita de que “antecipavam-se mortes” ali.

 

“Esse tipo de delito não deixa vestígios, impossibilitando a realização de levantamentos de elementos materiais capazes de comprovar a prática da infração criminal, sendo a única forma de investigação a infiltração de agente policial no ambiente onde está ocorrendo, em tese, a prática delituosa, com monitoramento simultâneo das comunicações telefônicas”, escreveu a delegada em 30 de agosto.

“Médicos [do Ministério Público] em audiência esclareceram que os efeitos dos medicamentos citados [na denúncia original contra Virginia] não deixariam vestígios em eventual autópsia, e que a única forma de averiguar tal situação seria alguém ter acesso aos pacientes e presenciar tais condutas”, corroborou, em 5 de setembro, a promotora.

“Se comprova a versão mencionada pela autoridade policial e pelo MP de que se trata de eventual prática de crime cujos vestígios são mínimos, de inviável constatação exclusivamente pelos laudos de exame de necropsia. (…) A infiltração de um agente (…) revela-se como única medida efetiva para se verificar a veracidade das informações, diante da informação de que esse tipo de delito não deixa vestígios, sendo impossível sua constatação através dos laudos de exames de necropsia”, concordou no dia seguinte a juíza substituta Aline Passos, que autorizou a infiltração de um agente, a realização de escutas telefônicas e decretou o sigilo da investigação.

Polícia nunca infiltrou agente

A polícia, porém, informou nesta quarta-feira que jamais chegou a infiltrar um agente (que, no pedido da delegada, seria um “policial formado em enfermagem”). Em nota oficial, afirma que, “a despeito da autorização judicial, a execução da medida se tornou inviável do ponto de vista operacional, optando-se pela interceptação telefônica autorizada judicialmente".

Além disso, a transcrição dos diálogos telefônicos nem sempre se mostra desfavorável à médica. Descrita por colegas e familiares como pessoa “grosseira” e de “temperamento forte”, e “odiada” por parte dos funcionários do Evangélico, ela mostra compaixão em outros trechos das degravações das escutas telefônicas.

“Pelo amor de Deus, o Paulo não tinha condições”, diz uma interlocutora da médica, em certo trecho. “Mas era um homem tão jovem”, lamenta Virginia. O diálogo prossegue: “A gente trocou o curativo do Renato, ele está bem melhor! Eu nem fechei o tórax! Só fechei o braço, porque tinha aquela facectomia, a perna também nem precisou”, fala a interlocutora. “Que bom. E o André?”, responde Virginia. “Pediu gelatina”, a reposta. “Tadinho”, comenta a médica.

Advogado pede liberdade de médica

Para o advogado da médica, Elias Mattar Assad, a frase em que sua cliente diz “estamos com a cabeça bem tranquila pra assassinar, pra tudo” pode estar fora do contexto em que foi dita. “Ela pode ter falado isso durante uma situação de estresse, de contrariedade. Vamos imaginar que o familiar de um doente não tenha aceitado a morte de pessoa querida, e a tenham acusado de matá-lo. Ela comentária com o colega, em tom irônico: 'estamos aqui para matar gente, agora'.”

Assad impetrou, nesta quarta, pedido de habeas corpus para Virginia. Em apenas uma página, sustenta que sem “provas científicas e válidas da existência do fato (laudos específicos do IML no sentido da comprovação de possíveis crimes contra a vida) é impossível manutenção válida de quaisquer prisões. Sem essa prova, não há crime. Sem crime, não há prisão".

Em seguida, requisita a “concessão da ordem com expedição de alvará de soltura” da médica.

Também nesta quarta, ela apelou ao CRM (Conselho Regional de Medicina do Paraná) para que se manifeste esclarecendo os termos usados no inquérito e nos diálogos transcritos.