Moradores usam cisternas contra falta de água na Baixada Fluminense
Na casa de Elisabete Maria de Melo, 54, a água tem dia marcado para faltar: terça e sábado. Engana-se quem pensa que ela é mais uma vítima da seca que assola a região Sudeste e ameaça o abastecimento tanto de São Paulo quanto do Rio de Janeiro. A comerciante mora na Baixada Fluminense, em São João do Meriti, cidade de 460 mil habitantes a cerca de 30 quilômetros do Rio, e diz que o “racionamento informal” é praxe no bairro Parque Analândia desde antes dela mudar para lá, há 29 anos.
Sem abastecimento regular, ela e os vizinhos acabaram por adotar uma prática comum ao semiárido brasileiro: a construção de cisternas para captar água. Na casa de Bete, o reservatório tem lugar nobre, logo na entrada do quintal, e mantêm abastecidas seis famílias que moram no local. “A nossa sorte é essa cisterna”, diz Bete, que conta ter uma vizinha que toma banho e lava roupa em sua casa toda semana devido à falta constante de água.
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A Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos) admite que algumas regiões da Baixada têm "abastecimento intermitente", realizado apenas alguns dias da semana, mas nega a existência de racionamento na região. "Os pontos da Baixada Fluminense que estão com abastecimento intermitente são as regiões que, historicamente, sofrem com abastecimento irregular, principalmente, durante o verão, período de maior consumo", informou a assessoria da empresa.
De acordo com a companhia, isso ocorre porque muitos locais não têm rede ou têm redes muito antigas. "Para que todos tenham água da mesma forma ou de uma forma razoável, algumas ruas não são abastecidas todos os dias ou o dia inteiro", afirma a Cedae, que diz que o governo pretende universalizar o acesso a água na região nos próximos três anos. Segundo o dicionário Houaiss, no entanto, esta é justamente a definição de racionamento: "distribuição ou venda controlada de certos víveres ou bens carentes, determinada pelas autoridades governamentais para assegurar uma distribuição mais justa entre os consumidores ou usuários".
A companhia não informou quantas pessoas sofrem com o problema e nem em quais regiões do Estado. Segundo o IBGE, 7% dos domicílios de São João do Meriti não estão ligados à rede formal de abastecimento. Este número sobe para 25,5% na cidade vizinha de Belford Roxo e chega a 37,4% em Duque de Caxias, maior município da Baixada Fluminense, com 855 mil habitantes.
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- http://noticias.uol.com.br/enquetes/2014/10/31/voce-acha-que-vai-faltar-agua-no-rio-de-janeiro.js
Vizinho de Bete, o bancário Gentil Ramos, 50, herdou do pai a cisterna que abastece ele e a família e, quando a água demora mais que o normal a aparecer, ajuda até os vizinhos. Ainda nos anos 1980, seu pai, que mudou da beira do rio Paraíba do Sul, em Campos dos Goytacazes (hoje um dos principais pontos de atenção na crise da água), para São João em 1972, foi pioneiro no bairro ao substituir os dois poços que até então eram responsáveis pelo abastecimento da família por uma cisterna de 20 mil litros.
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Hoje, conta Gentil, a família é capaz de ficar até cinco dias sem água devido ao reservatório; por segurança, um dos poços foi mantido. Na casa em frente, o metalúrgico aposentado José Lopes mostra no porão o local em que pretende instalar a cisterna, já pensada junto com a obra, em processo de finalização. “Meu pai foi um visionário”, diz Gentil que, junto com Lopes, faz parte do MPS (Movimento Pró-Saneamento e Meio Ambiente), que reivindica melhorias no abastecimento e saneamento da região. “Na época deram risada dele, mas ninguém faz uma cisterna dessas à toa”, diz.
No dia 11 de novembro, o nível dos reservatórios equivalentes do Paraíba do Sul (que representa a média dos níveis das diferentes represas) chegou a 5,2% - na mesma época do ano passado esse número beirava os 50%. Principal fonte de abastecimento da cidade do Rio de Janeiro e da região metropolitana, a água do Paraíba do Sul abastece, no total, cerca de 9,5 milhões de pessoas no Estado.
O MPF (Ministério Público Federal) entrou com uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) a fim de que seja decretado estado de "calamidade hídrica" no Estado. O secretário estadual do Ambiente, Carlos Francisco Portinho, enviou um ofício à ANA (Agência Nacional de Águas) no qual questiona a quantidade de água que existe no volume morto do reservatório de Paraibuna e qual percentual poderia ser utilizado. Portinho também pediu apoio da ANA na "elaboração e execução de um "plano de contingência".
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