Hostilidade a partidos e tom de balada marcam 7ª manifestação em São Paulo
A manifestação convocada para celebrar a revogação do reajuste das tarifas do transporte coletivo em São Paulo transformou a avenida Paulista em uma balada a céu aberto na noite de quinta-feira (20). Ao todo, segundo o instituto Datafolha, 110 mil pessoas participaram do ato convocado via Facebook pelo MPL (Movimento Passe Livre).
Ambulantes faturam com "manifestação-balada" na Paulista
O clima contrastou com as cenas de guerra que tomaram conta da avenida há uma semana, quando a Polícia Militar usou bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha que atingiram não apenas manifestantes, como moradores e trabalhadores da região, além de jornalistas. No ato dessa quinta, o sétimo do tipo, mais de 2.000 PMs observavam os manifestantes, das calçadas, armados apenas de cassetetes.
Apesar do clima de festa, alguns grupos expulsaram militantes de partidos políticos que foram à manifestação com bandeiras e camisetas. O principal alvo dessas queixas foi o PT da presidente Dilma Rousseff e do prefeito Fernando Haddad, personalidades hostilizadas em gritos de guerra e cartazes.
Os militantes --além do PT, havia gente do PSOL, do PCR e do PSTU-- foram tachados de oportunistas. Eles devolveram com gritos de “fascistas”. Em um tumulto entre partidários e ditos apartidários, um jovem foi ferido na cabeça sem gravidade e retirado do local por um carro da PM.
Multifacetada, manifestação tem ao menos 20 'causas'
A redução das tarifas de transporte coletivo foi substituída por faixas em defesa da “tarifa zero”. A exemplo de manifestações como a de segunda (17), até então a maior, o leque de causas abraçadas novamente se abriu --ao menos 20 delas foram levadas à avenida, segundo a contagem feita pelo UOL.
Com corrupção no topo da lista, projetos como o da cura gay e seu próprio defensor, o deputado Marco Feliciano (PSC-SP), entraram na mira dos manifestantes ao lado de causas como a “estatitização do transporte coletivo”, a “paz na Turquia”, a extinção da PEC 37 (que limita o poder de investigação do Ministério Público) e até o vegetarianismo. Frases como “Fora Renan” e “Fora Alckmin” também ilustraram o protesto.
Paralelamente à difusão de causas abraçadas, a ausência de lideranças na manifestação gerou reações contrárias por parte dos manifestantes.
Ausente da concentração por volta das 21h10, quando contatado pelo UOL, o MPL alegou ter deixado o ato porque havia cumprido sua “obrigação” --milhares de pessoas ainda ocupavam a Paulista.
“Não abandonamos [a manifestação]. Ela cumpriu com a obrigação dela, que era comemorar a queda da tarifa”, disse o professor de história Luciano Monteiro, 29, um dos líderes do MPL. Ele negou, porém, que essa tenha sido a última manifestação do movimento. “Não é a última, é a última contra o aumento da tarifa. Vamos continuar nos mobilizando pela tarifa zero.”
O professor também negou que a hostilidade de alguns manifestantes em relação à presença de partidos políticos tivesse algo a ver com a decisão do MPL de deixar o protesto. “Hostilidades sempre existiram”, disse.
Ausência de líderes e de coordenação geográfica
Além do campo ideológico, a ausência de lideranças que tomassem a frente da manifestação ficou clara quanto ao rumo geográfico: por volta das 21h, por exemplo, quando o protesto seguia sem direção definida e com vários grupos dispersos, uma parte dos manifestantes que estava no cruzamento das avenidas Paulista e Brigadeiro Luís Antonio gritava “vamos pra Assembleia”, para onde cerca de 1.500 seguiram.
Após minutos de impasse, parte dos manifestantes optou por retornar à Paulista enquanto outros desciam a Brigadeiro no sentido errado, rumo ao centro, e não sentido Ibirapuera, onde fica a Alesp. Uma roda, então, se abriu, e um dos manifestantes, com um megafone, criticou a falta de foco do protesto e o “clima de balada” que havia se instalado, com pessoas bebendo cerveja e ambulantes vendendo espetinhos, linguiça, pipoca e milho verde.
“Não é só sobre 20 centavos. Mas, então, por que virou rolê para amigo se reunir e beber cerveja? As pessoas estão aqui hoje para tirar foto com um cartaz legal, postar no Facebook e ter um monte de ‘curtir’. Isso não é protesto político”, criticou o professor de filosofia Fagner Augusto, 21, enquanto recebia o apoio de manifestantes que gritavam “protesto não é rolê”, “protesto não é turismo”.
