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"Ficamos tempo demais sem ir pra rua", diz líder da Passeata dos Cem Mil que parou o Rio em 1968

O então presidente da UME (União Metropolitana dos Estudantes), Vladimir Palmeira, era um dos líderes da Passeata dos Cem Mil, em 1968 - Cícero/Acervo UH/Folhapress
O então presidente da UME (União Metropolitana dos Estudantes), Vladimir Palmeira, era um dos líderes da Passeata dos Cem Mil, em 1968 Imagem: Cícero/Acervo UH/Folhapress

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

20/06/2013 06h00

Para o ex-deputado federal Vladimir Palmeira, um dos líderes da Passeata dos Cem Mil, em 1968, quando mais de cem mil pessoas tomaram as ruas do Rio de Janeiro para protestar contra a ditadura militar, os jovens ficaram "tempo demais sem ir pra rua".

Na segunda-feira (17), cerca de 45 anos depois do ato considerado pelos historiadores como o ponto alto do movimento estudantil durante o regime, mais de cem mil pessoas voltaram a ocupar a avenida Rio Branco em direção à Cinelândia. Elas participavam da quinta passeata contra o aumento da tarifa de ônibus no Rio. "A motivação agora é outra, mas o espírito é o mesmo", afirmou ele, repetindo a expressão que se tornou o slogan do movimento a nível nacional: "O gigante acordou!".

"Acho ótimo que a juventude esteja de volta às ruas. As reivindicações são outras, não vivemos mais na ditadura, aqui o pessoal está focado na questão do transporte público. (...) O Brasil é uma exceção, inclusive na América Latina, onde se tem pouca participação popular. Desde 89 [ano da primeira eleição democrática após o fim da ditadura], o nível caiu muito. É bom ver que a juventude está renascendo", declarou.

A Passeata dos Cem Mil, realizada no dia 26 de junho de 1968, foi inflamada pela morte do estudante Edson Luís Lima Souto, 18, três meses antes. Ele foi baleado enquanto jantava no antigo restaurante Calabouço. Desde então, os militantes iniciaram uma onda de protestos, que foram reprimidos de forma cada vez mais violenta pela polícia.

PASSEATA DOS CEM MIL

  • Folhapress

    Em 1968, uma onda de protestos contra a ditadura militar se espalhou pelo Rio de Janeiro. A polícia reprimiu com violência. Na foto, manifestantes observam um carro destruído em uma rua do centro da cidade

Palmeira, que à época era presidente da UME (União Metropolitana dos Estudantes), afirmou ao UOL que os atos recentes contra o aumento da tarifa de ônibus também estão sendo reprimidos com "violência desmensurável", o que, segundo ele, mostra que as forças policiais ainda trabalham com os mesmos princípios defendidos durante o regime militar.

"As Forças Armadas não foram democratizadas, e isso inclui a PM. Trata-se de uma herança da ditadura. Temos hoje uma política totalmente despreparada, que não é capaz de lidar com a democracia. Na segunda-feira, por exemplo, os policiais estavam atirando com fuzis. Isso é um despropósito", opinou.

O ex-líder estudantil, que participou da fundação do PT --ele deixou o partido, em 2011, em protesto contra a readmissão do ex-tesoureiro do partido, Delúbio Soares, condenado a 8 anos e 11 meses de prisão no julgamento do mensalão--, ainda não teve a oportunidade de comparecer ao movimento contra o aumento da tarifa de ônibus.

"Por questões de trabalho, não consegui ir na que teve cem mil pessoas. Mas com certeza eu vou nessa de quinta-feira", disse.

Fora da política, Palmeira se diz um "mero observador", e afirma acreditar que a mobilização popular com foco nas questões relacionadas ao transporte público tem potencial para "ir além". "Não podemos fazer uma profecia. Não sabemos quantas pessoas vão nesta quinta. Esse é um movimento que tem tudo para crescer cada vez mais", declarou.

RJ e SP anunciam redução

Após diversos protestos que se espalharam nas principais cidades brasileiras, os governos do Rio de Janeiro e de São Paulo anunciaram, na noite desta quarta-feira (19), a redução das tarifas do transporte público.

Em São Paulo, o governador do Estado, Geraldo Alckmin (PSDB), e o prefeito da capital paulista, Fernando Haddad (PT), anunciaram que o valor dos ônibus, metrô e trem voltará a ser R$ 3 a partir da próxima segunda-feira (24). A decisão representa uma diminuição de R$ 0,20.

Já no Rio de Janeiro, o aumento no valor das passagens de ônibus, metrô, trens e barcas também foi suspenso, segundo o prefeito da capital fluminense, Eduardo Paes (PMDB), que disse que a decisão foi combinada com o Estado vizinho. "Essa suspensão se dá em conjunto com o prefeito de São Paulo". A passagem volta ao valor de R$ 2,75.

Protesto mantido

Apesar da redução anunciada por Paes, os estudantes mantiveram a manifestação marcada para a tarde desta quinta-feira (20), no centro do Rio. O protesto da segunda-feira acabou em conflito com a polícia depois que um grupo tentou invadir a Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro).

Segundo o universitário Kenzo Soares, aluno da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), e um dos membros do Fórum de Luta contra o Aumento das Passagens, a passeata terá o mesmo trajeto em relação aos atos anteriores: da Candelária à Cinelândia.

"Esta foi a primeira vitória e fortalece ainda mais a manifestação de amanhã. Mostra ao povo que quem luta conquista. Mas a decisão ainda não foi formalizada, só foi de boca. A pauta foi ampliada durante os protestos. Queremos um transporte de qualidade", afirma ele. Existe a possibilidade de o trajeto ir até o Maracanã.

Durante a tentativa de invasão, na segunda-feira (17), um coquetel molotov foi lançado em direção ao edifício e atingiu a porta da Alerj. Policiais militares utilizaram balas de borracha, bombas de gás e spray de pimenta na tentativa de dispersar os manifestantes, mas acabaram entrando no prédio, onde passaram algumas horas como reféns. Por volta das 23h15, a Tropa de Choque retomou a Alerj e resgatou funcionários da Assembleia e cerca de 70 PMs, entre eles 20 feridos.

O presidente da Alerj, deputado Paulo Melo (PDMB), estimou que o prejuízo causado na sede do Legislativo fluminense foi entre R$ 1,5 a R$ 2 milhões. Segundo Melo, 30% dos vidros franceses da parte de trás do prédio e várias vidraças dentro do Palácio Tiradentes foram quebradas pelos manifestantes. O mobiliário no salão nobre da casa também foi danificado. Além do prédio da Alerj, também ocorreram atos de vandalismo no Paço Imperial e na Igreja de São José, que ficam no entorno.