Cidade de São Paulo tem mais de 200 rios; quantos você vê?
Muita água passa por baixo das pontes do Tietê e do Pinheiros, principais rios da cidade de São Paulo. Mas também tem muita água passando por baixo do asfalto, do cimento e do concreto. O município possui nada menos que 186 bacias hidrográficas catalogadas pela prefeitura, o que representa mais de 200 cursos de água.
Há os casos do rio Verde e do Água Preta, que serpenteiam por baixo de bairros da zona oeste. E há muitos tampados por avenidas, como o Saracura (que nasce próximo ao Museu de Arte de São Paulo e à avenida Paulista), o Itororó e o Pacaembu, na região central. "Os rios continuam vivos apesar de estarem tampados e misturados com esgoto", diz o geógrafo Luiz de Campos Jr., um dos criadores da iniciativa Rios e Ruas, que busca os cursos d’água esquecidos pela cidade.
Há também os que sumiram completamente do mapa, soterrados pela urbanização, como o ribeirão do Bixiga, na região central da cidade. Por cima de um trecho dele, construiu-se o prédio da Câmara Municipal de São Paulo, lembra o arquiteto e urbanista Vladimir Bartalini, professor da USP (Universidade de São Paulo).
A grande maioria dos rios, ribeirões e riachos corre para o Tietê -- a cidade se situa, por sinal, na bacia do Alto Tietê. Não se sabe, porém, o número exato deles nem a extensão da rede hídrica porque boa parte flui por baixo da metrópole e ninguém vê. A quantidade de nascentes é outra incógnita. No centro expandido, é quase impossível avistar um córrego ou ribeirão. A cidade sufocou os rios e cresceu por cima deles. "Na região mais urbanizada, praticamente tudo está coberto", afirma Campos Jr..
Rios favoreceram o crescimento e apanharam dele
Os rios tiveram grande importância no surgimento e no crescimento da cidade. Aos pés da colina onde ela foi fundada, houve um porto às margens do Tamanduateí que serviu a região comercial em torno da rua 25 de Março. A única lembrança que restou dele é a ladeira batizada de Porto Geral.
Foi perto das margens do Tamanduateí que se construiu a ferrovia Santos-Jundiaí no século 19. As terras baixas nas proximidades do rio eram baratas. Por isso, receberam os trilhos que ligaram o porto de Santos ao interior do Estado.
Como eram baratas e passaram a contar com a ferrovia, também atraíram indústrias e favoreceram o surgimento de bairros operários. Processo similar aconteceu nas terras baixas à beira do Tietê.
Alguns paradoxos foram surgindo. Ao mesmo tempo em que precisavam dos rios como fonte de água, as fábricas escoavam para eles seus dejetos. Aos poucos, rios e córregos viraram sinônimos de esgoto. E os bairros erguidos nas áreas próximas aos rios sofriam com o mau cheio destes e com as inundações.
O medo da água deu força à ideia de que era necessário domá-las. Não há, no entanto, volume de obras capaz de fazer a cidade livrar-se totalmente das enchentes em períodos de chuva, quando os rios voltam a dar as caras e a reocupar temporariamente áreas que correspondiam a seus leitos e várzeas. As águas sobrevivem -- inclusive no nome de bairros: Água Branca, Água Fria, Água Funda, Água Rasa, Ponte Rasa, Interlagos, Rio Pequeno, Vila Nova Cachoeirinha.
Por outro lado, a região metropolitana também enfrenta períodos de seca, e a cidade que pulsa sobre a água, volta e meia, sofre com a falta dela.
Era uma vez um rio com sete voltas
Perto da colina onde a vila de São Paulo de Piratininga foi fundada no século 16, o rio Tamanduateí, afluente do Tietê, era tão sinuoso que ganhou um nome a mais: Sete Voltas. Piratininga, aliás, significa peixe seco em tupi-guarani, uma referência aos peixes que morriam na várzea depois da cheia.
A paisagem começou a mudar no século 19. Segundo Janes Jorge, professor de história na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), São Paulo passou a mexer nos rios e a retificá-los por uma questão sanitária – para combater enchentes e a estagnação das águas -, mas logo o mercado imobiliário colocou sua força no processo.
"Os rios retificados produziriam mais salubridade. Além disso, a retificação liberava espaço para o mercado de terras. No século 20, esses dois motivos permaneceram. Uma parte do espaço retirado dos rios pelas retificações foi parar no mercado de terras, outra parte foi ocupada pelas avenidas", afirma o pesquisador.
"A proposta de tapar córregos também tinha relação com a salubridade e cada vez mais com a criação de espaço para uso urbano. Nesse caso, as grandes avenidas passaram a correr sobre os córregos sepultados."
O primeiro tamponamento, comenta Janes Jorge, aconteceu já no século 20, em 1906, quando o Anhangabaú passou a correr oculto no vale a oeste da colina central onde São Paulo foi fundada.
Rios para carros
De acordo com o professor da Unifesp, o processo de domar e esconder os rios ganhou na década de 1940 um "ritmo avassalador que perdurou por todo o século 20". Um grande impulso para a aceleração do processo foi a atuação do engenheiro Prestes Maia, prefeito nomeado da cidade de 1938 a 1945, durante a ditadura do Estado Novo.
Em 1930, Maia havia publicado o "Plano de Avenidas", um estudo para nortear o crescimento da cidade que influenciou a administração municipal mesmo depois da gestão do engenheiro.
Segundo Bartalini, o auge das canalizações e transformação de fundos de vale em avenidas aconteceu nos anos 70 e 80. Era, segundo o pesquisador da USP, uma política deliberada da prefeitura. "A principal causa da retificação e do tamponamento foi a estrutura viária, a construção de avenidas", diz o urbanista.
"Num terreno acidentado como o nosso, qual o melhor caminho para passar os carros? É ao longo das linhas de água, que são eixos de maior fluidez possível. Tráfego é um fluído tanto quanto a água. Os carros buscam a mesma lógica dos caminhos da água”, frisa o secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, Fernando de Mello Franco, a respeito do processo histórico.
Na maioria dos casos, as avenidas não guardam sequer resquícios de que por baixo delas correm rios. Para Bartalini, os projetos das vias ignoraram completamente o potencial dos cursos de água. "Seria possível termos parques associados a avenidas em fundos de vale. É questão de desenho. O rio faz parte do imaginário e da memória. É equipamento e referência urbana, pode ser usado para o lazer. Se os planos tivessem atentado para isso, os rios ocupariam um lugar de afetividade, e os moradores ajudariam a mantê-los.”
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