Paulistanos comemoram tarifa e defendem mais protestos
O estudante Gustavo Freitas Correa, 19, que acompanhava a discussão, disse que a manifestação precisa agora de um “objetivo novo”. “O movimento não pode perder a força, tem que achar um objetivo novo. Nós conseguimos baixar os 20 centavos, mas não é só isso. Agora é a hora de a gente provar que não é só isso”, disse.
A manifestação terminou com um desfile pela avenida de grupos envoltos na bandeira do Brasil cantando o hino nacional e palavras de ordem contra políticos governistas, de um lado, e jovens do movimento anarquista, de outro, condenando o tom excessivamente patriótico e festivo dos demais.
Em gesto semelhante aos dos “nacionalistas”, que haviam queimado bandeiras do PT após a expulsão dos militantes, os anarquistas queimaram a bandeira do Brasil e rimaram “patriotas” com “idiotas”.
“Tirando o PSTU, que estava apoiando o Passe Livre desde o início, partidos como o PT estão se aproveitando da situação para se autopromover”, reclamou o arquiteto e urbanista Gustavo Furlan Marroni, 22, que foi à passeata com o pai e a mãe.
“A educação ‘tá osso’, tinha que vir protestar. Mas acabei ficando mesmo porque não está passando ônibus pra eu voltar pra Brasílândia [zona norte]”, disse o controlador de acesso Samir Mohamed, 20.
“Todo mundo tem o direito de se manifestar. É uma idiotice expulsar partidos políticos e movimentos sociais que estavam hoje aqui com bandeiras como alguns fizeram. Não é esse tipo de democracia de que o Brasil precisa”, defendeu a estudante Bruna dos Santos, 28.
Jovens orientam crianças de Heliópolis a hostilizar PM
Próximo à rua Pamplona, a reportagem flagrou o momento em que jovens aparentando pouco mais de 20 anos e com câmeras às mãos orientavam crianças vindas da comunidade de Heliópolis --segundo relatou um jovem de 18 anos, trabalhador na região da Paulista, que estava com elas-- a segurarem placas com mensagens como “Fim da PM” e “Verba para educação”. Em seguida, pediam às crianças que gritassem “Vamos queimar ônibus”. Abordado pelo UOL, o rapaz xingou a reportagem e saiu.
Consultado, um sargento da PM posicionado na calçada próxima admitiu que o episódio era incitação ao crime --prática vedada pelo Código Penal--, mas resumiu: “Em outra situação, poderíamos agir. Aqui, não, pois colocaríamos em risco nossa própria segurança e a dos manifestantes”, encerrou.
MPL repudia violência contra partidos
No início da madrugada desta sexta (21), o MPL divulgou uma nota em seu perfil do Facebook repudiando os ataques aos grupos partidários.
“A manifestação de hoje [ontem] faz parte dessa luta: além da comemoração da vitória popular da revogação, reafirmamos que lutar não é crime e demonstramos apoio às mobilizações de outras cidades. Contudo, no ato de hoje presenciamos episódios isolados e lamentáveis de violência contra a participação de diversos grupos.
O MPL luta por um transporte verdadeiramente público, que sirva às necessidades da população e não ao lucro dos empresários. Assim, nos colocamos ao lado de todos que lutam por um mundo para os debaixo e não para o lucro dos poucos que estão em cima. Essa é uma defesa histórica das organizações de esquerda, e é dessa história que o MPL faz parte e é fruto.
O MPL é um movimento social apartidário, mas não antipartidário. Repudiamos os atos de violência direcionados a essas organizações durante a manifestação de hoje, da mesma maneira que repudiamos a violência policial. Desde os primeiros protestos, essas organizações tomaram parte na mobilização. Oportunismo é tentar excluí-las da luta que construímos juntos”, encerrou a nota.
* Colaborou Guilherme Balza
OS PROTESTOS EM IMAGENS (Clique na foto para ampliar)
Manifestante tenta invadir a sede da Prefeitura de São Paulo, na região central da cidade
Carro de TV Record é incendiado em frente à Prefeitura de São Paulo durante protestos
Manifestante corre ao lado de estabelecimento comercial em chamas no centro de São Paulo
PM espirra spray de pimenta em manifestante durante protesto no Rio
Em Brasília, manifestantes conseguiram invadir a área externa do Congresso Nacional
Milhares de manifestantes tomam a avenida Faria Lima, em SP
Após protesto calmo em SP, grupo tenta invadir o Palácio dos Bandeirantes, sede do governo
Manifestantes tentam invadir o Palácio Tiradentes, sede da Assembleia Legislativa do Rio
Um carro que estava estacionado em uma rua do centro do Rio foi virado e incendiado
Cláudia Romualdo, comandante do policiamento de Belo Horizonte, posa com manifestantes
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