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Preconceito: Mito da democracia racial só fez mal ao negro no Brasil

A atriz Taís Araújo sofreu uma série de insultos racistas em sua página no Facebook - Montagem BOL
A atriz Taís Araújo sofreu uma série de insultos racistas em sua página no Facebook Imagem: Montagem BOL

Lúcia Valentim Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

05/11/2015 06h00

O Brasil é um país racista. Casos como os dos insultos ao jogador Michel Bastos e à atriz Taís Araújo nas redes sociais expõem essa realidade com mais visibilidade. O sofrimento de ambos, por serem figuras públicas, tende a comover mais as pessoas.

Mas, segundo especialistas e ativistas sociais, o país ainda reflete as mesmas relações escravocratas de séculos atrás.

“As máscaras caíram. O movimento negro contemporâneo foi responsável pelo desmonte do mito da democracia racial”, afirma Rosane Borges, jornalista e professora da Universidade Estadual de Londrina (PR).

O termo, difundido a partir do livro “Casa Grande e Senzala” (1933), de Gilberto Freyre, considera que as relações entre negros e brancos no Brasil se deram e se dão de forma harmônica.

“Os indicadores sociais demonstram como isso é falso. Dados do IBGE e de IDH [sobre qualidade de vida] mostram como a raça é que organiza as relações sociais no Brasil”, afirma Borges. Para os estudiosos, a pobreza não explica a mudança nos índices sociais quando se considera apenas a população negra

Vilma Reis, socióloga e ouvidora-geral da Defensoria Pública do Estado da Bahia, concorda: “Quando eu olho o sistema prisional, por exemplo, eu vejo um sistema colonial, de vingança contra negros e negras”. “Somos mais de 50% do total da população, mas mais de 70% dos pobres e bem mais da metade dos desempregados”, compara.

Douglas Belchior, blogueiro e militante do movimento negro, reforça que há muito tempo “existe uma cultura de negação do racismo”. “Somos educados a naturalizar o racismo, a achar que é normal”, diz Belchior. 

Preconceito Taís Araújo - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Preconceito transparece em post de 'apoio' a Taís Araújo
Imagem: Reprodução/Facebook

Xingamentos nas redes sociais

Para eles, as redes sociais amplificam as vozes, tanto dos caluniados quanto dos caluniadores.

“A internet tira isso de um circuito confinado a um espaço doméstico ou nos clubes e vira uma caixa de ressonância”, diz Borges.

“É melhor ter um campo de batalha aberto. Você sofre a ofensa e se pronuncia no mesmo lugar. Quem é homofóbico ou racista não vai recuar, com ou sem as redes sociais”, diz Reis.

Douglas Belchior diz, contudo, que “a estrutura da sociedade em que a gente vive é muito mais violenta do que a da web”. “A internet faz um favor para a gente, para o bem e para o mal. Explicita valores que estão presentes na sociedade.”

Novos tempos

A visão sobre o racismo também se transformou. Antes o preconceito era creditado a uma ação de indivíduos, “exageros” esporádicos. “Agora se revela que nosso tecido social é racista”, afirma Borges.

Nem por isso os entrevistados acham que exista um aumento no número de casos. “O que acontece agora é que estamos com mais coragem de levantar e nos pronunciar”, diz Reis. “As novas gerações foram educadas a reagir e a não se calar. O tempo atual não é de silêncio.”

Um indicativo é o crescimento das denúncias à Ouvidoria Nacional da Igualdade Racial. De 219 em 2011, saltaram para 570 até outubro de 2015 --como comparação foram 567 em todo 2014.

Uma das causas desse aumento é que negros passaram a ocupar segmentos expressivos da sociedade e estar em lugares a que não era comum chegarem. Mas isso também gera mais tensão social. “O negro não está mais sendo vítima de preconceito apenas nos elevadores, em ambientes subalternizados. Então isso não vai parar”, diz Rosane Borges.
 
Outro problema é o endurecimento do olhar. “Não nos emocionamos com a morte diária de negros, com as mães de centenas de jovens negros presos. Então o caso com Taís Araújo se torna mais importante. Mas, no fundo, essa crise diz pouco sobre o drama social no Brasil”, diz Rosane Borges. Vilma Reis diz que, casos com figuras públicas servem como “espelho para que outras pessoas possam dar seus gritos”. 
 
A sambista e atualmente deputada estadual pelo PCdoB-SP Leci Brandão relata que até hoje sofre esse tipo de discriminação. “Fui estigmatizada por tocar nesse problema que sempre existiu no Brasil. Sou apenas a segunda mulher negra a estar na Alesp, apesar de estarmos em 2010.”
 

Qual a saída?

Para Leci Brandão, as pessoas só aprendem se forem presas ou pagarem multas. “E só vai parar mesmo quando os negros forem para o poder. A marca afrodescendente está em tudo. Servimos de degrau para eleger presidente, governador, prefeito. E depois não levam nenhum negro para os ministérios.”

O professor Belchior diz que precisamos “enfrentar o poder branco instituído no país”. “As pessoas não nascem racistas. Elas aprendem isso.”

Já a socióloga Vilma Reis diz ter fé na luta social. “Não há um salvador da pátria. Quando se encontram respostas, os racistas levantam novas perguntas. Mas não podemos desistir.”